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Angélica de La Riva, a soprano que incluiu brasilidade nas óperas mundiais

29/03/2019 20h02

Isadora Camargo.

Trancoso, 29 mar (EFE).- Aos 41 anos, Angélica de La Riva tem um objetivo: disseminar as composições e melodias clássicas da música brasileira pelo mundo e mostrar que Villa-Lobos pode estar no mesmo palco que Mozart.

A cantora lírica recentemente encantou o Teatro Real de Madri com as obras do compositor brasileiro em um espetáculo em homenagem à soprano espanhola Montserrat Caballé, que morreu em outubro do ano passado.

De La Riva conta com orgulho que foi a primeira soprano a levar Villa-Lobos a um dos palcos de ópera mais importantes do mundo e que não espera nada menos do futuro: apresentar a música clássica para cada vez mais pessoas que demonstrem interesse.

"Como artista brasileira, abracei com orgulho essa missão de carregar o repertório brasileiro sempre que tenho oportunidade", ressaltou a artista, que fala seis línguas e "canta o que estiver escrito".

Ao longo da carreira, a cantora descobriu na música clássica uma forma de expressão de arte e de "servir ao público" com mesclas de ritmos latinos e eruditos.

"Ninguém te ensina a lidar com o público, te ensinam um respeito importantíssimo que se deve ter à música, mas não te ensinam que é preciso servir de instrumento intermediário entre a música e o público. Quando você está no palco, você está a serviço da música", analisou.

Na opinião de Angélica de La Riva, o incentivo e a inclusão à música no Brasil são vítimas de "descaso".

"No Brasil não há quase nenhum apoio. Nos conservatórios maravilhosos não há nenhuma estrutura, os pianos estão totalmente desafinados e os prédios mostram o descaso do governo, a falta de apoio e a base educacional geral do país é um absurdo", criticou.

Para ela, a educação é fundamental para a inclusão musical, de modo a fomentar a liberdade ideológica para que as pessoas cheguem até a música.

Considerada uma das melhores sopranos do mundo por atingir o maior grave da nota dó, Angélica de La Riva se inspira na mescla e na diversidade de linguagens musicais, aproveitando os espaços de concertos para misturar estilos musicais.

Na zarzuela, ópera satírica espanhola, a artista incluiu canções cubanas e dançou no tradicional palco de orquestra durante uma das noites do Festival Internacional de Música de Trancoso, que terminará no próximo sábado com a participação da soprano.

A artista considera importante contar com as palmas do público nos palcos da música clássica, ainda que muitos tenores e sopranos não concordem com a fórmula da cantora.

"Quando eu estou cantando, não posso parar quieta, é uma influência cubana em mim. A influência espanhola do meu marido também botou um pouco mais de fogo do que já tinha no sangue de toda essa diversidade. Sempre que tenho a oportunidade, levo esse repertório para onde for", destacou.

Acompanhada de orquestras sinfônicas, ela teatraliza interpretações de Giuseppe Verdi, Giacomo Puccini e outros em turnês que atravessam oceanos, mesmo depois de passar por críticas no "mundo ortodoxo da ópera" por ter iniciado a carreira mais tarde, aos 25 anos, quando pisou pela primeira vez em um conservatório em Nova York.

Foi depois de cursar as faculdades de Direito e Artes Cênicas que conseguiu ser escalada para um musical da "A Bela e a Fera", no Rio de Janeiro, quando engatou a carreira na música e chamou a atenção dos grandes ouvidos da cena da música clássica.

Ao longo dos 16 anos de carreira, a soprano mantém uma rotina disciplinada: aquece a voz, medita, estuda canto acompanhada de seu piano - o primeiro instrumento que aprendeu a tocar - e, nos intervalos, pratica remo, esporte pelo qual já competiu.

Ela lembra que essa versatilidade a acompanha desde a infância, quando o pai a incentivava a cantar em festas e encontros com amigos. Nesses momentos, a soprano já imitava tenores e cantava um dos maiores ícones da ópera mundial, Maria Callas, com quem já foi comparada, e também Tim Maia.

No cenário erudito, ela inovou ao levar ao Carnegie Hall, em Nova York, essa miscelânea de ritmos por acreditar que "a música clássica e a humanidade estão em constante transformação" e que a mistura aproxima "o público não acostumado a sentir a tentação de estar em um concerto".

Para isso, Angélica de La Riva criou o espetáculo "Música Ferramenta Humana", no qual conta a própria trajetória através de óperas e outros estilos musicais.

"Esse mundo de diversidade é o que eu partilho. A música ou é boa ou é ruim, não interessa o gênero", frisou a artista, que recentemente participou de uma apresentação de heavy metal em Madri.

Atualmente, ela vibra com as mudanças positivas na sua voz devido à gravidez de cinco meses e explica que, "devido à presença do bebê, a pressão do diafragma configura novas notas ao canto e uma necessidade de se reinventar, estudar de novo". Como mulher, Angélica rompe barreiras em um ambiente de tenores e ainda dominado por homens.

Neste sábado, conduzida pelo maestro Carlos Gomes e acompanhada da Orquestra Acadêmica Mozarteum, a soprano encerrará o Festival de Música de Trancoso no espetáculo Terra Brasilis, que traz Villa-Lobos e outros compositores brasileiros ao palco do Teatro L'Occitane. EFE

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