'A Substância' critica pressões estéticas com violência: 'Levo ao extremo'
"A Substância", novo filme estrelado por Demi Moore, estreia nos cinemas nesta quinta-feira (19). Na obra de Coralie Fargeat, Moore encarna Elisabeth Sparkle, atriz e estrela de um programa de ginástica na TV. Depois de ser demitida pelo asqueroso chefão da emissora (Dennis Quaid) por estar "ultrapassada", ela decide recorrer à "substância", um líquido poderoso que promete fazer ressurgir uma versão mais nova de quem o usa.
O trailer não entrega, mas Sparkle renasce de forma bastante violenta: suas costas se abrem e, do rombo, sai a jovem Sue (Margaret Qualley). A única regra é que os dois corpos, o mais jovem e o mais velho, devem se revezar a cada semana. A regra, claro, é desrespeitada, e daí o filme faz jus ao gênero de "terror corporal" com muito sangue, órgãos expostos e violações grotescas do corpo humano em uma representação das pressões estéticas sofridas pelas mulheres.
Em entrevista a Splash, a diretora fala da importância da violência em seu trabalho, das inspirações do filme e do trabalho com Moore e Qualley:
Fargeat fica "superfeliz" ao ver que o filme tem sido descrito como um dos mais violentos e perturbadores dos últimos tempos. "Eu realmente queria fazer um filme que fosse uma declaração firme sobre seu tema. Para mim, o jeito de fazer isso é levar tudo ao extremo para provocar reações fortes, para falar da violência que sinto por dentro quando se fala nesse assunto."
A diretora escolheu uma atriz como personagem principal por acreditar que elas são símbolo das pressões em torno das aparências com que mulheres sofrem diariamente. "Como é ser observada? Como é se perguntar o tempo inteiro se você é isso ou aquilo suficiente, se é magra o suficiente? Ser atriz é colocar sua aparência na frente de todos e buscar ser amada dessa forma, porque as pessoas vão te olhar. Foi um jeito simbólico de discutir essa questão em relação a todas as mulheres."
Fargeat busca expressar as próprias experiências enquanto mulher no filme e diz que sofreu com questões relacionadas à aparência durante toda a vida. "Em todos os estágios da minha vida, realmente senti que só seria amada se tivesse certa aparência, se me comportasse de certa forma. Eu me sentia muito mal quando era mais jovem por não ser magra o suficiente, por não ter um certo formato de corpo. Quando você fica mais velha, é tipo: 'Ah, agora eu não sou jovem o suficiente'."
É um ciclo infinito. Sempre há algo que não é bom o suficiente, que faz com que você se sinta invisível ou não mais amada pelo resto do mundo. A sociedade se organiza com muita força, de forma que o olhar masculino dita como a mulher perfeita deve ser e é algo profundamente instilado na forma como pensamos em nós mesmas. Coralie Fargeat
Diretora do também sanguinolento "Vingança", Fargeat diz que usa a violência como uma forma de expressar sua liberdade artística e extravasar. "É como se eu pegasse tudo que restringe meus pensamentos, minhas falas, meu visual na vida real e, na ficção, tirasse essas barreiras. Posso liberar essa energia crua, esse excesso, esse exagero, que é o oposto do que sinto que devo fazer no meu dia a dia."
É uma forma forte de me expressar e meio que liberar a energia que tenho dentro de mim, mas tenho dificuldades de expressar no dia a dia. Amo expressar isso de forma criativa na tela, que, claro, tem seu próprio filtro e seus exageros, que também tornam essa violência divertida. Coralie Fargeat
A diretora favoreceu efeitos práticos em vez de efeitos especiais para tornar a violência ainda mais real. "As gravações foram longas, levamos muito tempo para preparar tudo. A cena do 'nascimento' no banheiro levou duas semanas levando tudo em conta, assim como a cena final. Todas tiveram desafios técnicos. E ainda é preciso se importar com a atuação, porque é isso que vai fazer com que os desafios técnicos tenham sucesso. Adoro fazer assim porque é isso que amo. Adoro criar coisas com as mãos, adoro tocar próteses."
Eu gosto de tocar o que estou filmando, então é importante ter efeitos práticos. Eles têm sua própria força. Expressam a carne e o corpo de um jeito muito poderoso. E é muito divertido pensar que você vai ver um corpo sendo cortado, ou outras coisas que não são vistas na vida real, no set de um filme. É muito divertido. Coralie Fargeat
Fargeat diz que trabalhar com Moore (com quem teve a primeira experiência no cinema) e Qualley foi "poderoso". A diretora diz que o primeiro trabalho como assistente de produção, ao lado de Moore, foi como uma "piscadela" diante do intenso trabalho em "A Substância", e diz que as duas protagonistas têm instintos de atuação muito fortes. "Elas usam de uma atuação muito emotiva, mas também muito corporal. Elas usaram muito o corpo para desenvolver suas personagens."
Apesar de trabalharem de formas diferentes, as duas conseguiram fazer o filme "funcionar". "Acho que todos sentimos as dificuldades de enfrentar gravações longas, foi desafiador para todo mundo. Mas, no set, todos sentimos que estávamos criando algo especial. As duas se comprometeram a colocar toda capacidade de interpretação a serviço do filme. Sentimos que algo especial estava acontecendo ali".
Cronenberg, com quem competiu em Cannes, e Tarantino estão entre suas inspirações. No festival, "A Substância" levou o prêmio de melhor roteiro. "Tenho assistido a esses diretores desde que sou criança, e são eles que alimentam meu universo. São muito diferentes, Cronenberg, Carpenter, Verhoeven, Tarantino. São cineastas que expressam suas liberdades e conseguem realmente oferecer uma visão para o público."
Foi assim que me criei como cineasta, sempre tentando dar a minha versão e minha visão do assunto que quero discutir. Não me proibindo, fazendo isso de uma forma que seria superpessoal e superforte. Quis criar meu próprio mundo. Coralie Fargeat
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