No ar em 'Tieta', Betty Faria reflete: 'Brasil está muito pior'
Betty Faria, 83, que está de volta nas telinhas com a reprise da novela "Tieta" (Globo), falou sobre como vê o sucesso 35 anos depois da estreia.
As mudanças sociais desde a estreia de "Tieta". "Mudou muito. A gente vive numa fase de muita hipocrisia, censura de pensamento e palavras. Temos que tomar muito cuidado. Nos tempos de 'Tieta', não tinha internet, fake news... Tenho que medir as palavras para não refletir minha tristeza com o atual momento do Brasil, quero mostrar a Tieta como uma mensageira da luz. Hoje não se pode falar nada. Vivi a ditadura e trabalhei em obras censuradas. Tive uma companhia de teatro com meu primeiro marido, Claudio Marzo, e Antônio Pedro. Ficamos à beira da falência porque todas as peças eram proibidas. O único que fazia novela era o Claudio. Terminei a gravidez da minha filha Alexandra (Marzo) dublando filmes. Oito meses de gestação, com a barrigão enorme, ficava em pé o dia inteiro. Agora a censura é em outro nível. Tem criancinha que sai do supermercado e leva um tiro no peito. Dois dias depois, ninguém mais fala disso", disse em entrevista ao Extra.
Semelhanças do Brasil com Santana do Agreste [cidade fictícia de "Tieta"]. "[Brasil] é muito pior. Agora é outra época. Agora tem ameaças de guerras, inclusive internas. A gente vive a banalização do crime. Me preocupo com o Brasil que meus netos vão viver daqui a dez, 15 anos. Para um país dar certo, tem que ter cultura e educação. Quando fui gravar numa favela, as crianças ficavam soltas e iam procurar um traficante porque ele tinha colar de ouro, comia a mulher, usava perfume, dançava funk... O traficante vira referência pra eles. Eles deveriam estar no colégio com alimentação. As pessoas estão muito acomodadas. Acham normal criança morrer com bala na cabeça. Se o Brasil fosse Santana do Agreste, Tieta mandaria fazer uma grande fogueira de armas."
Reprise da novela na Globo. "Fiquei feliz. Não tinha noção do sucesso após 35 anos. Me chamaram pra gravar a chamada. Depois que botei o vídeo no Instagram, tomei um choque. Geralmente, posto lá lançamentos de novela, encontro com amigos, mas, quando mostrei a chamada, recebi muitos comentários, mais de 77 mil curtidas. É um estádio do Maracanã cheio! Acredito que Tieta vem agora em missão de paz. Ela é pelo amor e contra o preconceito. Nós estamos precisando dessa figura, já que há muita desunião por causa de opiniões divergentes. Tieta traz alegria"
O que "Tieta" tem que pode fisgar novos telespectadores. "Valores morais, de amizade e desprezo pelo fingimento. É engraçado pensar nas pessoas mais novas que vão assistir pela primeira vez. Em Portugal, quando passou a 'Tieta' pela primeira vez, teve um movimento conservador católico contra a novela por causa da relação dela com o padre [Tieta se envolve com Ricardo, jovem seminarista interpretado por Cássio Gabus Mendes]. O público jovem deve aceitar porque não é careta. Eu lido muito com os jovens porque tenho quatro netos recém-saídos da adolescência, de 18 a 22 anos. Eles não são tão liberais como a geração dos anos 80, mas ficam contentes quando assistem às histórias de amizade."
Relação com elenco mais de três décadas depois. "Falo muito com Paulo Betti (o Timóteo). Gostaria muito de reencontrar a Lidinha (Lídia Brondi, a Leonora). Ela se casou com o Cássio (Gabus Mendes) e fez uma vida em São Paulo. Gosto muito dela. Foi uma companheira muito boa. Tive uma boa camaradagem com a Luiza Thomé (a Carol), mas também foi morar em São Paulo. Gostava muito do Armando Bógus (o Modesto Pires), que faleceu, e da Yoná (Magalhães, a Tonha). Ela foi a melhor colega mulher que tive. Não tinha o ranço de querer te derrubar, de competição, de inveja. Era tão espiritualizada que se foi cedo. Chegava em cena e queria fazer o seu melhor. Com José Mayer (o Osnar), que era a paixão de Tieta, perdi o contato. Ele passou por aquela acusação de assédio sexual e ficou doente. Largou a profissão. Foi um companheiro maravilhoso e um gentleman. Nunca fez "gracinha" comigo. Depois, fiz outros trabalhos com ele."