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Ciro e Doria terão dificuldades em 2022 por falta de identidade, diz Haddad

do UOL

Guilherme Mazieiro e Thais Arbex

Do UOL e da Folha, em Brasília*

23/10/2019 02h00Atualizada em 23/10/2019 15h36

Resumo da notícia

  • Em entrevista, petista afirma que país só encontrará paz quando Lula subir rampa do Planalto
  • Ex-ministro critica governo: "Brasil perdeu dez anos, mas Bolsonaro ganhou um"
  • Para ele, Lava Jato pecou quando resolveu fazer política e Moro tem que ser julgado
  • Ex-prefeito afirma não ver ânimo no TSE para descobrir a verdade sobre disparos do WhatsApp

De olho na eleição presidencial de 2022, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT-SP) provoca dois concorrentes a postos para a próxima disputa pelo Planalto: "Na esquerda, o Ciro, e, na direita, o Doria, ambos terão uma dificuldade muito grande de se descolar daquilo que ajudaram a construir", afirmou.

Segundo colocado na corrida eleitoral de 2018, Haddad sinaliza apoio a candidatura de Lula e se diz um "atleta disciplinado" para jogar em qualquer posição em um eventual governo petista.

"Este país só vai encontrar a paz no dia em que Lula subir a rampa do Planalto", afirmou em entrevista ao UOL e à Folha de S. Paulo, na última segunda-feira (21).

Para Haddad, o PT tem "densidade eleitoral, enraizamento na sociedade e legado". Já o governo Jair Bolsonaro (PSL) o petista classifica como uma "confusão generalizada", composto por um "quarteto fantástico fundamentalista" formado pelos ministros Damares Alves (Mulher e Direitos Humanos), Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente).

Não há política organizada em torno de ideias. Há confusão generalizada que ganha repercussão nos meios de comunicação
Fernando Haddad, ex-ministro da Educação (2005-2011)

Haddad também foi questionado sobre a atuação da esquerda na oposição, seu papel no PT, disparos em massa via WhatsApp na eleição e Operação Lava Jato.

Leia os principais trechos da entrevista.

UOL/Folha - Em 2016, o senhor disse imaginar que a disputa em 2018 seria entre a direita e a extrema-direita. O sr. acha que errou nessa avaliação?

Fernando Haddad - Acho que foi um acerto extraordinário. A extrema-direita foi ao segundo turno. [À época, quando a jornalista] Mônica Bergamo me perguntou, 'a esquerda não pode fazer nada?' Eu disse: depende do que vão fazer com o Lula e do comportamento do Ciro [Gomes, do PDT].

Um erro que pode ser considerado, eu não sabia o que aconteceria com a prisão do Lula. A maioria dos líderes, quando são presos, perde popularidade, em três dias vira pó. O Lula subiu nas pesquisas depois que foi preso. Eu não poderia prever isso.

A esquerda pode fazer algo para 2022?

Eu acredito que a tendência continua a mesma de 2016. Existe esse risco, mas a política é a construção do imponderável, aquilo que você não está enxergando. Então se a centro-esquerda souber jogar o jogo, ela vai estar representada no segundo turno.

O descolamento de Ciro Gomes do PT pode ser prejudicial?

Acho que [pode ser prejudicial] para ele. Tem duas figuras que terão dificuldade até 2022, na minha opinião. Na esquerda, o Ciro, e, na direita, o [João] Doria [PSDB]. Pelas mesmas razões, razões muito parecidas. Uma dificuldade muito grande [que eles têm] de se descolar daquilo que ajudaram a construir. Você não consegue ter identidade. As pessoas começam a não ter segurança no que você, de fato, representa. Acho que isso está acontecendo com os dois.

Uma dificuldade do eleitorado reconhecer representatividade. Afinal a quem eles representam?

Fernando Haddad - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
O ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT)
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

O PT enfrenta a pauta antipetista, o partido não vai ter dificuldade para pavimentar esse caminho?

A centro-esquerda governou a América Latina, particularmente na América do Sul, por dez anos, ou mais em alguns países. Quando vem a crise de 2008, o risco era a esquerda deixar de estar representada no segundo turno. Acho que o PT foi exitoso de conseguir colocar um candidato no segundo turno, no ano passado, com o Lula preso. Foi um feito, sob todos os aspectos. São raros os casos em que isso acontece no mundo, de um candidato ser preso e, nesse partido, o seu principal cabo eleitoral colocar um candidato no segundo turno.

O PT erra, o PT acerta. Mas tem uma densidade eleitoral importante

Tem um enraizamento importante, representou para setores expressivos da sociedade uma possibilidade de emancipação. O PT tem um legado extraordinário em várias áreas.

Lula é o candidato do PT para 2022?

Olha, eu espero que Lula, ele próprio, decida. Gostaria de ver Lula livre e com seus direitos políticos assegurados. Se perguntar o que eu gostaria, eu disse na campanha 2018: Este país só vai encontrar paz no dia em que Lula subir a rampa do Planalto.

Essa minha opinião porque eu imaginava que o Lula fosse candidato e fosse eleito em 2018.

Ele é o melhor quadro para ser candidato?

Lula é um político incomum. Isso é reconhecido pelos adversários. [São necessárias] muitas décadas para você ter uma pessoa com o destaque político do Lula. Perguntei para ele: e aí, presidente? Ele [respondeu]: eu vou estar com 77 anos.

Ele sempre faz aquele jogo dele. Mas eu, como cidadão, eu gostaria muito de vê-lo disputar uma eleição.

Nesse contexto em que Lula pode ter os direitos políticos retomados, qual que será o seu papel?

Lula, em janeiro de 2018, me convidou para coordenar o programa de governo dele e me sondou para ser seu ministro da Fazenda.

Eu fui ministro da Educação. Lula tem carinho enorme pelo trabalho que eu fiz, basta ver os discursos dele. Eu disse a ele que não gostaria de voltar para o mesmo lugar. Ele disse: eu não estou pensando nisso, estou pensando em você coordenar a área econômica.

Não sei se esse convite vai se repetir, mas o que eu quero dizer é que, no momento em que ele imaginava que ia ser candidato e com chances de vitória, ele me sondou para coordenar o programa de governo com essa perspectiva.

O mundo ideal para 2022 seria o Lula presidente e o senhor ministro da Economia?

Eu estou fazendo uma retrospectiva sincera do que aconteceu no começo do ano passado.

E em 2022?

É que três anos no Brasil... Você vê o que está acontecendo na América Latina, Equador, Peru, Chile? Quem diria que o [o presidente argentino Mauricio] Macri ia perder a eleição para o Alberto [Fernández]? Três anos em um mundo tão turbulento, o Líbano em crise, o Haiti de novo. O sistema não está arrumado desde a crise de 2008.

Nesta semana, o FMI soltou um relatório sobre as finanças globais, está todo mundo preocupado. Não resolvemos a crise de 2008. Nós compramos tempo, empurramos com a barriga a crise e injetamos centenas de bilhões de dólares no mercado para amenizar. Às custas da explosão da dívida pública, do endividamento das famílias.

Três anos é muito tempo nesse contexto.

Como o sr. vê a recente aproximação de Lula com Marta Suplicy? Ela poderia ser um nome para disputar a Prefeitura de São Paulo?

Eu acho que Lula fez um gesto em retribuição a uma entrevista em que ela defende o ex-presidente, em que reconhece os problemas que o governo Bolsonaro representa, e que mostra um desejo de unidade das forças mais progressistas. Lula é um agregador e ele retribui na mesma moeda, procurando estender a mão.

Não é um convite para ela voltar ao PT?

É um gesto dele. Mesmo que ela não seja candidata, a opinião de Marta é importante. tem setores da periferia de São Paulo que veem nela, com justiça, uma grande liderança.

A direita não está tão unida quanto parecia há um ano. Qual é o motivo do racha?

A direita foi aniquilada no processo eleitoral. PSDB e MDB implodiram durante o governo [Michel] Temer. E surgiu uma pessoa sem projeto, congregando perspectivas bastante incongruentes.

Você tem os amantes do mercado a todo custo, gente que não tem nenhum apreço pela democracia, e quer saída autoritárias para crise, que é a turma do [Sergio] Moro e os militares.

E tem a turma fundamentalista que quer o estado teocrático no Brasil, que é Damares, Weintraub, Araújo e o Salles. Que compõem um quarteto fantástico na questão fundamentalista.

Operação Lava Jato

O que a Lava Jato mostrou para o PT que o PT não sabia?

Você montar um governo conversando com as forças políticas para ter maioria. E o PT, ao contrário dos partidos de centro direita ou de direita, sempre foi muito frágil no Congresso. A gente elegia Lula presidente com cem deputados fiéis. A centro-direita se elege com 300. Então é natural que se faça a composição, isso implica nomear ministro.

Agora, [como] imaginar que os que os diretores da Petrobras estavam fazendo caixa para si próprios, cedendo a lobby do cartel das empreiteiras? Conforme Lula disse [para Sergio Moro]: se o senhor que tinha o [doleiro Alberto] Youssef na mão, não sabia, como eu ia saber? Tem que chegar a informação para você.

Foi isso que a Lava Jato mostrou para o PT, que a Petrobras foi capturada?

O que a Lava Jato demonstrou é que a Petrobras tinha sido capturada por diretores que não estavam representando forças políticas. Estavam representando a si próprios. Fazendo caixa de centenas de milhões de dólares no exterior. Como? Cedendo ao cartel das empreiteiras, provavelmente mexendo em dispositivos de edital. Coisa que gestor corrupto faz, mas para ganho pessoal. Mutatis mutantis [com as devidas alterações] foi o que aconteceu com o Paulo Preto, na Dersa, você tem que apurar responsabilidade e eventualmente chegar no governador do Estado.

A Lava Jato pecou quando resolveu fazer política

Em que momento foi isso?

Acho que com o Lula isso foi patente. Ela resolveu fazer política e aí julgou com base no seu desejo de criminalizar e não no que tinha sido apresentado pelo Ministério Público. Que foi o primeiro a reconhecer que tinha convicção e não provas. Não se faz isso.

Sobre os disparos em massa [via WhatsApp durante as eleições], o senhor entrou com um processo contra Bolsonaro. Que avaliação você faz esse processo no TSE?

É crime eleitoral grave. Se o Tribunal Superior Eleitoral quiser investigar todos os especialistas sabem como fazer o caminho de volta e descobrir que Bolsonaro usou caixa dois de empresário para fazer os disparos que todo mundo sabe.

Eu não estou vendo ânimo [do TSE] em buscar a verdade. O caminho que estão escolhendo é o mais longo.

Como o sr. se imagina daqui a três anos?

Olha, eu sou uma pessoa disciplinada. Se for comparar com um atleta, eu chego no horário do treino, não falto, faço mais exercício do que o técnico manda. Porque eu me sinto membro de um time que quer disputar o campeonato para ganhar.

Se eu vou ser o artilheiro, capitão do time ou técnico, nós vamos ver. Mas eu pertenço a um time que quer mudar o Brasil para melhor

Oposição x governo

A bandeira "Lula Livre" atrapalha o PT de fazer oposição mais propositiva ao governo Bolsonaro?

Nós, a todo momento temos iniciativas no Congresso. Tivemos iniciativas para mitigar os efeitos da reforma da Previdência. Preservamos BPC, aposentadoria rural, professores, tiramos de cena a capitalização do [Paulo] Guedes [ministro da Economia]. Na reforma tributária, apresentando um projeto de como seria uma reforma tributária progressista.

Lançamos um plano emergencial de geração de emprego. Obviamente, não temos uma visibilidade midiática, até porque são temas mais árido. Mas nós, do bloco progressista na Câmara, estamos muito ativos.

No ano passado, houve centenas de manifestações apoiadas pelo PT e centrais sindicais contra a reforma da Previdência. Neste ano, o que se diz no Congresso é que não teve ação da oposição.

Mas teve em outras áreas. Conseguimos constranger o governo a liberar o orçamento da educação. Alguém imagina que, sem as manifestações de maio, Bolsonaro iria liberar o dinheiro? Não ia, mandou os reitores se virarem. Só que aquilo foi um levante. Os reitores se sentiram empoderados, reivindicaram a autonomia e conseguiram o orçamento. Foi uma derrota do governo muito importante.

Como que o sr. pode ajudar mais o seu partido e o país?

Eu sou professor universitário, tenho uma coluna na Folha, canal no YouTube. Tenho liberdade para viajar, conversar com gente de outros partidos, para conversar com empresário que ficou distanciado do PT. Quero entender melhor por que [se distanciaram].

A pessoa, quando me encontra, não está indo conversar com o presidente do PT. É um ex-ministro, ex-prefeito, que é filiado ao PT, mas está mais distante do dia a dia.

Política se faz conversando. Eu converso com muita gente. Gente que você não pode imaginar.

Quem?

Converso com empresário que votou no Bolsonaro. Não vou citar nomes porque não tenho autorização para isso. Se quero ajudar a construir um projeto, preciso entender as pessoas. Não é para concordar ou cooptar, é porque precisamos de um projeto nacional. Bolsonaro dialoga com minorias apaixonadas.

A oposição está fazendo menos barulho?

É que o governo faz muito barulho contra si próprio. Ele vive da instabilidade. O noticiário tem duas páginas. Uma dedicada ao que o governo está fazendo e a outra dedicada ao que os governistas estão criticando no governo. Não há política organizada em torno de ideias. Há uma confusão generalizada que ganha repercussão nos meios de comunicação.

Vocês mesmos [imprensa] estão prisioneiros dessa agenda.

É a líder do governo sendo destronada e se voltando contra o governo. Lideranças do governo atacando ela nas redes sociais. Aí é um bolsonarista que vai para o PSDB. Bolsonaro em vez de tomar providência, acusa ONG, acusa o papa, acusa a Venezuela.

O sr. atribui essa desorganização ao governo Bolsonaro...

Vou atribuir a quem? Ele é o governo, faz um ano já. Vai fechar um ano. Mas é um ano que o Brasil perdeu dez, mas ele ganhou um. Ele sobreviveu um. Essa é a conta que o governo faz.

De que maneira a oposição vai tirar uma oportunidade dessa instabilidade do governo?

Ele é o presidente mais mal avaliado da série histórica, isso significa que tem muita gente acordando e percebendo que estamos em dificuldades. Que temos um desgoverno. Ele dialoga com minorias apaixonadas que têm presença na sociedade brasileira. As pessoas que não têm apreço à democracia, que gostariam de ver o país submetido a uma nova ditadura; tem um pessoal que é, do ponto de vista religioso, fundamentalista. Essa pessoa não se confunde com a primeira, acha legal a democracia, mas quer um estado fundamentalista, com valores religiosos em tudo.

Tem pessoas que não se confundem com as duas primeiras, mas que acha que o mercado vai resolver todos os problemas. E veem em [Paulo] Guedes a salvação da lavoura. Se somar os três conjuntos, você tem 25% da população que pensa uma dessas três coisas e vê no Bolsonaro uma chance de ver seu sonho realizado. São blocos sólidos que sustentam o governo.

Como entrar nisso?

Temos que entrar nessas pautas todas para mostrar para um grupo o risco que o outro representa. Para aquele sujeito que acha que o mercado vai resolver tudo tem se mostrar que a democracia tem que ser preservada e o fundamentalismo vai trazer muito mal-estar ao país. Temos que mostrar como a agenda dele é antagônica com as outras duas.

Veja a entrevista completa abaixo e ouça a íntegra da conversa no podcast UOL Entrevista.

* Colaborou Hanrrikson de Andrade, do UOL, em Brasília

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