Topo
Entretenimento

Com rodinhas nos pés: brasileiro gira o mundo todo a bordo de patins

Felipe Fogaça sobre rodinhas, na Coreia do Sul - Arquivo pessoal
Felipe Fogaça sobre rodinhas, na Coreia do Sul Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

Glau Gasparetto

Colaboração para Nossa

08/08/2022 04h00

Para rodar pelo mundo, o viajante dá sempre um jeito de se deslocar. Boa parte da turma transita em motorhomes, carros-Fusca, Kombi, SUV, entre outros — e motos ou, ainda, de transporte público.

Há, também, os mais aventureiros, que encaram a jornada de modos alternativos: tem gente que vai a pé, quem faça isso de bicicleta, de veleiro, na base da carona e tem o paulista Felipe Fogaça (@10rodas) 27 anos, que rodou mais de 5 mil quilômetros em cima de patins.

Instrutor de patinação desde os 19 anos, ele atravessou 17 fronteiras, equilibrando-se em rodas — primeiro, de uma bike e, posteriormente, em cima do equipamento que adotou para a maior parte da viagem.

"Sempre tive muito interesse em lugares inóspitos. Queria viajar com minhas próprias pernas e gastando o mínimo possível. Tinha em mente que era impossível viajar de patins e, por isso, decidi ir de bicicleta", diz.

O projeto inicial previa 50 meses, 46 países e 58 mil quilômetros a serem rodados na companhia de um amigo, seguindo planejamento feito durante dois anos, que acabou mudando completamente.

Felipe no Marrocos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Felipe no Marrocos
Imagem: Arquivo pessoal

Conforme a viagem foi passando, o colega desistiu e Felipe seguiu sozinho, adaptando tanto o roteiro quanto o modo de viajar. Depois de um ano na estrada, ele viu que a ideia de patinar não era tão surreal assim.

O primeiro grande perrengue

Felipe deixou Sorocaba de bicicleta em fevereiro de 2018. Pedalou pelo Sul do Brasil até o Uruguai por mês e meio. No país vizinho, dedicou outras duas semanas até cruzar de balsa para a Argentina. Ali, atravessou a Cordilheira dos Andes ainda em cima da bicicleta e chegou ao Chile.

Felipe no Chile - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Felipe no Chile
Imagem: Arquivo pessoal

"Fiz o Atacama e 'tentei' cruzar a Reserva Nacional Eduardo Avaroa, na fronteira com a Bolívia", conta. É que, bem ali, ele viveu um dos apertos de toda a jornada e o que considera o dia mais difícil da sua vida.

"Subi de São Pedro Atacama — a cerca de 3.000 metros de altitude — até a fronteira com a Bolívia, na Reserva Nacional Eduardo Avaroa, com 4.500 metro de altitude. Já comecei a me sentir mal no caminho e, quando estava no topo, próximo ao vulcão Licancabur, sentia dor de cabeça e cansaço muito fortes, além de estar difícil para respirar", relembra.

Ainda assim, deu entrada na Bolívia. O chão, até então de asfalto, passou a ser de terra, dificultando o deslocamento. O termômetro marcava -5 ºC à tarde e a expectativa era a marca piorar à noite.

Madrugada congelante

"Pedalei mais uns 15 quilômetros e acampei ao lado da linda Laguna Blanca. Ao montar a barraca, levantei rápido, minha pressão caiu muito e eu desmaiei. Aquilo me deixou bem assustado. Quando dormi, depois de umas três horas de sono, acordei com frio. Coloquei minhas roupas, dormi mais um pouco e acordei novamente, dessa vez com frio só nos pés", detalha.

Todas as meias e o casaco não foram suficientes para aplacar a sensação e a noite começou a ser cortada em sonecas. Felipe começou a sentir dificuldade para respirar.

Fiquei bem desesperado naquelas horas dentro da barraca. Tudo que eu esperava era que o sol viesse logo, trazendo um pouco de calmaria", revela.

Foi necessário um mês na Bolívia para se recuperar da situação, viajando num ritmo bem mais lento e tentando se acostumar com a altitude. Justamente ali é que ele decidiu desistir da bicicleta "Por tudo o que passei, coloquei em prática a ideia de viajar só de patins", diz ele.

Do Peru para a Tailândia

Com a bicicleta despachada para o Brasil, Felipe contava apenas com as rodinhas sob os pés para se locomover. Da Bolívia, partiu para o Peru, onde ficou por três meses. A distância não era problema — só da fronteira até Cusco, foram cerca de 500 quilômetros. "Pela primeira vez, estava fazendo algo sem me planejar muito e levava minhas coisas numa mochila, o que me trouxe muita dor nas costas", lembra-se.

Durante dois meses, ele se estabeleceu na capital para conhecer ao redor e aproveitou para trabalhar em dois hostels. Foi a Machu Picchu e fez uma trilha que considera "surreal" para Choquequirao, cidade-irmã do famoso sítio arqueológico. Enquanto estava no país andino, surgiu a oportunidade de trabalhar na Tailândia como professor de inglês.

Como professor na Tailândia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Como professor na Tailândia
Imagem: Arquivo pessoal

Felipe não teve dúvidas de abrir mão da ideia de seguir até a Colômbia e foi direto de Lima para Bangkok, onde se estabeleceu por quase meio ano numa atividade rentável e bem diferente do que estava acostumado.

Patinando na Ásia

Mesmo à distância, Felipe fechou parceria com a empresa de patins brasileira Rolling Sports, tendo acesso a equipamento mais adequado, que só precisava trocar de rodas para enfrentar pisos off-road. Assim, deixou de lado o calçado com quatro rodinhas de slalom que o acompanhava até então.

Na coreia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Na Coreia do Sul
Imagem: Arquivo pessoal
Na Mongólia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Na Mongólia
Imagem: Arquivo pessoal

Apesar disso, a mochila e a dor nas costas ainda significavam problema, até ele encontrar um rapaz de Singapura que viajava de skate, empurrando um carrinho de bebê. Copiou a ideia e adotou o "veículo" para carregar sua bagagem.

Outro detalhe é que, quando partiu de Sorocaba, carregava 40 kg na bike.

Levava a 'vida' comigo. Tinha fogareiro, utensílios de cozinha, cones, computador? Até cubo mágico eu levava para me distrair. Aprendi na estrada que não precisava metade das coisas e reduzi bastante", afirma.

O carrinho passou a acomodar somente o que é importante: barraca, saco de dormir, isolante térmico, lona, rodas reservas, ferramentas, filtro de água, localizador, 5 mudas de roupa, uma blusa de frio, capa chuva e câmera. São 18 kg no carrinho, que pesa outros 11 kg.

Surpresas da natureza

Com o trampo finalizado na Tailândia, partiu para a Coreia do Sul. Em dois meses, cruzou o país. Outro mês foi dedicado à Mongólia, patinando ao lado de rios congelados e cavalos selvagens, um dos lugares que mais o cativou.

"Peguei tempestade de areia ali. As temperaturas caíram para -9 ºC. Por sorte, tinha visto na previsão esse fenômeno e decidi pegar uma hospedagem num vilarejo. Só segui depois que acabou", relembra.

Da Ásia (que incluiu ainda uma visita à Muralha da China), Felipe voou para a Europa. Passou dois meses patinando pela Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Holanda, Bélgica e França.

Na Estônia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Na Estônia
Imagem: Arquivo pessoal

Quando estava na Holanda, inclusive, viveu uma experiência não cômoda, para quem se desloca ao ar livre. Acampado em uma clareira dentro de uma floresta, mesmo de dentro da barraca, via tudo clarear em dia de grande tempestade.

"Tudo que me restava era continuar deitado, me manter calmo, torcer pra que não caísse nenhum raio em mim ou nas árvores por ali e tentar apreciar a beleza do caos", argumenta.

Nos três países bálticos, patinou no fim da primavera, quando o sol nascia por volta das 4 da manhã e se punha perto da meia-noite.

Isso fazia com que eu tivesse muuuuuito tempo pra fazer tudo que eu queria. Patinava o dia todo. Foram 3 dias seguidos de 100 quilômetros, com tempo pra almoçar tranquilo e achar um lugar pra acampar, sem pressa", conta.

Decidiu voltar ao Brasil rever família e amigos e, em pouco tempo, embarcou em novo sonho: atravessar o deserto do Saara, onde patinava até 10 horas por dia, por estradas inóspitas.

Acampando pelo caminho

Camas confortáveis para descansar o corpo após horas patinando? Nada disso! Felipe geralmente acampa quando viaja. Assim, não precisa se preocupar ou depender de hospedagem — só quando é realmente necessário.

Acampando no Peru - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Acampando no Peru
Imagem: Arquivo pessoal

Nessas horas, costuma procurar lugares planos, perto da estrada e com mínima chance de ser visto. Assim, já foi parar em florestas, morros e desertos. Quando está em alguma cidade pequena, costuma pedir indicações para acampar, mas já chegou a dormir em ponto de ônibus e na sede dos bombeiros de vários locais pelo mundo.

Detalhe: Felipe prefere lugares menos movimentados. Para ele, o pior na logística é justamente quando precisa atravessar grandes cidades. "A 'montoeira' de carros é algo complicado. Além do medo que dá, estressa bastante. Por isso, prefiro lugares afastados", afirma.

Lidar com o fato de não ter companhia na maior parte do tempo igualmente não é problema.

Amo estar sozinho. Uma das coisas que me faz sentir vivo é poder vivenciar isso comigo mesmo. Me conhecer melhor e ter que me virar sozinho", afirma.

Principais aprendizados
o patinador e viajante conta algumas lições que aprendeu na estrada:

  • "As pessoas são boas. E em todos os lugares do mundo. O sorriso é algo que cativa em qualquer lugar. A gente foca muito nas coisas ruins, mas há amor por todo lugar";
  • "Saí com uma ideia totalmente diferente das pessoas e dos países. Na Europa, achei que seria tudo lindo e as pessoas, supercordiais, porém, foi onde menos me trataram bem. Já na América do Sul e no Marrocos, em que eu tinha medo de ser roubado, por exemplo, fui muito bem tratado";
  • "Levo menos de 30 kg comigo e acho que é muita coisa, ainda. Estar na estrada me mostra que o que me traz felicidade é o 'estar' e não o 'ter'. Todo o objeto carregado é para eu me manter na estrada e não para eu 'ter' aquilo e me sentir bem por isso";
  • "O primeiro passo é, sem dúvidas, o mais difícil. No começo, parece impossível, mas pouco a pouco tudo vai se ajeitando e fluindo naturalmente. Não tem problema mudar os planos ou até desistir, mas dar o primeiro passo é o mais importante";
  • "O planejamento é importantíssimo. Numa viagem como essa, imprevistos são normais, então tudo planejado dá possibilidades para resolver esses imprevistos e tranquilidade maior para dar o primeiro passo";
  • "O nosso planeta é lindo demais! Tem cada coisa mais incrível que a outra por aí".

Entretenimento