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Bailes black ganham homenagem no C6 Fest; conheça a história

Imagem de baile "soul" na década de 1970, no Rio de Janeiro - Almir Veiga/Divulgação
Imagem de baile 'soul' na década de 1970, no Rio de Janeiro Imagem: Almir Veiga/Divulgação
do UOL

Amanda Cavalcanti

Colaboração para Splash, em São Paulo

06/05/2024 04h00

Em 16 de julho de 1976, foi publicada como capa do segundo caderno do Jornal do Brasil a matéria "Black Rio: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil", de autoria da repórter Lena Frias. Frias foi pela primeira vez a um baile soul no clube Maxwell, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio, e, em sua reportagem, classificava os bailes como demasiadamente americanizados e incluía uma preocupação a respeito da "segregação racial" que um fenômeno como esse poderia causar.

Foi a primeira vez que um grande veículo reportou a existência dos bailes black, que, àquela altura, já existiam há quase uma década. O fenômeno foi importante para a formação de uma identidade negra em diversas cidades do Brasil, principalmente durante os anos 70, e segue sendo um movimento cultural de grande importância - tanto é que o Movimento Black Rio tornou-se, em 2018, patrimônio imaterial do Estado do Rio de Janeiro.

Quase 40 anos antes, aconteceu o que é conhecido como o marco inaugural dos bailes black no Brasil. No Clube Astória, no Rio, em 11 de novembro de 1969, aconteceu o primeiro baile onde todas as faixas tocadas pelo DJ eram de artistas negros. O evento foi organizado por um jovem chamado Ozéas Moura dos Santos.

Mas os bailes mais marcantes e lembrados do começo do movimento eram os chamados Bailes da Pesada, feitos pela dupla Ademir Lemos e Newton Alvarenga Duarte, também conhecido como Big Boy. O primeiro aconteceu em 12 de julho de 1970.

"Era um lugar em que só iam negros bem vestidos, de cabelo black power, aquele sapato de duas cores, e o pessoal fazia danças ensaiadas", diz o compositor Hyldon a Splash.

Ele já trabalhava com música há alguns anos, mas começou a frequentar os bailes, primeiro, por curiosidade. "Naquela época, ninguém sabia inglês, mas mesmo assim as músicas que tocavam eram todas americanas, a maioria da Motown [Records]", afirmou.

Não tinha representatividade, não tinha uma versão brasileira. Hyldon

Mas demorou pouco até que o Brasil surgisse com sua própria música para embalar os bailes black. Ao fim de 1970, Tim Maia foi o primeiro a explodir com o lançamento de seu primeiro disco homônimo e o sucesso dos singles "Coroné Antônio Bento", "Azul da Cor do Mar" e "Primavera", composta por Cassiano - que também lançou seu disco de estreia, Imagem e Som, em 1971.

Primavera (Vai Chuva)

Este momento da primeira década dos anos 70 é definido como uma "Primavera Soul" pelo pesquisador Bruno Vinícius de Morais em sua tese de doutorado O Swing da Cor: a Linguagem Política do Orgulho Negro na Black Music brasileira (1960-88).

Foi um título que considerei certeiro para abordar o sucesso comercial e impacto obtido no ano de 1970 por uma vertente musical que logo ficaria conhecida como 'black music brasileira'. Todo o terreno para o sucesso desse gênero na segunda metade da década foi sedimentado pelo impacto desses artistas. Bruno Vinícius de Morais

Foi a partir da "Primavera Soul" e da reportagem de Lena Frias que o Movimento Black Rio passou a se espalhar e ganhar força pelo Brasil inteiro. Alguns dos bailes mais lembrados aconteceram em outros estados, como o Black Uai, em Belo Horizonte, o Black Porto, em Porto Alegre e, principalmente, o Baile Chic Show em São Paulo.

Realizados na sede do clube Palmeiras por Luiz Alberto da Silva, o Luizão, o baile chegou a ter milhares de frequentadores por noite e a trazer shows de nomes gigantes da black music como James Brown. "Quando toquei guitarra no Chic Show com o Tim Maia, eram 15 mil negões dançando na minha frente, fazendo coreografia", fala Hyldon. Em 2023, o baile ganhou um documentário produzido pelo Globoplay e, em julho deste ano, comemora seus 50 anos com um evento no Allianz Parque, com a rapper Lauryn Hill de headliner.

Entre o começo e o meio da década de 1980, os bailes começaram a desacelerar. Apesar de nunca terem parado completamente, não era mais frequente que o público estivesse nas dezenas de milhares.

A época de grande sucesso dos bailes foi encarada com uma dose de repressão e racismo por parte da população brasileira.

Muita gente se sentiu 'ameaçada' e criticou o que consideravam uma 'exclusão de brancos' ao se fazer um espaço de sociabilidade tendo como público alvo as pessoas negras. Já a reação da polícia foi de observação e preocupação. É plenamente possível fazer uma comparação com a repressão aos bailes funk atuais.

Herança vívida

O cantor carioca Luccas Carlos se lembra de ter frequentado seu primeiro baile aos 18 anos - o Baile do Viaduto em Madureira, no Rio. A experiência, ele define, foi como uma "virada de chave". "Foi um lugar que me mostrou que eu era preto mesmo. Eu não saía muito antes disso, então pra mim foi todo um mundo novo que se abriu pra mim ali", desabafou.

Em maio, Carlos fará parte de uma homenagem aos bailes black e, principalmente, à figura do cantor e compositor Cassiano no C6 Fest, em São Paulo. Denominado "Baile Cassiano", a atração vai contar com um repertório somente de músicas do paraibano - de grandes sucessos a música mais "lado B", como disse o produtor Daniel Ganjaman, idealizador do projeto.

Eu já estava com a ideia de fazer algo que revisita a obra do Cassiano há um tempo, porque eu sou muito fã dele, e porque eu acho que o Cassiano talvez seja o artista brasileiro mais subestimado de todos. Ele é o artista preferido do seu artista preferido. Daniel Ganjaman

Genival Cassiano dos Santos começou a carreira musical em meados de 1960, quando formou com mais dois amigos o grupo Os Diagonais. "Cruzei Cassiano pela primeira vez nessa época, nos corredores de estúdios de gravação. Em 1968, já estávamos fazendo soul music quando gravamos juntos com Rosa Marya [Colin]", lembra Hyldon.

Cassiano seguiu carreira solo após 1970 e lançou três discos durante a década, além de ter composto diversos clássicos que ficaram famosos nas vozes de Tim Maia: "Primavera" é o maior deles, mas "Você Fingiu" e "Eu Amo Você" também são de autoria do paraibano. Ele teve uma carreira de altos e baixos, lançou apenas mais um disco solo, em 1991, e faleceu em 2021 devido a uma parada cardíaca.

Apesar das coisas em comum com outros músicos da sua época, Cassiano se destacava por sua "black music de vocal mais suave e acordes cristalinos", como destacou Bruno de Morais. "Aprendi muito com o Cassiano, principalmente com vocais", acrescenta Hyldon. "Aprendi a ter amor à música, sem ficar esperando um resultado imediato."

Se os bailes funk e bailes charme, como o Baile do Viaduto a que Luccas Carlos ia quando jovem, são a continuação dos bailes black dos anos 1970, o cantor também enxerga sua música como a continuação de uma soul music e R&B brasileiro que Cassiano, Djavan, Tim Maia e outros começaram nesta época. Hyldon concorda: "Hoje a música negra está muito bem representada pelo rap. É poesia e ritmo, as duas coisas que eu amo", fala o cantor. Carlos complementa: "Eles já faziam a mesma coisa que eu faço, mas muito mais rebuscado, muito mais inovador. Então, pra mim, fazer esse show é uma honra."

Além de Luccas Carlos, o show contará também com participações de Liniker, Negra Li, e Fran & Preta Gil para celebrar a trajetória da estrela da música negra. O elemento do baile, segundo Ganjaman, será trazido por meio da grande banda que ele chamou para fazer parte do show: são 11 músicos, contando com backing vocals, metais, percussão, guitarra, baixo, e o próprio Ganjaman lançando alguns samples.

Cassiano era uma figura tão icônica quanto enigmática, e sua história é tão celebrada quanto um tanto esquecida por novas gerações. "Cassiano é uma incógnita até para aqueles que se interessam e acompanham seus trabalhos. Assim, relembrar a figura e celebrar a sua obra pode iniciar um movimento de revalorização", fala Morais.

"Fico muito honrado de trabalhar em cima desse legado do Cassiano", finaliza Ganjaman. "Vai ser uma noite emocionante."

C6 Fest

Datas: 17, 18 e 19 de maio de 2024

Local: Parque Ibirapuera: Av. Pedro Álvares Cabral, Vila Mariana, São Paulo
Portões 2 e 10 (para aplicativo e transporte público) Portão 3 (para estacionamento oficial)

Classificação etária: A partir de 16 anos ou abaixo dos 16 acompanhado dos pais.

Ingressos:

Auditório Ibirapuera
17 e 19/05 (sexta e domingo) - ESGOTADO
17/05 (sexta) - inteira - R$ 560 (+ R$ 112 de taxas)
19/05 (domingo) - ESGOTADO

Arena Heineken e Tenda MetLife
18 e 19/05 (sábado e domingo ) - inteira - R$ 1.320 (+ R$ 264 de taxas)
18/05 (sábado) - inteira - R$ 726 (+ R$ 145,20 de taxas)
19/05 (domingo) - inteira - R$ 726 (+ R$ 145,20 de taxas)

* Clientes C6 têm condições especiais

Onde comprar:
Online: C6fest
Bilheteria física: Teatro Renault, na av. Brigadeiro Luís Antônio, 411 - Bela Vista, São Paulo, de terça a domingo, das 12h às 20h. Segundas e Feriados a bilheteria estará fechada.

Podem ser adquiridos: https://c6fest.byinti.com/#/ticket/

Como chegar:

Carro: Pela avenida Pedro Álvares Cabral, Vila Mariana. Procurar pelas sinalizações para o Portão 3.

Aplicativo: Para quem optar por taxi ou aplicativo, procure pelos portões 2 ou 10 do Parque do Ibirapuera.

Ônibus: Não haverá programação especial de ônibus para o evento, mas existem muitas linhas que passam pelo Parque. Para acessar, é só clicar no link aqui.

Metrô: A estação mais próxima é a Estação AACD, linha lilás, mas há uma caminhada de aproximadamente 30 minutos até os portões de entrada do Ibirapuera.

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