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Ao L!, Jair Ventura se desculpa após polêmica do 'Everest': 'Acharam que eu diminuí o Botafogo, e isso jamais'

26/02/2019 07h20

Premiado técnico revelação do Campeonato Brasileiro de 2016, Jair Ventura tirou o Botafogo da zona de rebaixamento e levou à Taça Libertadores. Em 2017, o Glorioso chegou de forma surpreendente às quartas de final da competição internacional. Após fim de ano ruim, o 2018 que se vislumbrava animador teve números decepcionantes no Santos e no Corinthians. O Fluminense chegou a cogitá-lo para assumir a equipe neste início de 2019. Não se confirmou e o treinador, na primeira pausa da carreira, recebeu o LANCE! em seu apartamento para uma conversa franca sobre os trabalhos e as polêmicas. Nesta segunda parte, o período no Botafogo, a repercussão negativa da frase sobre o Monte Everest e o debate recente com Petkovic, em rede nacional, sobre continuidade ou não do trabalho quando a opção é do treinador, e não quando há demissão.

No Botafogo, a torcida te abraçou, mas, no final, começou a pegar no seu pé. Você entende a implicância e as vaias que recebeu quando esteve no Estádio Nilton Santos como rival?

Todos os jogadores e treinadores que vão jogar contra ex-clubes são vaiados. Eu estava assistindo Vila Nova e Goiás e toda vez que o Danilo (meia hoje no Vila Nova, mas revelado pelo Goiás) pegava na bola era vaiado. Então é com todos os times, não é pessoal. O Willian Arão, quando jogou contra o Botafogo, foi vaiado. O meu amor, meu carinho por eles não vai mudar. Foram dez anos no clube. Eu sempre falo que, como profissional e como pessoa, o meu amadurecimento, a minha mudança, desde quando entrei no Botafogo, em 2008, foi muito grande, fora a história linda do meu pai, de 13 anos. Eu trabalhei dez, não tenho mágoa, não tenho nada. Sei que quando eu estiver do lado deles vão me aplaudir, como aplaudiram, me incentivaram, e quando jogar contra, na situação do ex, vou ser vaiados. Mas entendo com naturalidade.

Na reta final do Brasileiro-17, te perguntaram se você se sentia na obrigação de conquistar a vaga na Libertadores, e o exemplo do "Monte Everest" repercutiu mal. Você se arrepende?

Como comandante, a gente tem um grupo a comandar, isso é redundante. Acontece que estávamos num momento muito delicado: o câncer do Roger (hoje no Ceará), que o grupo sentiu muito, tivemos perdas de jogadores, era um momento em que não tínhamos um elenco grande e a pressão estava muito grande pela classificação. Pelos jogos que vínhamos fazendo, pelo ano que vinha sendo 2017 e que foi 2016. Eu quis, no momento, tirar pressão do meu grupo. Fiz uma analogia de que não poderíamos ter a obrigação de fazer uma coisa que nunca tinha sido feita. Foi para tirar um pouco do peso do grupo. Mas eu vi, depois, um pouco mais quando saí, que a proporção foi diferente, como se eu tivesse diminuído um clube que nunca classificou duas vezes consecutivas para a Libertadores. Jamais faria isso, jamais faria isso com qualquer instituição, ainda mais um clube que eu fiquei dez anos, que é a minha casa. Eu quis proteger um grupo de jogadores, faria isso, mas, de repente, tendo cuidado com o que falo. Porque algumas pessoas entenderam que eu estava menosprezando a instituição. Jamais faria. Quero aproveitar a oportunidade, porque nunca falei sobre isso, e pedir desculpas para aqueles torcedores que acharam que eu diminuí o Botafogo, e isso jamais. Hoje, tudo que eu tenho, meu pai, minha família têm é graças ao Botafogo. A minha intenção foi de proteger o meu grupo, de tirar o peso de uma classificação. Estávamos sofrendo com desmanche e eu, como líder, quis fazer isso, mas jamais diminuir o Botafogo. E para aqueles que ficaram magoados, eu não tenho a menor vergonha de chegar e pedir desculpas. É lógico que não faria novamente porque temos que pensar dos dois lados. Pensei de um lado e magoei a maioria. Peço desculpas a eles.

Você se vê rotulado como retranqueiro? Tem estilo de jogo preferido?

Sempre deixei claro, desde a minha estreia pelo Botafogo, contra o São Paulo, que é uma situação mutável. Se você pegar o Botafogo, jogamos de diversas maneiras, com diversos sistemas. Você não pode jogar só defensivamente, principalmente em casa. Como alcançaríamos esses objetivos se a gente só se defendesse em casa? Então sabemos o momento de defender e de atacar. É claro que eu quero ver um futebol vistoso, para frente, mas tem que ter as características dos atletas para fazer esse momento do jogo. E como todo mundo fala que a minha carreira é curta, ela não pode ficar marcada por um trabalho. É claro que a característica daquele trabalho foi essa, e quando a gente perde (pelo Corinthians) para o Cruzeiro, em casa, na final, a gente tem 75% de posse de bola. Isso significa que o time joga melhor? Não! Quer dizer que o time quer a bola. O time da transição não quer a bola. Em 88% dos jogos no Santos nós tivemos mais posse de bola, então foi um trabalho totalmente diferente do trabalho no Botafogo. No Santos foi o jogo apoiado, com a maioria dos gols em ataques posicionais. O que é isso: quando você começa no campo defensivo e termina de pé em pé. Foi o modelo que a gente implementou no Santos. "Ah, mas não deu certo." Não, não foi excelente. Foi bom. Se não fosse bom, não nos classificaríamos em primeiro no grupo da Libertadores e chegaríamos às quartas da Copa do Brasil. Ganharíamos um jogo contra o Palmeiras na semifinal do Paulista. Acredito muito e vou fazer trabalhos de diversas maneiras. É claro que quando você fica marcado pelo único excelente trabalho, que foi no Botafogo, as pessoas vão achar que você só sabe trabalhar daquela maneira. Mas quando você se forma em jornalismo ou se forma em treinador não tem uma maneira única, tem diversas maneiras de se aplicar. Eu tenho, na minha cabeça, bem aberto de que vou fazer trabalhos de diversas maneiras. Tem conceitos, momentos do jogo, mas sempre de acordo com os jogadores que você tiver no momento. Sou totalmente mutável. Mas é claro... eu estava conversando com o Mano Menezes. Ele tem o rótulo de ser mais defensivo, mas eu não vejo problema nesse rótulo. Até porque o Tite chegou na Seleção assim, o Mano chegou na Seleção assim, o Carille foi campeão dessa maneira, existem maneiras diferentes de se trabalhar. Mas se você olhar, já jogamos de outras maneiras também, principalmente quando foi preciso. Não podia só defender contra o Flamengo, em casa, jogando uma semifinal de Copa do Brasil. E vencemos em casa. Ninguém consegue ter mais posse e vencer só se defendendo. Isso ficou evidente também no Botafogo. Todos os jogos em casa, na Libertadores, nós vencemos (menos Barcelona, do Equador, e Grêmio). Mas a gente ia ganhar mais fora do que em casa se fosse só esperar. Nenhuma torcida aceita você só esperar, como mandante. Então é mais uma situação de análise, mas vou estar sempre fazendo diferentes trabalhos. O Renato Gaúcho de hoje é o Renato do Vasco, do Fluminense, lá de trás? É o mesmo modelo? O Vasco jogava dessa maneira? Então a gente não vai ser sempre a mesma pessoa nem fazer o mesmo trabalho. A gente está sempre em evolução para tentar fazer melhor.

Viralizou recentemente o seu bate-papo com o Petkovic no Sportv. Até que ponto vale a continuidade do trabalho?

Vou explicar o que expliquei no programa. Ficou engraçado porque foi cortado para as redes sociais e ficou um "ah, tomou um fora." Mas eu dei uma justificativa lá e continuo dando a justificativa. Primeiro que, para ter continuidade, tem que ter condições de trabalho. Dei exemplo do Mano, que ficou dois anos e conquistou dois títulos. Por quê? Manteve os jogadores e fortaleceu. Contratou (para 2018) Bruno Silva, Sassá, perdeu o Fred na lesão do ligamento cruzado do joelho direito e contratou o Barcos. Eles tinham quatro atacantes: Fred, Barcos, Raniel e Sassá. Quando o clube te dá condições, você tem que ter continuidade. Mas cheguei no final do ano (de 2017, no Botafogo) e o Bruno já estava vendido, o Sassá já estava vendido, o Roger já estava fora, o Victor Luís ia voltar para o Palmeiras (após empréstimo). Você vê 80% do seu time saindo e sabe que as condições no próximo ano vão ser difíceis e a pressão vai ser igual porque o clube tem direito de te mandar embora, como fui demitido em 2013 e como o Felipe Conceição, que entrou no meu lugar, durou pouco tempo. Se fosse comigo, seria a mesma coisa. Então você tem que analisar as condições que você vai ter. E outra coisa: o Pet disse que eu tinha um ano. Não, eu tinha um ano e meio e 99 jogos, e dez anos de clube. Ficaria aquela coisa: ele é o treinador dali ou é o treinador? Ter a oportunidade de levar o meu trabalho para São Paulo, que todo mundo sabe a situação financeira dos clubes e o mercado que é. Eu tinha o sonho de trabalhar lá e essa oportunidade chegou. Eu não larguei no meio de uma situação. Foi numa virada de ano, para o clube começar com outro treinador. Em 2016, eu tive uma proposta (do Corinthians) para sair, todo mundo ficou sabendo. E eu não saí. Eu acreditava que era momento de dar continuidade. Eram só seis meses de trabalho. Mas passado um ano, depois de tudo que aconteceu, eu achei que tinha o direito de ser um pouquinho egoísta, vai. De pensar na minha família, na minha filha e levar meu trabalho um pouquinho mais para frente, para um outro mercado. Lógico que passa a ser um pouco incoerente, mas tem que ver as condições. Então você me pergunta: não sairia se houvesse condições melhores? Com certeza não sairia. A manutenção do time, a possibilidade de reforços. Tem que entender que o time não tinha a possibilidade de reforços, de compra. Foi o momento de sair, trabalhei em dois times de São Paulo e um do Rio sendo carioca. Foi bom. Claro que, se tivesse condições melhores... mas temos que entender que o clube não pode fazer loucuras. Acredito muito nisso e sou parceiro dos clubes que eu passo. Você não me vê reclamando, pedindo, tem que entender o que você tem. Se eu ficasse, ia aceitar as condições e fazer o meu melhor, como farei sempre. Pode não ser de excelência sempre, mas vou tentar fazer o melhor para todos no clube. Mas não me arrependo.

O ex-goleiro Jefferson, numa entrevista recente ao L!, disse que vê muito potencial no seu trabalho, mas entende que você precisaria amadurecer na gestão de pessoas. O seu único atrito que veio a público foi com o Camilo, mas você acha precisa se reavaliar ou discorda?

Não é discordar. Quando entrei, em 2008, como estagiário, aprendi muito que comissão é comissão e jogador é jogador. Ficou muito claro. Hoje eu tenho jogadores amigos: o Gabigol, o Roger, o Diogo Barbosa, o Victor Luís, o Neilton. Jogadores que a gente mantém contato, se fala. Acabei fazendo amizade e acredito muito na minha gestão. A situação do Camilo eu acho que todo mundo soube o que era (reclamou da possibilidade de ser reserva), tanto que, depois, ele sai para o Inter, e já passou. Depois, joguei contra ele e a gente se fala. Não foi situação de gestão. Foi do jogador viver um novo momento. E, assim, não é discordar, mas acho que tenho que melhorar sempre, em tudo, e a gestão pode ser melhorada, como tudo. Mas isso não me preocupa, pelo contrário. Recebo muitos elogios das pessoas que trabalham comigo.

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