Tensão, ousadia, reviravoltas... Há 30 anos, o 'Gre-Nal do Século' acontecia
A rivalidade entre Grêmio e Internacional não ficou restrita a disputas estaduais. Há 30 anos, os rivais gaúchos entravam em campo no Beira-Rio para protagonizar o "Gre-Nal do Século", jogo de volta da semifinal do Brasileiro de 1988. Com o triunfo por 2 a 1 no Beira-Rio, o Colorado foi credenciado tanto para a decisão do Brasileirão quanto obteve uma vaga na Copa Libertadores de 1989.
- Aquele não era só o meu primeiro Gre-Nal. Eu nunca tinha jogado antes em um time com grande torcida antes, não tinha a noção do que era um clássico daquela importância. Só fui saber mesmo na véspera da partida - revelou o atacante Nílson, herói do Colorado, ao LANCE!.
Volante do Grêmio em 12 de fevereiro de 1989, Paulo Bonamigo, não escondeu que a partida tinha um tempero especial:
- Aquele era um jogo atípico. Uma semifinal de Brasileiro. Nossa equipe vinha jogando muito bem, tínhamos um meio de campo bom, com Cristóvão e Cuca.
JOGO DE IDA NO EMBALO DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Como o Campeonato Brasileiro de 1988 só teve sua reta final no início do ano seguinte, a dupla Gre-Nal lidou com uma situação insólita: a partida de ida da semifinal, no Olímpico, ocorreu em plena Quarta-Feira de Cinzas. Porém, a folia deixou um desafio a mais para Nílson, centroavante que chegara após passagens por clubes como Ponte Preta e XV de Jaú:
- Como o Abel (Braga) tinha liberado, passei o Carnaval em uma cidade lá perto. Aí, me pediram para tirar uma foto durante uma festa. No dia seguinte, eu estava com uma foto em um jornal ao lado de duas moças. Aumentou demais a cobrança, a responsabilidade...
O ponta Maurício recordou o desafio da primeira partida:
- Lembro que fui brincar o Carnaval em Tramandaí e nós voltamos praticamente para o jogo. Isto dá uma cobrança bem grande para nós e, também, faz a gente se exigir bem mais.
O Tricolor gaúcho e o Colorado não saíram do 0 a 0 no Olímpico. A decisão ficou para o Beira-Rio.
- Foi um jogo de muita marcação. Bastante pegado, acirrado - lembrou Bonamigo.
Aos olhos de Abel Braga, o resultado deixou os colorados confiantes para a partida de volta:
- Contávamos com uma boa equipe, nós tínhamos conseguido um bom resultado no Olímpico, o que nos dava uma certa tranquilidade, uma certa segurança, de que poderíamos repetir aquela atuação. Mas foi o contrário. Eles entraram muito bem no jogo e nós, muito mal.
GRÊMIO SAI NA FRENTE E GERA EUFORIA
Porém, o que o torcedor colorado viu foi um panorama completamente diferente. Desconcentrada, a equipe foi facilmente neutralizada pelo Grêmio, que abriu o placar aos 26 minutos, com Marcos Vinícius. Para completar, o Inter ainda teve a expulsão do volante Casemiro.
- A gente ainda tinha um desafio a mais. O Internacional não ganhava o Gre-Nal há 12 partidas. Isso dá uma pressão a mais para a gente, né? - lembra o volante Leomir.
Segundo Paulo Bonamigo, Rubens Minelli (à época técnico do Grêmio) deixou um conselho para a equipe no intervalo da partida:
- Assim que chegamos ao vestiário, o Rubens fez o alerta para a gente. De que a gente tinha uma vantagem boa no placar, estava com um jogador a mais, mas não podia entrar no vestiário festivo. Já tinha dirigente comemorando a classificação! Nós não. Precisávamos nos concentrar nos 45 minutos, porque sabíamos que o Inter tinha um time muito forte.
Já do lado do Internacional, coube a Abel Braga intervir de maneira decisiva:
- No fim do primeiro tempo, a gente não estava jogando nada e o Grêmio vencendo por 1 a 0. Aí o Abelão foi e perguntou: "Vocês querem ganhar o jogo?" - contou Nílson.
A 'CARTADA' DE ABEL BRAGA
A substituição de Abel Braga para a etapa final do Internacional passou por uma pergunta à equipe:
- Eu perguntei aos jogadores se eles acreditavam na virada. Disse: "se vocês acreditam, vou mexer de uma maneira. Se não, vou mexer de outra". Eles falaram que acreditavam, mesmo numa situação muito ruim, porque nosso primeiro tempo foi horroroso. O Grêmio já poderia ter "matado" o jogo.
E assim, Abelão anunciou que sacaria o volante Leomir para a entrada do centroavante Diego Aguirre.
- Tinha sido um primeiro tempo muito difícil, de muita marcação, e com o Grêmio bem superior à gente. Foi aí que o Abel decidiu fazer esta substituição. Bem ousada e que, felizmente, deu certo - recordou o atual auxiliar de Abel Braga.
Porém, a troca causou espanto até mesmo entre os seus comandados do Internacional:
- Fiquei de boca aberta. A gente tinha tomado o maior sufoco e estava perdendo por 1 a 0. Aí, quando o Abel fala aquilo, eu pensei: "Estamos mortos" (risos).
A volta do intervalo trouxe um Internacional mais impetuoso. Mesmo com dez, a equipe se lançava à frente e era precisa na defesa:
- O Aguirre estava descansado e, com isso, neutralizava as jogadas do Grêmio. E, além disto, quando a gente atacava, vinha com toda força. Éramos Edu Lima, eu, ele e Nilson - recordou Maurício.
Mazaropi contou que o Grêmio também se desencontrou com a postura colorada:
- A gente não voltou bem do intervalo. Acabamos surpreendidos pela substituição do Abel, isto foi fatal para a gente se perder.
NÍLSON FAZ HISTÓRIA
Aos 16 minutos do segundo tempo, Nílson entrou em cena no Gre-Nal. Após uma cobrança de falta, o "Pirulito" surgiu entre os zagueiros e empatou a partida:
- O Edu (Lima) tinha sofrido uma falta do Alfinete. Aí, quando ele cobrou e eu consegui marcar de cabeça, a confiança voltou. Não tem como, você cresce, vem com tudo para a partida.
Paulo Bonamigo disse que o empate foi um presságio de que o panorama estava mudando para o Tricolor gaúcho:
- Nós estávamos melhores no meio, tocando bem a bola, mas o Inter veio com o outro espírito. Quando veio o primeiro gol deles, deu aquela injetada de ânimo. Aí, no segundo gol, veio aquela jogada também na qual eu não consegui cortar...
A virada do Internacional começou a surgir dos pés de Maurício para desembocar nos pés de Nilson:
- Quando a bola veio da lateral, eu consegui dar uma virada e tirei o Airton e o Bonamigo da jogada. Depois, chutei em diagonal, achando que ia passar perto do gol. Foi aí que o Nílson apareceu para mandar para o gol. Foi até engraçado porque ele saiu para comemorar de um lado e eu para outro, comemorando com um avião (risos) - lembrou o ponta que, no mesmo ano, ganhou notoriedade por marcar o gol do fim da seca de títulos do Botafogo no Carioca.
Já Nílson não esconde sua felicidade ao falar do gol que decretou a vitória por 2 a 1 do Internacional e lhe rendeu o posto de ídolo colorado:
- Depois que o Maurício conseguiu a jogada, eu sabia que era só botar a bola no meu pé que eu ia mandar para o gol. Foi aí que veio esse gol que me transformou de vez em ídolo no Sul. Essa alegria maior que foi esse "Gre-Nal do Século".
Com 25 clubes no currículo, o "Pirulito" viveu seu auge no Internacional: foi artilheiro no Campeonato Brasileiro de 1988, com 15 gols. Abel Braga exaltou o quanto o centroavante foi crucial para a campanha do Colorado (que perdeu o título para o Bahia):
- Além de goleador e um grande jogador, o Nílson era diferenciado para a posição, pela velocidade e, principalmente, pela técnica. Não era de ficar o tempo todo de costas. Foi um jogador fundamental em toda aquela campanha.
O QUE FICA DO 'GRE-NAL DO SÉCULO'
Mesmo depois de tanto tempo, o "Gre-Nal do Século" segue deixando lições aos jogadores atuais. De acordo com o técnico Abel Braga, o Inter apontou que a persistência é um grande trunfo para uma equipe:
- Aprende-se que o futebol é jogado durante 90 minutos. Nos primeiros 45 minutos, houve um pouco de prepotência, sei lá, porque o Grêmio fazia uma partida impecável e tinha o controle do jogo. E ainda ficou com um jogador a mais. Mas nossa persistência foi digna. Essa foi a grande lição.
Do lado do Tricolor gaúcho, Mazaropi é taxativo ao aconselhar:
- Quando se tem a oportunidade de ganhar um jogo, tem de ser caprichoso, converter as chances. Ainda mais em um jogo assim tão atípico quanto o Gre-Nal. O Grêmio não jogou no segundo tempo e, por não "matar" o jogo no primeiro tempo, foi castigado.
A busca por superação também é evidenciada ao falar do Inter do clássico de 12 de fevereiro de 1989:
- Quando a gente voltou para o intervalo, se mobilizou e disse: "vamos correr por mais um". Essa união, essa garrar de um correr pelo outro para se superar eu levo para minha vida - apontou Maurício.
O "Gre-Nal do Século" aconteceu há 30 anos. Mas suas marcas e histórias tendem a durar milênios no coração desta rivalidade gaúcha.