Opinião: Inversão de valores na escala de prioridades
Abel Braga foi o convidado do "Programa Bem, Amigos", do SporTV, da última segunda-feira. Em pauta, assuntos dos mais diversos no tocante ao elenco formado pelo Flamengo para a temporada 2019: o bom momento da equipe, os reforços para a temporada e a possibilidade de utilizar dois times diferentes. Até sobre como controlar a vaidade dos jogadores ele falou.
Em determinado momento, porém, uma pergunta segue para uma outra linha. Ele é questionado sobre a qualidade e a previsibilidade dos treinadores no Brasil. Em outubro do ano passado, Abelão, respeitosamente, já havia se esquivado de responder a uma pergunta do LANCE! sobre o mal que faria à profissão alguns treinadores aceitarem mandatos-tampões em clubes para as últimas rodadas do Brasileirão. Justamente o contrário do que a classe almeja: estabilidade profissional.
Bom, no programa comandado por Galvão Bueno, novamente Abel evitou falar sobre colegas de profissão. No entanto, ele deixou no ar uma dura realidade no futebol: o medo da demissão por parte desta classe de profissionais. Como evitar que a mesmice permaneça nos ideais táticos se aos treinadores não for assegurada a tranquilidade para exercerem suas funções?
A questão que me intriga é que se tal insegurança está incutida na mente de profissionais renomados, imaginemos então o que se passa nas cabeças dos técnicos da nova safra. Exemplifico alguns, como Zé Ricardo (no Botafogo), Alberto Valentim (no Vasco), Fernando Diniz (no Fluminense), André Jardine (no São Paulo), Odair Helmann (no Internacional), Maurício Barbieri (no Goiás) - e incluo até Jair Ventura, que se "queimou" no ano passado com passagens apagadas por Santos e Corinthians.
Na coluna da semana passada, abordei a diversidade de estilos dos treinadores colocada à prova por conta do imediatismo por resultados. Na contramão disso, deixei no ar a questão das pré-temporadas constantemente prejudicadas pelos Estaduais, o cenário comum de todos os clubes, como tema para a nossa próxima conversa.
É preciso que se respeite o processo de construção de equipes de futebol. Nenhum treinador deveria lidar com a cobrança nos Estaduais para proteger o seu trabalho. Em contrapartida, o discurso em massa destes profissionais é o de que no final de fevereiro as equipes já estarão com uma identidade definida. E eu concordo. Mas pensemos então se o tempo gasto com jogos sem apelo, baixa qualidade técnica e prejuízo para os cofres dos clubes - o Flamengo que o diga no Rio de Janeiro - fosse aproveitado para uma pré-temporada decente... o caso de Sampaoli no Peixe e o virtuoso futebol apresentado pelos seus jogadores no início de 2019 é exceção à regra, não vale como máxima.
O período que serviria para trabalhar a base física aliada a introdução à carga tática poderia ser a salvação para que, enfim, pudéssemos ter uma temporada na qual a rotina das comissões técnicas seria pautada na preparação de estratégias e esquemas eficazes para cada jogo, e não na implementação de soluções emergenciais em decorrência da necessidade de se recuperar jogadores. A escala de prioridades foi invertida. Entra ano, sai ano, convivemos com uma dinâmica ultrapassada e que cobra um alto preço a curto prazo lá na frente.