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OPINIÃO

Ouvimos antes 'Funk Generation': Anitta inaugura nova era do funk carioca

Anitta em divulgação do álbum Funk Generation - Divulgação
Anitta em divulgação do álbum Funk Generation Imagem: Divulgação
do UOL

Juliana Bragança*

Colaboração para Splash, do Rio de Janeiro

25/04/2024 18h00

Certa vez, Anitta me fez chorar... Lembro perfeitamente quando, em 2022, nossa Girl from Rio apresentou ao mundo —de forma brilhante, diga-se de passagem— o Rio de Janeiro "não higienizado": o Rio do busão lotado, do sol quente e da praia cheia, da farofa, do som altão, da multiplicidade de corpos e das relações sociais que permeiam nesses territórios. O Rio do funk. Rio que, naquele momento, estava tão distante de mim. Chorei lágrimas de satisfação por me ver representada.

É impressionante o poder que a música tem de nos tocar, de nos acessar de forma ímpar, não é? Justamente nesse sentido eu entro no assunto principal desta escrita que é o álbum (a meu ver, "obra-prima" é um termo bem mais apropriado) "Funk Generation", que sai à 1h desta sexta (26): é funk que vc quer? Então toma-toma-toma-tomaaaaa!

Digo com total segurança que Anitta não atendeu expectativas, ela superou toda e qualquer expectativa que tenha sido criada em torno desse tão esperado lançamento.

A proposta de Anitta é —sempre foi?— muito bem definida: impulsionar o funk a alçar voos cada vez mais altos. Ao escrever "Preso na Gaiola", comprovei, entre outras coisas, que apesar da nomenclatura nativa do movimento 'funk carioca", ele nunca esteve limitado à cidade do Rio de Janeiro. Muito pelo contrário, o funk é da Região Metropolitana, da Baixada Fluminense, do interior.

E não só do Rio: nossa batida vem ultrapassando fronteiras territoriais, geográficas e sociais no Brasil (e no exterior) há muitos anos. E Anitta, ao longo de sua carreira, vem mostrando que nossa música, nossa cultura, nossa estética são capazes de romper muitas outras barreiras, inclusive fronteiras internacionais.

Anitta em divulgação do álbum Funk Generation - Divulgação - Divulgação
Anitta em divulgação do álbum Funk Generation
Imagem: Divulgação

Mas como poderia ser diferente, já que quando toca funk, ninguém fica parado? É porque funk não se explica: funk se sente! O tamborzão contagia, o batidão envolve. Será que eu posso me arriscar e dizer que a música funk é uma linguagem universal? Talvez sim, mas Anitta, visionária, viu que a língua nos distanciava de nossos irmãos e irmãs e que o ela consegue fazer trazendo funk em português, espanhol e inglês é aproximar países vizinhos a nós, ainda que muito próximos, às vezes muito distantes.

Estamos diante de uma nova era da artista funkeira Anitta; estamos diante de uma nova era do próprio funk. MC Anitta já tinha mostrado lá atrás a que veio —a quem não acreditou em seu talento, capacidade, sagacidade, inteligência, criatividade e essência, deixo aqui o meu pesar.

Acompanhar a carreira da Anitta é perceber muito nitidamente ineditismo, reinvenção, evolução artística e, principalmente em "Funk Generation", liberdade criativa e de expressão. Ao ouvirmos o álbum, a artista nos conduz a um passeio por algumas vertentes do nosso movimento, que é pluralidade, resistência e arte. Em "Funk Generation", Anitta nos mostra duas das mais fortes raízes do funk: o melody e o tamborzão.

"Love in Common" e "Meme" são uma delicinha. Já ao ouvir "Lose Ya Breath", por exemplo, eu só conseguia pensar "que grave é esse, minha irmã?!". Meus fones de ouvido estavam a ponto de explodir e eu só pensava em como vai ser delicioso sentir aqueles graves no corpo todo num paredão de som de baile de favela. Potência que agora, mais do que nunca, ecoa mundo a fora. Foi aí que eu entendi perfeitamente a proposta do álbum: fazer a galera toda sentir o que de, fato, é o funk; uma experiência imersiva no que é o baile funk.

E putaria? Ah, temos? E da melhor qualidade! Anitta voltou lá nos anos 2000 e resgatou não só o som, mas também o discurso. Em "Double Team", por exemplo, percebo uma ressignificação de termos pejorativos que a nós, mulheres livres, destinam. Afinal, o que é ser puta? A patroa tem refs, e são de cria. Porque é isso que nós somos: "Cria de Favela".

É inadmissível que a partir de agora ainda tenham pessoas reproduzindo o discurso de que o que Anitta faz não é funk. E, se continuar, vejo apenas duas opções: mau-caratismo ou desconhecimento total do que é funk. Digo isto pois os elementos sonoros utilizados em todo "Funk Generation" é o que nossa geração conhece e entende como funk. E digo mais: Anitta está consolidando de forma muito contundente o que hoje entendemos como "funk pop", mais uma vertente de nosso movimento.

Finalizo dizendo que Anitta jogou com força, pra longe? Joga pra Lua, vai!

Em "Funk Generation", Anitta superou a si mesma. Ela sabe o que vai bombar na pista porque conhece bem o underground, o chão do baile. Cheia de malemolência, sensualidade e ousadia, Anitta mostrou que dá, sim, pra estudar o funk. Mas, pra entendê-lo, é preciso viver e experienciar o funk.

Deixo aqui então o convite: sinta "Funk Generation" e perceba que Anitta nunca foi tão? Anitta!

* Profª Juliana Bragança é Mestra e Doutoranda em História Social pela UERJ/FFP; autora de "Preso na Gaiola: a Criminalização do Funk Carioca nas Páginas do Jornal do Brasil (1990-1999)" e CEO do Domina Funk

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