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Fãs dos Stones passam dez dias bisbilhotando ensaio de turnê por uma parede

Rolling Stones começam turnê Hackney Diamonds neste domingo no Texas - Sergione Infuso/Corbis/Getty Images
Rolling Stones começam turnê Hackney Diamonds neste domingo no Texas Imagem: Sergione Infuso/Corbis/Getty Images
do UOL

Dean Goodman

Colaboração para Splash, em Los Angeles (EUA)

27/04/2024 04h00

Com seu primeiro álbum inédito em 18 anos, os Rolling Stones desembarcam em Houston, no Texas, para dar o pontapé inicial à sua turnê nos EUA no próximo domingo (28).

A turnê Hackney Diamonds —mesmo nome do álbum— terá 19 shows e roda até dia 17 de julho. Para um pequeno número de aficionados, porém, a turnê começou extraoficialmente semanas atrás, quando os Stones começaram a ensaiar em Los Angeles, como eles fazem sempre antes de rodar pelo país.

A banda montou acampamento em um histórico estúdio de Hollywood construído por Charlie Chaplin em 1917 e trabalhou muitas horas por dia, de segunda a sexta, por cerca de 10 dias. Claro que nada disso foi divulgado. Fãs tiveram que bancar os detetives e descobrir o lugar por tentativa e erro, bom senso e sorte.

Eu era um desses detetives. No começo, havia um ou outro fã na cena. Um deles era Bjornulf Vik, um avô de 69 anos, que já perdeu a conta de quantas vezes viu os Rolling Stones desde 1973, embora ele tenha certeza de que passou de 500.

Bjornulf Vik - Dean Goodman - Dean Goodman
Bjornulf Vik, da Noruega, acena enquanto carro com Keith Richards está saindo do estúdio. ele estava paranoico em virar de costas e perder o guitarrista abaixando o vidro
Imagem: Dean Goodman

Em poucos dias, ganhamos a companhia de caçadores de autógrafos profissionais, fãs mais dedicados e espectadores ocasionais. No último dia, havia cerca de duas dúzias de nós. Você pode dizer que era um segredo bem guardado —ou que a maioria das pessoas tinha algo melhor para fazer.

Falando a real: nós não vimos as performances na verdade. Mas conseguíamos ouvir tudo da rua lateral colocando os ouvidos nas antigas paredes de estuque ou em algumas aberturas. Acho que estava mais para "pedras abafadas" do que para "pedras rolantes", mas era fácil dizer o que estava rolando ali do outro lado, em poucos metros. Os poucos obstáculos eram o barulho do trânsito e os transeuntes curiosos —que recebiam informações falsas, como "São os Eagles tocando". Os próprios Stones sabiam da bisbilhotagem, mas não pareciam preocupados.

A galera incluía um jovem trio da Argentina residente em Los Angeles. Jonatan Ruiz, 32, sua namorada, Sabrina Pastorino, 29, e seu irmão Facundo, 15. Eles apareceram todos os dias, e você podia ouvi-los chegando a quarteirões de distância porque eles vinham ouvindo músicas obscuras dos Stones no seu Kia Soul.

Jonatan já viu Stones 29 vezes e planeja acompanhar toda a turnê dos EUA -para qual o ingresso nas primeiras fileiras custa mais de US$ 660 (cerca de R$ 3.400), isso se você conseguir. "Nós argentinos temos uma conexão especial com o Rolling Stones, sempre sentimos que eles deveriam ser argentinos", diz Jonatan.

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Três fãs da Argentina em frente ao portão do estúdio onde os Rolling Stones ensaiaram em Los Angeles
Imagem: Dean Goodman

Primeiros a ouvir raridade

Nós presenciamos apresentações especiais de clássicos como "Midnight Rambler" e "Jumpin' Jack Flash" assim como faixas novas de "Hackney Diamonds". No fim das contas, a banda ensaiou mais de 50 músicas no período, mas a maioria delas eles não chegarão a tocar na turnê.

Cada dia era mais ou menos assim:

Eu chegava no velho estúdio do Chaplin —hoje casa de Caco, o Sapo, e Miss Piggy, da Jim Hensom Company— por volta das 15h e esperava pela chegada da realeza no portão principal da avenida La Brea.

O guitarrista Keith Richards chegava primeiro em um SUV todo dia perto das 15h20, no banco traseiro do passageiro ao lado do motorista. Eu sei porque só uma vez —bem no começo— o assistente dele desceu o vidro para que Keith pudesse acenar para Bjornulf e para mim. Seu colega nas guitarras Ronnie Wood, algumas vezes com sua mulher, Sally, chegava alguns minutos depois. Eles algumas vezes abriam a janela para acenar. Eventualmente Mick Jagger aparecia antes das 16h. Ele não abria os vidros, exceto muito rapidamente na última noite, o suficiente para vermos sua mão "sem corpo" balançando por trás do vidro colorido.

E então era hora do show na parede do lado sul da avenida DeLongre. Uma sessão clássica ia por esse caminho: "Start Me Up", "Get Off of My Cloud" e a nova "Angry". O que levaria à raridade "Out of Time", dos anos 60, que a banda estreou na turnê europeia de 2022. Registre-se que os bisbilhoteiros foram os primeiros a ouvi-la tocar em solo americano.

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Fãs de plantão do lado de fora do estúdio ouvindo o ensaio de Rolling Stones do outro lado da parede
Imagem: Dean Goodman

Depois mais algumas novas: "Mess it Up", com pegada disco, e a épica gospel, "Sweet Sounds of Heaven" —que conta com Lady Gaga na versão gravada. Os analistas da rua pensaram que seria um ótimo bis. E, dias depois, descobriram que estavam certos. No último ensaio, os Stones tocaram as músicas em sua provável ordem da turnê, e "Sweet Sounds" surgiu exatamente antes de "Satisfaction", a tradicional música de fechamento da banda.

Em outro dia, eles tiraram o pó de "Emotional Rescue", uma faixa dance 1980 que exige que o Jagger de 80 anos de idade cante em falsete. Ele ainda poderia fazer isso, mas os analistas da rua concluíram que aquilo devia ser mais um exercício vocal do que uma tentativa séria de preparar a música para a turnê. E talvez seja a mesma coisa com as baladas "Fool to Cry" e "Worried About You".

Destaque para as canções que pareceram problemáticas, exigindo que a banda ficasse reiniciando —alimentados pelo groove inimitável de Charlie Watt: "Monkey Man" e "Can't You Hear Me Knocking". Foi um prazer surreal ouvir as introduções ameaçadoras tocadas repetidamente.

Lá pelas 19h, o ensaio começava a desacelerar, criando um dilema para os bisbilhoteiros. Nós esperamos para ver se haveria mais músicas ou corremos para o portão para ver os Stones saírem? Acontecia às vezes de Mick sair enquanto Keith repassava algumas faixas, como "Happy" ou a nova balada "Tell Me Straight".

A saída de Mick era sempre dramática. Um segurança entrava destemidamente no trânsito da hora do rush na La Brea, acenava com sua lanterna para parar o fluxo e abrir espaço para o carro de Mick virar suavemente na avenida sem perder um segundo.

O último dia —19 de abril— era para ser especial. Os Stones seguiriam a tradição e permitiram que os fãs assistissem de fato ao ensaio? Nós olhamos ansiosos a equipe de segurança do outro lado do portão, nossos corações dispararam quando eles vieram em nossa direção, então nossas esperanças se despedaçaram enquanto eles saíram andando. Não, não permitiriam.

Mas talvez a gente tenha levado um prêmio melhor. Às 18h15, o portão se abriu para que um Corvette azul conversível saísse. Nós abrimos espaço, sem dar muita atenção porque não era um carro dos Stones e a gente não ligava. Então alguém gritou: "É o Paul McCartney!". E de repente nós passamos a ligar muito.

Sir Paul saiu devagar do estacionamento levantando os polegares, com as duas mãos no volante. Depois parou o carro para poder se inclinar em minha direção, no lado do passageiro, para acenar e mostrar o sinal de "amor" com o polegar e o dedo indicador. Que momento extraordinário para todos, especialmente para um brasileiro aleatório de Curitiba que por acaso estava passando por lá.

É difícil de acreditar que, depois de mais de 60 anos, um Beatle e os Stones ainda possam entregar emoções deliciosas e inesperadas. Que ainda dure muito.

*Dean Goodman é um Jornalista e escritor de Los Angeles que já viu 297 shows do Rolling Stones desde 1989. Ele espera chegar a 300 em Las Vegas no mês que vem.

*Tradução: Bruna Monteiro de Barros

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