A história das esculturas de mulheres nuas em igrejas britânicas
Há centenas de anos, igrejas de toda a Grã-Bretanha exibem provocativas esculturas de mulheres nuas. Mas quem as criou - e por quê?
Olhem isso, meus quadris de parideira
Olhem isso, meus lábios vermelho-rubi
Sheela-na-gig, Sheela-na-gig
Sua exibicionista
Em 1992, a cantora e compositora PJ Harvey lançou Sheela-Na-Gig, faixa de maior sucesso de seu aclamado álbum Dry.
Mas, a menos que você seja fã de música indie do final do século 20 ou um especialista em igrejas com arquitetura normanda, é provável que não saiba o que é uma sheela-na-gig - ou pode ter passado por uma sem perceber.
[Esta reportagem contém algumas imagens explícitas]
"Escondidas à plena vista", estas esculturas de mulheres agachadas que exibem seus lábios vaginais provocam intriga, vergonha e até mesmo raiva há quase um milênio.
Muitas vezes não notadas - ou talvez ignoradas - por religiosos e suas congregações, elas podem ser encontradas em dezenas de igrejas britânicas.
Nos últimos 20 anos, John Harding, do Projeto Sheela Na Gig, viajou milhares de quilômetros em busca delas.
Sua obsessão começou após uma visita a uma igreja no condado de Shropshire, no centro-oeste da Inglaterra, em 1998. Depois de encontrar muito pouca informação na internet, ele decidiu publicar algo por conta própria e recebeu uma enxurrada de mensagens sobre possíveis exemplares. "Casos de pessoas que as avistaram não são tão raros, mas tampouco tão comuns", diz Harding.
"Elas se concentram em bolsões. Em Shropshire, todas estão a cerca de 10 quilômetros uma da outra e todas são diferentes, mas são todas de mulheres nuas, basicamente."
A Irlanda tem a maior concentração de sheela-na-gigs, enquanto, no Reino Unido, há cerca de 60 conhecidas. Mas há novas descobertas "o tempo todo", segundo Harding.
"Sheela é a forma irlandesa do nome normando Cecile, e 'gig' é na verdade uma gíria inglesa para as partes íntimas de uma mulher", explica ele.
Motivo da presença de esculturas em igrejas gera controvérsia
Mas o motivo de essas esculturas de pedra estarem presentes em igrejas na Grã-Bretanha, na Irlanda e também na França e na Espanha é controverso.
Alguns sugerem que as esculturas retratam uma divindade pré-cristã. Outros, que são um símbolo de fertilidade ou uma proteção contra o mal.
Barbara Freitag, autora de Sheela-na-Shows: Unraveling a Enigma (Sheelas Exibidas: Desvendando um Enigma, em tradução livre), acredita que foram feitas por escultores locais para igrejas do país para simbolizar um desejo de partos bem sucedidos naquela localidade.
"Geralmente, sheelas são esculpidas na posição de parto e são apresentadas com sua vulva no estado fisiológico desejado antes, durante ou após o nascimento", diz ela.
"A metade superior emaciada dessas figuras foi feita para apaziguar as mães ou avós mortas que guardariam rancor contra o recém-nascido."
Para Georgia Rhoades, autora de Decoding the Sheela-na-gig (Decifrando a Sheela-na-gig, em tradução livre), as mulheres "nuas e carecas" representam a deusa da sabedoria ou da Terra. "Eram figuras de deusas pagãs, emblemáticas da deusa da Terra que nos cria e nos leva de volta à morte", explica ela.
"Em alguns lugares, as noivas eram obrigadas a olhar e até tocar na Sheela antes dos casamentos, o que parece indicar ritos de fertilidade."
Harding acha, no entanto, que as esculturas foram destinadas a alertar as pessoas contra o pecado da luxúria. "Neste país, Sheelas são caricaturas e, geralmente, não são muito atraentes, mas, na Irlanda, algumas são monstruosas e assustadoras."
Ele acrescenta: "Há uma no claustro de Haverfordwest [cidade no País de Gales] segurando seu vestido. As únicas pessoas que a teriam visto seriam clérigos e monges, então, obviamente, tem a ver com o pecado."
No Reino Unido, a "garota-propaganda das Sheela-na-gigs" está na igreja no vilarejo de Kilpeck, no oeste da Inglaterra, de acordo com Harding.
No entanto, sua favorita é a Sheela da igreja do vilarejo de Oaksey, no sul da Inglaterra, com seus "seios pendentes" e "vulva extremamente exagerada". "Quando se vê a Sheela de Oaksey, a reação da maioria das pessoas é de espanto", diz ele.
"É o exemplar mais explícito, e por causa de seus seios também - a Sheela de Kilpeck só tem mamilos, mas, nesta, há todos os atributos femininos."
Posicionada ao lado da porta principal da igreja, ela está hoje sob um pequeno telhado instalado para protegê-la.
Esculturas já foram removidas, depredadas e destruídas
Mas nem todas as congregações aceitam de bom grado a presença destas esculturas.
No vilarejo de Easthorpe, no leste da Inglaterra, uma Sheela foi considerada obscena demais para ser mantida no jardim da igreja e, por isso, foi entregue a um museu.
Algumas foram encontradas em rios com "marcas de fogo nelas", diz Harding, enquanto outras foram removidas, escondidas ou destruídas por párocos e frequentadores de suas igrejas.
Em 2004, foi depredada uma figura com os seios à mostra que estava em uma capela de Buncton, no sul da Inglaterra, desde o início dos anos 1.100.
"Não era muito conhecida, era um tanto inofensiva. Eu a coloquei no site, alguém entrou à noite no local e a removeu da parede", diz Harding.
E não é apenas a nudez frontal das Sheelas que gera indignação. Acredita-se que figuras fálicas encontradas nos ornamentos de paredes de igrejas tenham sido depredadas por vitorianos. "Em Kilpeck, há uma série de ornamentos faltando, e diz-se que a esposa do vigário mandou que fossem removidos", diz Harding.
Um homem em um "estado excitado" pode ser visto ao lado de uma figura feminina em uma igreja de Wiltshire, no sudoeste da Inglaterra, diz Harding. "Na igreja de St. John, em Devizes, há duas figuras no mesmo bloco de pedra - uma feminina mostrando suas partes íntimas e uma figura masculina que parece estar se masturbando."
Na igreja de St. Mary e St. Andrew em Cambridgeshire, no leste da Inglaterra, uma Sheela pode ser vista ao lado de uma figura masculina nua. "Há um homem animalesco com uma enorme ereção e uma Sheela-na-gig bem rechonchuda e fértil com as pernas abertas, e ele rasteja em direção a ela", diz Harding.
Em Bristol, obras de arte explícitas podem ser vistas nos ornamentos de telhados da igreja St. Mary Redcliffe.
Entre uma série de figuras exibicionistas, há uma contorcionista "mostrando seu traseiro junto com todas as suas outras partes íntimas", um casal nu e um homem com "suas calças abaixadas, fazendo cocô".
Se isso não fosse suficiente para deixar um fiel envergonhado, no alto das vigas do telhado da igreja de Avening, em Gloucestershire, no sudeste da Inglaterra, uma figura "acrobática" pode ser vista saindo da parede com a cabeça entre as pernas e um pênis na boca.
"Os engolidores de pênis são basicamente uma cabeça monstruosa que engole seu próprio pênis", explica Harding.
"Às vezes, eles estão tocando instrumentos de forma sugestiva, mas, nesta igreja, se aquilo é uma gaita de fole, ele não a está segurando. Então, ela se sustenta sozinha, por assim dizer."
Para a Igreja da Inglaterra, a presença de genitálias de pedra em locais de culto faz parte da "rica tradição da decoração de igrejas" ao longo dos séculos.
"Tal como acontece com gárgulas e figuras grotescas, é surpreendente para os olhos modernos encontrá-los em um contexto religioso", diz um porta-voz da Igreja. "Mas eles refletem a diversidade de ornamentos arquitetônicos encontrados em igrejas de todo o país."
Mesmo que os especialistas discordem quanto ao propósito das Sheela-na-gigs, muitos estão de acordo em um ponto. "Neste país, muitos delas parecem estar sorrindo e são bastante alegres", diz Harding.
Rhoades também afirma que muitas Sheelas "estão claramente se divertindo". "Minha favorita é a de Oaksey, na qual a vulva da Sheela se estende até quase os tornozelos", afirma ela. "Não sabemos exatamente qual é a mensagem que ela transmite, mas ela está alegre, e está claro de onde está vindo esta mensagem."
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