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Uso do corpo nu em protestos é uma forma de comunicar, diz especialista

17.nov.2013 - Ativistas do Femen, famoso por protestos com mulheres seminuas, são rodeadas por policiais durante protesto contra uma marcha anti-aborto em Madri (Espanha) - Pierre-Philippe Marco/AFP
17.nov.2013 - Ativistas do Femen, famoso por protestos com mulheres seminuas, são rodeadas por policiais durante protesto contra uma marcha anti-aborto em Madri (Espanha) Imagem: Pierre-Philippe Marco/AFP

Daniel Santos

do BOL, em São Paulo

05/12/2013 15h35

Bem antes do Femen – grupo feminista fundado na Ucrânia que reúne mulheres com seios à mostra em manifestações -, algumas ações, coletivas ou individuais, já chamavam a atenção por aglomerar ativistas em defesa de causas usando o corpo nu como arma política. Em 2001, por exemplo, a estudante Carla Santos, na época presidente da UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), ficou conhecida como "bunda pintada" ao protestar contra o governo FHC e a favor da criação da CPI da corrupção, no Congresso Nacional, em Brasília.

Em 2013, ano que ficou marcado pelas manifestações em diversas regiões do país, o corpo nu voltou às ruas como forma de protesto, especialmente com as várias edições da Marcha das Vadias, que prega a legalização do aborto e o combate à violência sexual, e manifestações pontuais, como as mulheres que tiraram a roupa durante a visita do papa no Rio ou os ciclistas que pedalaram nus em São Paulo para pedir mais segurança e protestar contra a poluição causada pelos carros. E um topless coletivo já está marcado para o dia 21 de dezembro, na praia de Ipanema, no Rio. O “Toplessaço” promete reunir mais de mil mulheres pelo “fim da criminalização do corpo feminino”.

Em entrevista ao BOL, especialistas fizeram considerações sobre o uso do corpo nu como arma política.

Para Nashieli Rangel Loera, antropóloga da Unesp (Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho), em Marília (SP), “como qualquer outra forma de protesto, um coletivo de corpos nus na rua está ali precisamente para chamar a atenção, é uma provocação cuja intenção é precisamente surpreender e questionar determinados valores da sociedade, uma moralidade, ou uma determinada forma 'correta' de se comportar ou de atuar em determinados espaços".

Maria do Socorro Souza Braga, doutora em Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), entende que quando o corpo sai do padrão social – ou seja, se desnuda -  para defender uma causa, esta é legitimada, mas não significa que foi validada pela sociedade.

“Ainda temos uma sociedade muito conservadora, por isso que no Brasil essas ações ainda são bem menores que na Europa. Mas devemos considerar que tivemos uma abertura maior para este comportamento, e isso se deve a várias questões, como a força dos defensores da diversidade sexual, por exemplo”, falou Braga.

O corpo nu é a mensagem

Segundo Loera, o uso do corpo em protestos é uma forma de comunicar e traz afirmações simbólicas – “isto é, ‘fazer’ é também uma forma de ‘dizer’”.

“A linguagem simbólica funciona precisamente porque é entendida dentro de um contexto social determinado. No caso dos zapatistas (movimento político que surgiu no início do século 20, no México), os ativistas usam os 'pasamontañas' (uma espécie de gorro), que cobrem os rostos precisamente para serem vistos, para chamar a atenção. É o mesmo princípio em relação ao corpo nu no contexto de um protesto. A sociedade entende a 'linguagem',  exatamente como uma forma de comunicar desacordos, modos de pensar ou outro tipo de mensagens”, disse.

Porém a ativista Leilane Maurice, 34, que já ficou nua em edição da Marcha das Vadias no Rio de Janeiro, ressalta que a falta de repertório político pode desvalidar a mensagem. “Exibir o corpo em público requer mais do que atitude. É preciso ser consciente e estar respaldada com o contexto da causa, com o fundamento político da ação. Senão, não existe consistência, e o que poderia ser um protesto se torna apenas exibicionismo”, considerou.

Casos marcantes de nudez como arma política no Brasil

No início dos anos 70, a atriz Leila Diniz – que virou símbolo da resistência à ditadura militar - chamou atenção ao exibir a gravidez de biquíni em uma praia carioca. Leila ficou famosa por quebrar tabus em uma época de conservadorismo sufocante.
De volta do exílio, no início dos anos 80, o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira desfilou com uma tanga minúscula e feminina em praias cariocas como forma de reagir aos costumes conservadores e ditatoriais da época. A peça íntima usada por Gabeira foi apelidada de “sunga da anistia”.
Ainda nos anos 80, um grupo de jovens artistas, liderados por Eduardo Zac, chocou ao usar a estética e a performance do corpo como resistência política. Com o nome de “Movimento de Arte Pornô”, os ativistas propagavam segmentos artísticos, como poesia, literatura, fotografia e outros, com os corpos nus. A intenção era fazer um “strip-tease da arte” sem o aval moralistas dos críticos e longe do vazio dos museus. O primeiro ato, batizado de “Top Less Literário”, aconteceu no posto 9 de Ipanema, no Rio.
No começo dos anos 2000, a presidente da UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), Carla Santos, tirou a roupa durante manifestação de estudantes em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, para protestar contra o governo FHC e a favor da criação da CPI da corrupção. A jovem ficou conhecida como “bunda pintada”.
Nos dias atuais, é cada vez mais comum ciclistas saírem nus em atos como o “Pedalada Pelada”, por exemplo. Além disso, manifestações feministas, como a Marcha das Vadias, reúnem ativistas que não hesitam em usar o corpo como arma política. A arte e movimentos em defesa dos animais também reúnem militantes que defendem suas causas com os corpos desnudos

 

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