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Lela Brandão: 'É insustentável seguir tendências de moda do TikTok'

Lela Brandão - Divulgação
Lela Brandão Imagem: Divulgação
do UOL

De Universa, em São Paulo

25/04/2024 04h00

Não é incomum rolar o feed do TikTok e encontrar vídeos de jovens chamando de cafona tênis ou acessórios que há um ano eram tendências. Para a estilista, empresária e produtora de conteúdo Lela Brandão, 30, seguir a moda que redes sociais ditam é insustentável —para clientes e empreendedores.

A empresária fundou sua marca de roupas confortáveis em 2020, inspirada em sua própria trajetória com distorção de imagem e distúrbios alimentares. Para Lela, as roupas eram um gatilho para piorar a relação com seu corpo. Quase quatro anos depois, a marca tem mais de 20 funcionários e faturou, no ano passado, R$ 9 milhões.

A estilista diz que para alcançar sucesso com uma marca na internet é preciso entender que o mercado digital não funciona da mesma forma que ter uma loja comum. "Comprar nas redes é uma experiência social", diz.

A Universa, Lela diz que encontrou paz como produtora de conteúdo ao produzir um podcast semanal. O programa aborda não só moda, mas relacionamentos, comportamento e outros temas. "Desistiria da produção de conteúdo se continuasse no ritmo que estava, fazendo sete reels por semana", desabafa.

Confira a entrevista a seguir.

UNIVERSA: A Lela Brandão Co. tem como conceito a "revolução do conforto". Como surgiu essa ideia?

Lela Brandão: No início dos anos 2000, a cultura das dietas e da magreza extrema mexeu muito comigo. Naquela época, eu tinha 13 anos e desenvolvi distúrbios alimentares sérios. O que me fazia competir com meu próprio corpo eram minhas roupas. Me punia por comer, exagerava em exercícios, não ia a festas. Fiquei neste buraco por anos. Até que entendi que as roupas poderiam também ser um caminho para que eu tivesse uma relação mais respeitosa com meu corpo.

A moda feminina é o único mercado em que temos que nos adequar ao produto. Historicamente, somos acostumadas a comprar uma roupa que não serve e entender que é o nosso corpo que está inadequado. Lela Brandão

Fiz uma curadoria de peças em marcas de shopping e montei meu armário baseado nisso. Comecei a produzir conteúdo e as pessoas sempre me perguntavam de onde eram minhas roupas, porque pareciam confortáveis. Mas não queria divulgar porque não necessariamente as marcas tinham essa preocupação.

Sonhei em como seria existir um lugar em que todas as peças fossem pensadas com esse propósito de respeitar os ciclos do corpo e não restringir a mobilidade. Veio a ideia da marca.

Como foi sua experiência em empreender e executar essa ideia?

Minha experiência foi um pouco diferente porque eu já tinha uma base de seguidoras. Percebi que priorizar essa troca com a comunidade faz muita diferença. Não importa o tamanho, se são clientes no seu bairro ou milhares de seguidores no Instagram, o cultivo da comunidade é extremamente importante. Tive a oportunidade de começar meu negócio já com uma comunidade mais estabelecida.

A segunda questão é que comecei com um propósito por trás. É importante que seu produto seja um reflexo desse propósito, e não pode ser "quero ganhar dinheiro". Óbvio que precisamos e merecemos ganhar dinheiro a partir do nosso trabalho, mas é entender como isso toca você e permitir que seus clientes entendam. Se você não se conectar com esse propósito, vai ser difícil sustentar o negócio a longo prazo.

Há muitas marcas vinculadas a um propósito ou comunidade hoje. Você pensa que isso é por uma questão geracional ou um requisito do mercado?

É bem característica do consumo digital. Comprar nas redes é uma experiência social. No e-commerce, ao mesmo tempo em que você tem a possibilidade de falar com muitas pessoas, todo mundo que tem um celular pode entrar em contato com seu negócio.

Na internet, você vê um produto na mesma timeline de posts da sua tia ou daquela amiga do jardim de infância. Se você usar as redes sociais só para postar seus produtos, vai ser muito difícil as pessoas se conectarem com eles.

Ao mesmo tempo que prega o slow fashion, a marca lança coleções que se esgotam rápido e nesse ambiente de consumo online. Como vocês lidam com isso?

Somos slow fashion porque somos uma marca independente brasileira. Quando nos colocamos em contraponto com a Shein ou outras marcas do "ultra fast fashion", não conseguimos nem competir. São formas de produzir e consumir totalmente diferentes. A Shein produz em minutos o que produzimos em um mês.

É muito desafiador porque temos outro tempo de produção, de meses de desenvolvimento e produção. A Shein literalmente produz de um dia para o outro. Celebridades aparecem usando vestido em um dia e no outro já está na Shein. Como marca independente, temos recursos limitados. Tudo o que lucramos, investimos para criar novas coleções.

Também é outra forma de consumir. É muito difícil de explicar isso para os clientes, dizer que não tenho como produzir mais essa blusa que esgotou para amanhã, porque agora estou produzindo o que vai estar no próximo semestre na loja. Tem o tempo do fornecedor entregar o tecido, cortar, costurar, finalizar.

A forma de consumo do "ultra fast fashion" é muito mais confortável para os clientes. Mas, de novo, a nossa comunidade escolhe porque elas entendem o que fazemos.

Seguir tendências é importante para uma marca de moda. Como fazer isso com esse tempo de produção, que é diferente?

Tivemos que driblar isso porque não temos como ser uma fast fashion e acompanhar tendências. Hoje, o ciclo de nascimento e declínio de uma tendência é muito curto. Uma tendência dos anos 1980 significa uma estética que esteve na moda por dez anos. Isso é impraticável agora. O TikTok já está falando que é cafona algo que estava na moda na semana passada.

Não temos como acompanhar o ritmo das redes sociais. Então, decidimos produzir peças que são atemporais. Sempre interpretamos o que está acontecendo no geral, sem acompanhar pequenas tendências —além de ser insustentável, não faz sentido para a marca.

No momento que vemos uma tendência, se conseguimos produzir, só vai ser daqui a meses. Ela já não vai mais existir. Então, analisamos um panorama geral do que está rolando no mundo, digerimos isso para entender quais dessas tendências vão para o ano que vem e o que não vamos mais encostar no armário.

É por isso também que fazemos as peças adaptáveis para si. Independente de o corpo da cliente ganhar ou perder 5 kg, a peça não deixa de servir. Fugimos um pouco das tendências muito rápidas para não colocar um prazo de validade naquilo que produzimos.

A marca vai completar quatro anos e passou por um rebranding nesse meio tempo. Quais foram as mudanças e as análises que vocês chegaram nesse período?

Foi bem libertador o processo, em setembro de 2023, no aniversário de três anos da marca.

Nascemos durante a pandemia, então roupas confortáveis tinham uma estética no nosso imaginário. Para se ter uma ideia, a peça que mais vendia no e-commerce era conjunto de moletom. Era tudo que queríamos: ficar confortável em casa, com a roupa mais confortável possível.

Senti a necessidade, com o fim da pandemia, do amadurecimento estético da marca e atualizar para uma moda mais urbana. Também mudamos o tom de voz da marca. Antes, ela falava como uma irmã mais nova que fez uma recente descoberta política ou social e quer convencer a família. Agora, passou a se comportar como uma irmã mais velha, que é quem vai falar o que é legal, para quem você pede conselhos.

Outro ponto central foi que antes era muito centrada exclusivamente no acolhimento, fazíamos roupas só baseadas em acolher quem você já é. A partir do rebranding, mostramos que não necessariamente você precisa abrir mão do conforto para ter estilo.

As tendências de moda têm sido cada vez mais curtas, como você comentou. Como você conecta isso ao nosso tempo e ao mundo digital?

Ao olhar para tendências, temos que ser muito frios, calculistas e críticos. Não dá para se basear nas tendências, por exemplo, do TikTok. Isso é inviável. Se você basear o seu consumo inteiro no que o TikTok fala que é da hora ou não, que é brega ou não, você vai gastar muito dinheiro, vai ficar com um monte de roupa encostada no seu armário.

Cada vez mais vejo as marcas refletindo mais a moda como uma cultura que se reflete na arte do que como microtendências que as marcas precisam atender, senão vão perder oportunidade de consumo. Não é o jeito de consumir nem de produzir que acredito.

Como você começou a produzir seu podcast?

O podcast não nasceu, na verdade, por estratégia, foi muito um desejo pessoal. Já trabalho como criadora de conteúdo há dez anos. Ano passado, percebi que não fazia mais sentido para mim a minha produção de conteúdo, ainda mais com essa dinâmica de reels rápidos, trends... Não funciono dessa forma. Gosto de ter um tempo para digerir, não gosto de dar respostas rápidas.

Lancei o podcast despretensiosamente e acabou sendo um projeto bem central na minha vida. Ele deu muito certo. Amo produzir ele, os temas, a troca... Adoro tudo que envolve o meu podcast. Achei tanta paz nesse formato de produzir conteúdo que virei protetora dele.

Gosto muito da mística de escutar alguém sem ver. Desde criança, sou viciada em programas de rádio. Gosto da sensação de estar acompanhada quando estou a caminho de algum lugar ou estou lavando louça, fazendo algo. Consigo transformar aquilo numa atividade prazerosa porque tem alguém me acompanhando com um tema que me interessa. Desistiria da produção de conteúdo se continuasse no ritmo que estava, fazendo sete reels por semana. Lela Brandão

E sua comunidade de ouvintes se misturou com a da marca.

Sim. O podcast não nasceu como uma estratégia, mas se provou como uma das nossas melhores estratégias, porque a nossa comunidade se retroalimenta. Hoje vejo que as pessoas que vêm do podcast consomem a marca com a sensação de que elas conhecem quem está por trás, como se estivessem apoiando um negócio de uma amiga. Isso é muito legal.

E como você escolhe essas pautas do podcast? Como é o processo de roteirização?

Não tem roteirização. É um podcast totalmente sem roteiro. Estruturo só uma linha de raciocínio, porque já gravei vários episódios sem essa linha de raciocínio e abro pautas sem nunca fechar. Agora só estruturo, mas não gosto de fazer roteiro escrito porque isso tira um pouco a minha espontaneidade.

Se algo me dá um insight, paro imediatamente e escrevo. Às vezes estou no banho, vem um insight, saio do banho para escrever e não esquecer. E é assim que surgem as pautas, geralmente de conversas ou das minhas reações de análise.

No podcast, você trouxe a questão da ansiedade e do seu tratamento com CBD. Como você descobriu e como tem sido sua experiência com isso?

Meu tratamento com CBD, na verdade, não é voltado diretamente para ansiedade. Apesar de ele também impactar, tenho fibromialgia. A fibromialgia é uma condição de dores muito fortes no corpo, que pioram com o emocional e com vários fatores, mas principalmente emocionais.

São dores que, se você não cuidar como não cuidei por muito tempo, porque demorei para receber esse diagnóstico, viram incapacitantes.

Faço meu tratamento com o canabidiol já faz dois anos. Foi minha salvação. O que mais impactou para mim, com certeza, foi o sono, porque quem tem dor crônica não consegue entrar no estado de sono que você precisa entrar para descansar. Então, antes do meu tratamento com CBD, literalmente acordava todos os dias chorando de exaustão. Era uma angústia horrorosa. Lela Brandão

Quais dicas você dá para mulheres que têm boas ideias e querem empreender?

Converse com outras mulheres que também estão empreendendo. Não importa se é no mesmo ramo que você ou não, se é do mesmo tamanho ou menor. Chame aquelas mulheres para conversar, para tomar um café.

Todo mundo tem algo a ensinar, não importa a trajetória. E a experiência de empreender como mulher é muito diferente da experiência de empreender como homem. Temos que quebrar a barreira de nos sentir ameaçadas, de demonstrar alguma vulnerabilidade ou de ter vergonha de chamar as pessoas para essa conversa.

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