Topo
Esporte

A incrível história do fotógrafo que registrou a morte mas não traiu Senna

Angelo Orsi e Ayrton Senna se conheceram antes da F1 e logo se tornaram amigos - Reprodução
Angelo Orsi e Ayrton Senna se conheceram antes da F1 e logo se tornaram amigos Imagem: Reprodução
do UOL

Júlia Valente

Colaboração para o UOL, em Milão

05/05/2024 04h00

"Um amigo daqueles com quem se compartilha pensamentos e ideias". É assim que Angelo Orsi, icônico fotógrafo de automobilismo, descreve Ayrton Senna. Ele acompanhou de perto os 10 anos de Senna na Fórmula 1. Suas melhores recordações são fora das pistas.

Senna era uma pessoa serena e, acima de tudo, simples. Quando estava sem o capacete, era um de nós, não um supercampeão que fazia pose. Era uma pessoa completamente normal. E isso carrego como algo bom que fiz por ele, de tê-lo mantido tranquilo. Comigo, ele sempre esteve muito tranquilo, porque eu o tratava como uma pessoa normal.Angelo Orsi

Orsi conheceu Senna um ano antes da estreia do brasileiro na Fórmula 1, em 1983, quando o então jovem piloto, que corria na Fórmula 3, fez questão de se apresentar, dizendo admirar o trabalho do fotógrafo. O italiano tabalhava para a renomada revista italiana Autosprint, especializada em automobilismo.

A partir de 1984, já na Fórmula 1, viajaram juntos pelo mundo para os Grandes Prêmios e se tornaram cada vez mais próximos. "Estávamos sempre juntos [nas provas], e quando ele estava aqui na Emilia Romagna, estava sempre na minha casa". A residência de Orsi, próxima a Ímola, se tornou uma espécie de "casa fora de casa" para Ayrton Senna.

O acidente

O 1º de maio de 1994 é, para Orsi, um dia que ele preferiria não ter vivido. "Você tem amigos? É difícil dizer... Quando se tem um amigo, é uma pessoa com quem se compartilha pensamentos, palavras, se divide o tempo. Você se sente bem quando está com ele. Daquele dia, posso dizer que me recordo de ter perdido um amigo."

Justo naquele domingo, Orsi fez uma escolha incomum: registrar as imagens da corrida a partir da curva Tamburello, um local onde raramente os fotógrafos ficavam. "Vi [o acidente] de canto de olho na saída da pista, mas se via apenas o pó da via de fuga; eu não sabia quem era. Os comissários me disseram que tinha acontecido um acidente a 100 metros e que poderia ser o Ayrton. Eu saí do meu posto, peguei a motocicleta que estava ali e fui rapidamente ao local. Cheguei quando estavam tirando ele do carro. Tive a sensação de que não era algo bom."

Tudo o que aconteceu nos minutos em que Senna estava sendo atendido se apagou da memória do italiano: "Eu não conseguia ver exatamente o que [os socorristas] estavam fazendo, porque o cobriam. Quando os médicos se moviam, achei que vi sangue, mas se eu precisasse dizer exatamente o que vi, não me lembro, porque estava muito nervoso."

As fotos que ninguém mais viu

A câmera de Orsi estava programada para continuar fotografando automaticamente e registrou o atendimento ao piloto. "Quando retornei à redação, o Ayrton já tinha morrido. Soube enquanto voltava de carro. Olhei as fotos que tirei naquele rolo de filme e havia quatro que, na minha opinião, poderiam ser evitadas de serem vistas."

Junto com o diretor da revista, Orsi decidiu destruir essas quatro imagens.

O diretor me disse: 'Devemos lembrar do Ayrton sorrindo, como ele era, tranquilo, um grande campeão que vinha aqui na redação nos encontrar. Então, se você concordar, essas fotos ninguém mais verá.' E ninguém nunca mais as viu. Nós as destruímos. Essas quatro fotos não existem mais. As agências brasileiras, que descobriram que eu estava na [curva] Tamburello, vinham à nossa secretaria, querendo comprar aquelas fotos por qualquer valor, mas elas não existiam mais

A exposição

Um Ayrton alegre e sereno. É assim que Orsi faz questão de enfatizar suas memórias sobre o amigo. Ele expõe imagens com essas características em sua mostra no museu San Domenico, em Ímola. Intitulada "MAGIC", a exposição, aberta até o dia 2 de junho, contém 94 fotografias inéditas de Ayrton Senna, capturadas por Angelo Orsi e Mirco Lazzari, também fotojornalista esportivo. As imagens, não posadas e em preto e branco, nos transportam de volta ao passado e nos fazem recordar não apenas do piloto, mas do Ayrton por trás do capacete.

Esporte