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Epidemia em São Paulo já suspendeu jogos e quase cancelou o Paulistão

Policiais do Rio de Janeiro observam "espanholados" durante o surto de Gripe Espanhola de 1918 - Biblioteca Nacional
Policiais do Rio de Janeiro observam "espanholados" durante o surto de Gripe Espanhola de 1918 Imagem: Biblioteca Nacional
do UOL

Arthur Sandes e Diego Salgado

Do UOL, em São Paulo

27/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A Gripe Espanhola matou cerca de 35 mil pessoas no Brasil no fim de 1918
  • Por causa da epidemia, o Campeonato Paulista daquela temporada foi paralisado e por pouco não foi encerrado sem campeão
  • Benedito, do Paulistano, correu sérios riscos de morte; recuperado, ajudou o time a vencer o Estadual, já em 1919
  • O novo coronavírus (covid-19) teve o primeiro caso confirmado no Brasil ontem (26), pelo Ministério da Saúde
  • O avanço do coronavírus afetou o calendário do futebol na China e causou modificações na Itália
  • Na China, o campeonato nacional foi adiado; na Itália, partidas foram remarcadas e algumas serão disputadas sem torcida

Uma epidemia de um vírus avassalador aterrorizou o Brasil há 102 anos. Só na cidade de São Paulo o surto de Gripe Espanhola contaminou mais de 100 mil pessoas e matou cerca de 5 mil. Entre as consequências da crise de saúde pública, o Campeonato Paulista foi suspenso por dois meses, teve jogos cancelados e por pouco não foi encerrado sem campeão. Foi uma história bem diferente do novo coronavírus (covid-19), que teve o primeiro caso confirmado no Brasil ontem (26), pelo Ministério da Saúde.

A preocupação com a doença aumentou no Brasil em setembro de 1918, quando jornais paulistas noticiaram casos de adoecimento e morte de soldados do Exército que haviam estado no Senegal e na França. O primeiro caso foi confirmado em São Paulo em 15 de outubro pelo Serviço Sanitário, que recomendava às pessoas "evitar aglomerações, lugares fechados e resfriamentos bruscos".

O conselho virou determinação naquela mesma semana, porque em apenas três dias o número de casos confirmados em São Paulo subiu. O Serviço Sanitário então reagiu pedindo a suspensão de reuniões de sociedades literárias, recreativas ou esportivas, incluindo as partidas do Campeonato Paulista e de qualquer torneio amador. Em toda a cidade, igrejas reduziram o número de missas, e escolas suspenderam as aulas.

Segundo o livro "A História do Campeonato Paulista", de Valmir Storti e André Fontenelle, neste momento a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA) chegou a cogitar o cancelamento do torneio. O Paulistão só seria retomado em dezembro, quando a epidemia já perdia força, e todas as partidas que não tivessem influência na disputa do título seriam canceladas — só os duelos envolvendo Paulistano, A. A. das Palmeiras e Corinthians seriam mantidos.

Entre os jogadores do Paulistão a doença não fez vítimas fatais, mas Benedito, do Paulistano, correu sérios riscos de morte. Em campo, o maior destaque foi Arthur Friedenreich, o primeiro "Rei do Futebol" no Brasil, artilheiro daquele torneio com 25 gols em 14 jogos. O Corinthians teve chances de título até a última rodada, mas o Paulistano de Friedenreich e do sobrevivente Benedito terminou campeão ao fazer 7 a 0 na A. A. das Palmeiras.

Em 1918, Surto de Gripe Espanhola fez governos improvisarem hospitais até em barracões - Universal History Archive via Getty Images - Universal History Archive via Getty Images
Nos Estados Unidos, barracões foram improvisados como hospitais durante surto da gripe de 1918
Imagem: Universal History Archive via Getty Images

Gripe contaminou 500 milhões e matou o presidente

A Gripe Espanhola era causada por uma variante incomum do vírus Influenza A do subtipo H1N1, que contaminou cerca de 500 milhões e matou entre 50 e 100 milhões de pessoas em 1918. A onda mais letal aconteceu entre os meses de outubro e dezembro daquele ano, justamente o período em que o vírus tomou o Brasil. De certa forma a pandemia deve tanto o seu apelido quanto a sua alta taxa de mortalidade à Primeira Guerra Mundial: o apelido tem a ver com o posicionamento da Espanha no conflito, enquanto o contágio tem a ver com as aglomerações urbanas, a alimentação escassa e as condições sanitárias precárias que foram consequência da guerra.

No Brasil a doença vitimou ao menos 35 mil pessoas, segundo cálculos do Instituto Butantã. Uma delas foi Rodrigues Alves, o quinto presidente da República, que havia sido eleito para um segundo mandato em 1918, mas morreu antes de tomar posse.

Em São Paulo, em meio ao temor crescente, o jornal "A Gazeta" chegou a sugerir que a capital fosse isolada — ideia considerada ineficaz pelos médicos no caso da gripe. Fato é que o contágio teve quatro semanas de ápice no transcorrer de novembro, e em alguns dias houve mais de 7,5 mil casos confirmados só na cidade.

No total, após dois meses de surto, São Paulo contabilizou 116 mil contagiados e 5.331 mortes, portanto perdeu para a gripe cerca de 1% de sua população da época. Os números são do levantamento "A grippe epidemica no Brazil e especialmente em São Paulo", publicado em 1920 (por isso a grafia particular).

Reações ao coronavírus no futebol

O avanço do coronavírus afetou o calendário do futebol na China e causou modificações na Itália. O Campeonato Chinês, por exemplo, foi adiado por tempo indeterminado. Os atletas brasileiros que atuam no país, como Paulinho e Hulk, mantêm a forma física no Brasil. Um jogo do Shanghai SIPG válido pelas Liga dos Campeões da Ásia também aconteceu sem a presença de torcedores no fim de janeiro.

Na Itália, país europeu mais afetado pela epidemia, cinco partidas do Campeonato Italiano serão disputadas com portões fechados no próximo fim de semana (entre eles, Juventus x Inter de Milão, em Turim). Quatro duelos que aconteceriam no último domingo (23) foram adiadas pelas autoridades esportivas italianas.

Na última terça-feira (25), jogadores do Barcelona foram examinados na chegada a Nápoles, antes da partida contra o Napoli, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões. Além disso, o Mundial de Atletismo, que aconteceria em Nanjing, na China, entre 13 e 15 de março, também foi adiado.

Em todo o mundo, o coronavírus já infectou mais de 80 mil pessoas e matou 2.708 — em números atualizados ontem (25). No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso no país ontem, de um paciente de 61 anos que esteve na Itália.

Em pronunciamento, o ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que as autoridades de saúde agora vão avaliar o comportamento do covid-19 em ambientes mais quentes do que na China, que atualmente atravessa o inverno do hemisfério norte. "Agora vamos ver como esse vírus vai se comportar em um país tropical, em pleno verão", disse.

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