Luiz Fernando Gomes: As nuvens da Gávea
O entusiasmo da torcida do Flamengo com o momento atual do time - embora a temporada esteja só começando e o campeonato carioca não tenha valor algum - é plenamente justificável. Afinal, nenhum outro clube se reforçou tanto neste vaivém. Arrascaeta, como já foi dito, é a maior transação da história do futebol do Brasil. Junto com Gabigol, Bruno Henrique e Rodrigo Cairo, foram mais de R$ 100 milhões investidos pelo rubro-negro.
Ao que tudo indica, ainda vem mais por aí. Rafinha, lateral direito do Bayern de Munique continua na mira do Fla e, mesmo com o fechamento da janela europeia, mais cedo ou mais tarde deve desembarcar no Ninho do Urubu, engrossando a força do elenco exatamente na posição onde hoje tem sua maior carência. Com o contrato com o clube alemão se encerrando em maio, é provável que no meio do ano o jogador esteja vestindo a camisa rubro-negra.
Além desse conjunto de boas notícias, o discurso ufanista da nova diretoria, que acaba de completar 30 dias no comando, também contribui para esse sentimento de que "agora vai", de que, parodiando a marchinha de carnaval, "esse ano não vai ser igual aquele que passou". A gigantesca Nação flamenguista está de fato convencida de que os tempos do cheirinho sem título acabaram e que vai, enfim, poder respirar de verdade o doce perfume da conquista de títulos.
E isso, evidentemente, é ótimo.
Mas, longe de ser um desmancha prazeres ou um paranoico como o personagem do inesquecível rubro-negro Henfil, não se pode deixar de notar as nuvens cinzentas que rondam o horizonte da Gávea. Algo que rapidamente precisa ser dissipado para que, junto com os bons resultados em campo, não se perca a estabilidade financeira construída nos últimos anos e que foi, exatamente, o que permitiu ao clube abrir os cofres e gastar da forma como tem gastado nesse início de ano.
Que nuvens são essas?
Uma delas são os patrocínios. O orçamento do Flamengo para 2019, de R$ 750 milhões, é maior do que os de Fluminense, Botafogo e Vasco somados. Mas esse valor, astronômico para a realidade tupiniquim - só o Palmeiras com R$ 591 milhões gravita próximo dessa órbita -, depende para ser alcançado de algumas importantes fontes de arrecadação que, passado o primeiro mês do ano, não se mostram assim tão fáceis de serem atingidas.
A falta de um patrocinador máster que substitua a Caixa é um exemplo. Com a saída do banco oficial - que no governo Bolsonaro deixou de ser a mãe de todos os patrocínios do futebol - o Flamengo perdeu R$ 25 milhões anuais. Um dinheiro que precisa ser reposto rapidamente, não dá para ficar com o peito da camisa limpo meses e meses a fio ou vender o espaço a preços de banana, como tem ocorrido com frequência em vários grandes clubes pelo Brasil. Outros patrocinadores menores, como a tailandesa Carabao, fabricante de bebidas que ocupava as mangas da camisa, também não renovaram contrato. A diretoria garante ter três conversas em andamento para ocupar o peito mas, até agora, só o consórcio Multimarcas fechou acordo para colocar sua marca nas costas.
Outra nuvem cinzenta é o Maracanã. Embora venha atuando com casa cheia - o jogo contra o Bangu foi o recorde de público em uma estreia nesse século - o Flamengo vem sofrendo com os custos do estádio e os termos do contrato negociado ainda na gestão Bandeira de Mello. De toda a arrecadação, superior a R$ 1 milhão, apenas R$ 13,6 mil, pouco mais de 1% do total, entraram nos cofres do clube. Na última terça, a partida contra o Boavista teve um saldo ainda mais dramático, um prejuízo em torno de R$ 200 mil.
Pelo contrato o Flamengo está obrigado a fazer um mínimo de 25 jogos por ano no Maracanã, incluídos nessa conta todos os clássicos estaduais como mandante, os jogos da Libertadores e as partidas de mata-mata da Copa do Brasil, a partir das quartas de final. Negociações estão em curso com a concessionária para reduzir as despesas fixas, mas aumentar as receitas, como as vendas dos bares e dos camarotes, é essencial para reverter essa situação.
Manter um super-time custa caro - a folha de pagamento deve consumir esse ano em torno de 30% da arrecadação se os R$ 750 milhões de fato forem alcançados. Com o déficit nos borderôs do Maracanã e a demora na chegada de novos patrocinadores, já há quem defenda no clube a revisão da política de ingressos mais baratos adotada desde o segundo semestre do ano passado. Certamente não é das medidas mais populares. Mas faz sentido, desde que aplicada com bom senso. Afinal, a felicidade tem um preço. E, de um jeito ou de outro, essa conta tem de ser paga.