Quando os anos 1980 morriam e uma nova década começava, a fronteira entre o que era novo e velho era confusa. Os bailes das periferias ainda eram abalados pelo balanço negro, agora conectado ao hip hop, mas ainda havia uma lacuna que era ocupada pelos românticos.
O soul se esvaziava no pop diluído de Sullivan e Massadas, e o sertanejo conquistava uma fatia específica de um público que não se aventurava pelas noites blacks brasileiras.
Havia uma necessidade de conexão entre a turma do Partido Alto, quase toda oriunda da conexão Cacique de Ramos/Fundo de Quintal, e as gravações românticas. O samba de rádio era paulistano demais no começo dos anos 1990. Grupos como o Raça Negra equilibravam a química no samba entre a balada chorosa e o balanço, mas cadê a tradição carioca nessa conta?
Os méritos de o pagode romântico paulista encontrar o balanço do Rio são de uma cultura de periferia sedimentada por duas rádios de baixo alcance da região metropolitana de São Paulo, a Transcontinental de Mogi das Cruzes e a 105FM, de Jundiaí, que divulgavam grupos de gravadoras pequenas (como Zimbabwe, de Negritude Jr.) ou que só eram conhecidos das festas das equipes de som.
Foram essas rádios que fizeram do Molejo o elo perdido entre Originais do Samba, Bebeto e a turma suingada da periferia de São Paulo. Com o grupo de Anderson, era possível abraçar o ritmo com irreverência, sem choro. Era possível sambar sem se lamentar novamente.
"Caçamba", o hit de 1993, plantou a semente e estimulou genéricos, como Cravo e Canela (de "Lá Vem o Negão"). Claro que naquele ano já havia uma avalanche de grupos de samba populares o suficiente para lotar a Banheira do Gugu, mas o Molejo tinha um tempero diferente dos que vieram antes (olha o Raça Negra aí de novo), durante (o contemporâneo mineiro Só Pra Contrariar) ou depois (a profusão de bandas de um hit só do final dos 1990).
O balanço do Molejo permeou a produção posterior até daqueles que já experimentavam o sucesso. Alexandre Pires certamente teria menos coragem de fazer de "Sai da Minha Aba" o hit de abertura do álbum de 1999. E "Cilada" virou um hino tão universal quanto "Evidências".
Daria para empilhar os filhotes dessa turma do Meier —e não ficaria só restrito ao samba e ao balanço. O bom humor do Molejo, no entanto, fez sobreviver o suingue sem jamais cair na cilada de querer ser o romântico que nunca foi. Pode botar mais isso na caçamba.
Anderson Leonardo, do Molejo, morreu hoje, aos 51 anos, em decorrência de um câncer. "[Ele] será sempre lembrado por toda família, amigos e sua imensa legião de fãs, por sua genialidade, força e pelo amor aos palcos e ao Molejo. Sua presença e alegria era uma luz que iluminava a vida de todos ao seu redor, e sua falta será profundamente sentida e jamais esquecida, nós te amamos", publicou o grupo no Instagram.
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