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Jovem ativista indígena brasileira participa da Cúpula do Clima da ONU

Artemisa Xakriaba em frente ao Congresso dos EUA - Jaye Renold/ If Not Us Then Who via RFI
Artemisa Xakriaba em frente ao Congresso dos EUA Imagem: Jaye Renold/ If Not Us Then Who via RFI

Ligia Hougland

Correspondente da RFI em Washington

22/09/2019 13h12

Uma das participantes mais entusiasmadas da Cúpula da Juventude pelo Clima - o evento que abre a Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada de 21 a 23 de setembro - é a brasileira Artemisa Barbosa Ribeiro, também conhecida como Artemisa Xakriabá.

"Meu entusiasmo é pelo que vim fazer aqui, que é lutar pela existência não só do meu povo, mas de todo mundo. Nova York é uma cidade bonita, que há até pouco tempo eu nem sabia que existia. O importante é estarmos aqui para unir forças. Nossas vozes têm de ser ouvidas", diz a ativista de 19 anos.

O Brasil não foi selecionado para fazer pronunciamento durante a cúpula. Na quinta (19), a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, somente foram escolhidos países com propostas mais ambiciosas e avanços na redução dos efeitos das mudanças climáticas. Para Artemisa, a exclusão do Brasil é mais uma prova de que o país, mais do que nunca, está aquém no que diz respeito ao meio ambiente. "Afinal, de um modo geral, o Brasil sempre foi uma referência nas políticas ambientais, apesar nós, povos indígenas, termos nossas reflexões sobre essas políticas", lembra Artemisa.

Vida na aldeia

Os primeiros 16 anos da jovem foram passados dentro da sua aldeia de 12 mil indígenas, no município de São João das Missões, no norte de Minas Gerais. Três anos depois, como líder da juventude indígena brasileira, Artemisa agora é um dos destaques dos eventos da ONU focados no clima, principalmente por representar o Brasil, país que foi alvo de críticas recentes da comunidade internacional devido às queimadas na Amazônia.

Antes de participar dos eventos na sede da ONU, em Nova York, Artemisa esteve em Washington para promover junto a membros do Congresso americano a proteção do meio ambiente e lutar pela sobrevivência da sua comunidade. Ela fez parte de um grupo de jovens ativistas de diversos países que se reuniu na capital americana com vários senadores e a líder da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi.

A jovem ficou satisfeita com o modo que foi acolhida pelos políticos, que prometeram pressionar tanto empresas multinacionais quanto o governo brasileiro para que sejam tomadas iniciativas concretas a fim de proteger o meio ambiente.

"Eu fiquei muito feliz, quase chorei, mas fico até com vergonha de chorar no meio de todo mundo, mas é uma emoção muito grande de estar recebendo esse apoio internacional, já que o nosso apoio lá dentro [no Brasil] não tem", diz a jovem.

Artemisa conta que os membros do Congresso americano mostraram bem mais interesse na proteção ambiental do Brasil do que os próprios políticos de seu país. Segundo ela, o senador democrata Sheldon Whitehouse, do estado de Rhode Island, mostrou especial interesse em ajudar com a sua causa.

"Ele disse que faria pressão para que as empresas ficassem de olhos bem abertos [quanto ao seu impacto ambiental]", conta a ativista.

Como um dos 13 grupos indígenas que habitam o estado de Minas Gerais, os Xakriabá já sobreviveram o contato turbulento com os bandeirantes e, mais tarde, com as frentes pecuaristas e garimpeiras. O seu território também foi ocupado por fazendeiros, e hoje eles lutam para ampliar as terras demarcadas e recuperar parte delas. Atualmente, o grupo também busca sua valorização cultural, especialmente entre os jovens da comunidade, que sofrem com problemas de adaptação e identidade ao entrarem em contato com a sociedade fora da aldeia. Artemisa viu isso de primeira mão quando, em 2017, se mudou para Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. A jovem teve depressão e precisou de ajuda médica para superar a crise e conseguir se adaptar à vida fora da aldeia.

Com o tempo e o apoio da sua nova comunidade, além da ajuda médica, Artemisa foi se sentindo mais confiante. Agora, ela está se preparando para prestar o Enem e cursar psicologia e música na universidade, duas áreas de estudo que ela acredita que podem ser valiosas para ajudar as novas gerações do seu povo a se conhecer e ter sucesso, tanto dentro quanto fora da aldeia. Depois de formada, Artemisa pretende voltar a viver na aldeia, mesmo acreditando que, embora nunca tenha sido boa, a situação dos povos indígenas tenha piorado desde o início do governo de Jair Bolsonaro.

"É uma coisa bem triste de falar, porque dentro desses 8 a 9 meses do mandato [de Bolsonaro], já mudou muita coisa. Ele quer colocar mineração dentro da aldeia, dentro dos territórios indígenas. Estão matando nossas árvores para colocar mineração, colocando a parte dos grupos econômicos, a política em si, o agro negócio", diz Artemisa.

O desempenho da jovem na 1a Marcha das Mulheres Indígenas, realizada em Brasília, em agosto deste ano, chamou a atenção de outros ativistas, além de Célia, que foi a organizadora do evento. Depois disso, Artemisa foi encorajada por sua prima, a ativista Célia Xakriabá, a vir aos Estados Unidos para pedir o apoio de líderes da comunidade internacional.

Greta Thunberg, a adolescente sueca que ganhou fama internacional por cobrar de modo veemente ações de políticos do mundo todo para combater a mudança climática, também faz parte da delegação de jovens ativistas que veio a Washington e Nova York. Apesar de Artemisa, como Greta, também ser uma jovem ativista atuando no cenário global, ela não compartilha a visão pessimista da menina sueca que diz viver com medo do futuro. Pelo contrário, a brasileira vê um futuro brilhante feito de jovens que partem para a ação e fazem do mundo um lugar cada vez melhor.

"A gente tem de ser otimista. Na aldeia, os mais velhos falam para a gente que temos de olhar para o futuro como uma coisa maravilhosa, pois as coisas ruins já aconteceram com eles. Vejo muitos jovens engajados e acredito que teremos um futuro bom. E não podemos depender de governo porque, se a gente foi depender dele, acho que a gente não existiria mais", diz Artemisa.

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