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Guitarrista Kiko Loureiro fala sobre seguir solo: 'Não foi porra-louquice'

O guitarrista Kiko Loureiro deixou o Megadeth no início de 2023, após nove anos na banda - Carlos Santiago/Eyepix Group/Future Publishing/Getty Images
O guitarrista Kiko Loureiro deixou o Megadeth no início de 2023, após nove anos na banda Imagem: Carlos Santiago/Eyepix Group/Future Publishing/Getty Images
do UOL

Thiago Cardim

Colaboração para Toca, em São Paulo

10/12/2024 12h00

Mesmo enquanto integrava o Megadeth, banda seminal do thrash metal americano da qual fez parte entre 2015 e 2023, o guitarrista brasileiro Kiko Loureiro (também integrante original do Angra) já começou a gestar as primeiras sementes de seu sexto disco solo, o recém-lançado "Theory of Mind". "É um álbum híbrido, digamos assim", explica ele, em entrevista a Toca.

O que ele disse

As primeiras demos, o conceito, tudo foi feito entre turnês do Megadeth. E reflete bem este momento de transição, porque não foi uma porra-louquice, um dia eu tava no Megadeth, no outro mandei todo mundo se ferrar. Não é uma decisão simples e fácil. Kiko Loureiro

Agora mais perto dos filhos (uma menina de 13 e gêmeos de 8 anos), com os quais mora na Finlândia ao lado da esposa, a pianista finlandesa Maria Ilmoniemi, foi a sua família que ajudou a tomar a decisão de sair do grupo liderado por Dave Mustaine, sem qualquer conflito como catalisador, e também ajudou a desenhar o conceito do disco. "Eu já tinha feito um disco anterior, o 'Open Source', falando sobre tecnologia, o poder de todo mundo criar. E nos últimos anos, o assunto da vez é inteligência artificial", explica.

Em contato com os psicólogos da escola dos meus filhos, eu vi este termo: teoria da mente. Tive que ler sobre. É como o ser humano consegue perceber as emoções de outro ser humano. E estudando sobre IA, me deparei com este mesmo termo. O último estágio da inteligência artificial é justamente quando ela tiver esta capacidade. Kiko Loureiro

Mas, embora saiba que a forma como as pessoas consomem arte mudou radicalmente, ele entende que o ser humano ainda está muito além do que a IA consegue atingir. E, apesar de utilizar algo de inteligência artificial para melhorar inclusive sua comunicação em inglês no envio de e-mails, por exemplo, ele não costuma se aproximar dela quando o assunto é música. "

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Kiko Loureiro
Imagem: Scott Legato/Getty Images

Agora de manhã, antes da entrevista, eu tava tentando fazer música — e nem me lembrei de IA. Eu quero é criar. A gente tem toda a história da música nos nossos dedos. Claro que demora, você tenta, às vezes não fica legal, precisa de tempo, você vai achando seu próprio lance. Esta jornada da composição é a coisa que mais me dá prazer, aí vem o IA pra me tirar este prazer? Não dá. Kiko Loureiro

Teoria da mente

Musicalmente, "Theory of Mind" começou com a ideia de um álbum mais simples e direto, como no Megadeth. "E eu não consegui", explica ele, rindo. "Eu tenho um negócio, sai complicado. Não tenho esta habilidade. Eu moro dentro da confusão, a música tem que ter muitas partes... É uma viagem interessante".

Só que o músico reforça que, sim, tem muito de Megadeth ali. "Quando comecei o álbum, pensei a partir do riff. No Megadeth é assim. Vem o riff, depois vem a melodia, a letra... É mais a forma da criação. No Angra, era voz e violão, pensando em melodia, algo cantável. Às vezes sentava no piano, não tinha nem guitarra ainda."

Já a brasilidade, da qual todo mundo se lembra ao falar de Kiko justamente por conta dos elementos étnicos que se ouvem na sonoridade dos discos clássicos do Angra (como "Holy Land", por exemplo), está em "Theory of Mind", mas de outra forma.

Não tive aquela vontade de começar com um berimbau, um pandeiro. A brasilidade tá lá, no tipo de melodia, de acorde. Porque eu sou brasileiro. A melodia pode vir do choro, do Tom Jobim, do Villa-Lobos. Uma acentuação de samba, maracatu. Mas está escondido por trás, fica mais subliminar. É o que dá um certo tempero. Kiko Loureiro

No entanto, sim, este é sim um disco de guitarrista — portanto, 100% instrumental. Além da própria esposa nos teclados, "Theory of Mind" traz na cozinha seus antigos parceiros de Angra, Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria). "Quando o cara quer me elogiar, ele geralmente diz: não gosto de disco instrumental, mas o Kiko eu ouço. Isso é um elogio", explica, aos risos.

Eu sei que é assim, a voz humana é o que conecta. Eu faço música instrumental com total consciência que é nicho. Eu gosto e tem um público. Eu tento fazer as músicas de uma forma que tenham melodia, que tenham refrão. Eu penso em estrutura pra música cantada. Talvez eu faça um álbum ainda com cantor, não sei. Kiko Loureiro

Guitarrista solta a voz

Na curta turnê solo que Kiko fez recentemente pelo Brasil, em agosto, o músico surpreendeu ao cantar duas músicas com boa performance — além de "Killing Time", uma de suas composições no Megadeth, soltou a voz também em "Stormbringer", clássico do Deep Purple. "Dá pra fazer mais", diz ele, reforçando que queria investir um pouco mais na faceta cantor — que, no entanto, jamais eclipsaria seu lado guitarrista.

Sempre tive grandes cantores do meu lado, Andre Matos, Edu Falaschi. No Megadeth, o Dave me incentivava a cantar. Isso foi me dando mais segurança de cantar e me divertir. Fui tendo aula com o Alírio [Netto]. É um bom jeito de fazer uma surpresa. Kiko Loureiro

Satisfeito com a recepção da turnê, mesmo sabendo que o público de música instrumental é menor, ele já anunciou um retorno ao Brasil entre o final de maio e o começo de junho de 2025. Desta vez, seu convidado especial será ninguém menos do que Marty Friedman, guitarrista americano também conhecido por sua passagem pelo Megadeth.

Tento fazer o show com mais cara de banda. Andando mais pelo palco, mais celebração assim. Tava acostumado com uma coisa mais intimista, um SESC. Consegui chegar num bom equilíbrio, mais entertainer. Menos sisudo do que um show de jazz. Kiko Loureiro

O futuro

Mesmo morando na Finlândia, considerado o país com a maior concentração de bandas de metal do mundo (proporcionalmente, cerca de 53 bandas para cada 100 mil habitantes, de acordo com um estudo amador feito por um usuário do Reddit), Kiko ainda está pouco integrado com a turma de lá para pensar em desenvolver um projeto local. "Conheço um pouco a galera, tem as bandas daqui, tem os estúdios... Tem as bandas já estabelecidas, Amorphis, Nightwish, Stratovarius... Mas nunca rolou."

Talvez, além de sua carreira solo, isso significa que ele retornaria ao Angra? Afinal, a banda vai entrar, a partir de 2025, em um hiato previsto para durar até 2 anos — e muitos fãs já apostam que, no retorno, o grupo traria Kiko de volta, numa formação com três guitarristas estilo Iron Maiden, colocando-o ao lado dos amigos Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa. "Imagino que as pessoas podem imaginar, mas eu não acompanho tão de perto assim", diz, já soltando na sequência a frase que muitos dos seguidores fanáticos talvez não gostassem de ouvir. "Não tem nada planejado. Sei que isso vai decepcionar algumas pessoas.", ri.

Kiko reforça que é amigo dos caras e que boa parte de sua vida profissional está ali e, portanto, e de alguma forma ele está conectado. "Minha carreira foi basicamente criada a partir do Angra. Nunca vou dizer 'não' pra um show junto, coisa assim. Mas não faz sentido eu voltar pro Angra pra tocar 'Carry On'. Nada contra".

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James LoMenzo, Dave Mustaine e Kiko Loureiro, durante show em Oslo, na Noruega; brasileiro deixou o Megadeth em 2023
Imagem: Per Ole Hagen/Redferns/Getty Images

Kiko revela ainda que, quando os colegas decidiram a questão do hiato, ele estava no Brasil com eles. "E fui de acordo. Acho bom principalmente pelo Rafael. Eu tive a oportunidade de ir pro Megadeth, fui pra outros países, fiz meus álbuns solo. O Rafa sempre ficou com Angra, Angra, Angra. Ele merece. Ele tem que fazer outros negócios. Pra voltar com tudo".

Com total conhecimento de causa — afinal, Kiko estava lá na cisão que foi responsável pela saída de três integrantes, que depois formaria o Shaman - ele diz que, em outros momentos, foi errado o Angra não dar uma parada. "É melhor pra todo mundo. Talvez até tarde mais. Se não, começa a dar treta. Tipo reunião de condomínio, partido político... Até na concordância se discorda."

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