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Como Google e Cisco viraram obstáculo no combate ao 'gatonet' no Brasil

BTV tvbox gatonet - Marcella Duarte
BTV tvbox gatonet Imagem: Marcella Duarte
do UOL

Kaluan Bernardo

Colaboração para Tilt, de São Paulo

22/09/2023 04h00Atualizada em 22/09/2023 17h08

Desde fevereiro de 2023, a Anatel trava uma intensa batalha contra as TV boxes, que permitem acessar gratuitamente plataformas pagas de streaming de vídeo e de TV por assinatura. A força-tarefa já desativou centenas de fontes de conteúdo pirateado e apreendeu milhares de caixinhas não homologadas, mas há duas "pedras no sapato" da agência: Google e Cisco, acusadas de fazer vista grossa ao ecossistema do "gatonet".

Tratado até então a portas fechadas, o mal-estar com as duas empresas de tecnologia só foi jogado no ventilador durante um painel no SET Expopainel no SET Expo em agosto. O motivo? Nas contas da associação, o prejuízo da pirataria é bilionário, da ordem de R$ 12 bilhões anuais, porque cerca de 6 milhões de casas acessam canais de TV por assinatura de forma pirata.

Até hoje, nunca fomos atendidos pelas principais plataformas de DNS público, como Google e Cisco, para derrubar serviços piratas Jonas Antunes, diretor jurídico da ABTA (Associação Brasileira de TVs por Assinatura)

Qual é o problema?

Um servidor DNS (Sistema de Nomes de Domínios, na sigla em inglês) é o responsável por relacionar o endereço de um site ou aplicativo legível por humanos -aquilo que você escreve no navegador da internet, por exemplo- ao número de IP correspondente a esse serviço nos bancos de dados da internet.

Como é possível tomar várias rotas para ir do seu aparelho até um IP, provedores de acesso geralmente possuem DNS próprios. Mas algumas empresas, caso de Google e Cisco, disponibilizam DNS públicos, que apresentam mais segurança e eficiência, devido ao espaço maior para armazenar mais cache, o que faz da navegação mais rápida.

A reportagem apurou que, quando essas empresas recebem pedidos para bloquear as estradas aos sites piratas, ignoram o pleito das proprietárias dos direitos autorais das obras audiovisuais, ainda que sejam feitos por meio dos canais oficiais de denúncias. Procuradas por Tilt, Cisco e Google recusaram-se a comentar o assunto.

Ultimato da Anatel

Depois do desabafo público de Antunes, a ABTA preferiu cobrar mais participação das plataformas tecnológicas no combate à pirataria por meio de uma nota.

Como as plataformas de internet são utilizadas por criminosos para promover a pirataria, e as políticas de prevenção dessas empresas não têm se mostrado eficazes para conter esse avanço, entendemos que esses provedores devem intensificar seu engajamento e comprometimento no combate à pirataria, adotando medidas mais efetivas para eliminar a oferta de produtos e serviços ilegais de suas plataformas ABTA

Na Anatel, a situação também vem sendo tratada nos bastidores, mas já foi externada ao menos uma vez e em tom de ultimato.

Queremos que elas [as grandes plataformas] nos ajudem nos bloqueios dos IPs. É o que falta para termos mais sucesso. Existem gigantes que não vou falar o nome -uma delas começa com G- que a gente tem notificado. Eu já determinei prazo de uma semana para que elas se manifestem e não havendo isso, vamos escalar o "enforcement", cabendo até judicialização pela agência. Não tem mais o que esperar, então vamos ser mais rigorosos
Moisés Moreira, conselheiro da agência, durante um painel promovido por Teletime e Telaviva no fim de agosto

O prazo expirou, mas a Anatel informa, sem dar nomes, que algumas plataformas já estão colaborando e o problema vai além de Google e Cisco.

São várias entidades, algumas com sede no Brasil, outras no exterior. Uma delas já confirmou que vai colaborar conosco; outras ainda estão em tratativas e realizando reuniões técnicas. Consideramos o assunto ainda pendente. Acreditamos que está demorando para avançar, mas também esperamos que as tratativas se concluam até o final do mês Hermano Tercius, superintendente de fiscalização da Anatel

Com o prazo renovado para uma solução ser atingida, Tercius reforça que, caso as empresas não colaborem, será necessário que a Anatel adote medidas mais severas.

"É preciso lembrar que estamos falando do cometimento de crimes. Além da pirataria de conteúdo, há também a possibilidade de se discutir o crime de prestação clandestina de serviço de telecomunicações. Essas empresas não podem ser instrumentos ou coniventes com a prática desse tipo de crimes e irregularidades. Se [a colaboração] não acontecer, a gente precisa escalar o que a gente chama de pirâmide regulatória de reinforcment".

No entendimento da Anatel, é tecnicamente viável que as empresas de tecnologia que oferecem DNS público lidem com a questão. "Algumas precisam implementar avanços técnicos, como diferenciações de redes. Mas é totalmente possível. É apenas uma questão de fazer", afirma Tercius.

A ABTA não só defende a viabilidade técnica dos bloqueios como argumenta que empresas de tecnologia estão mais do que aptas a fazer isso.

A ABTA acredita que todos os agentes, direta ou indiretamente afetados pela pirataria -ou responsáveis pelos meios em que ela ocorre— têm o dever de atuar na prevenção e combate deste ilícito. E, certamente, as plataformas de internet dispõem de competência e tecnologia para uma atuação mais eficaz neste sentido ABTA

Novas armas no combate à pirataria

Do ponto de vista institucional, a Anatel não tem competência para derrubar serviços que pirateiam o conteúdo de plataformas de streaming ou de TVs pagas. Não está no âmbito da agência regular a atuação de provedores de conteúdo conectado, os chamados "over the top", seja os que atuam dentro da lei, como Google e Facebook, seja os que agem à margem dela, caso das IPTVs piratas.

Contudo, é da alçada da agência avaliar a conformidade de aparelhos que utilizem radiofrequências no Brasil. É por esse flanco que a Anatel tem atuado, já que as TV Boxes usadas para difundir o "gatonet" não se submetem ao processo de homologação da instituição.

Em março, a Anatel estimava que havia mais de 7 milhões de TV Boxes ilegais instaladas no Brasil. Até agosto, a agência afirmou que já havia apreendido 1,4 milhão dessas caixinhas, totalizando um valor de R$ 400,8 milhões.

Ainda segundo a entidade, as 22 operações contra streaming pirata resultaram no bloqueio de 743 endereços IP (Internet Protocol) e 54 domínios. A expectativa é que as apreensões aumentem ainda mais, já que a agência estabeleceu em julho regras mais duras para homologar TV Boxes e combater a pirataria.

Além disso, a Anatel inaugurou em setembro o Laboratório Antipirataria, totalmente focado em detectar sinais clandestinos.

Com o laboratório, esperamos reagir mais rapidamente aos subterfúgios criados para a pirataria. A ideia é atacar em duas frentes: uma com rapidez quando conseguirem mudar de servidor e outra com as plataformas digitais que já são utilizadas. O laboratório já alcançou resultados interessantes, auxiliando órgãos executores de ordens judiciais, como a Polícia Federal Tercius, da Anatel

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