Topo
Notícias

STF tem 63 réus por financiar golpismo, mas casos só miram caravanas do 8/1

30.dez.2022 - Bolsonairstas abandonam acampamento em frente ao Exército em Brasília - Felipe Pereira/UOL
30.dez.2022 - Bolsonairstas abandonam acampamento em frente ao Exército em Brasília Imagem: Felipe Pereira/UOL
do UOL

Do UOL, em São Paulo

07/12/2024 05h30Atualizada em 10/12/2024 18h10

Mais de 60 pessoas foram denunciadas ao STF até o momento por suspeita de financiar a tentativa de golpe de Estado apontada pela PF. Os réus, porém, estão ligados apenas ao transporte de manifestantes para os atos de 8 de janeiro. Os processos ainda não alcançaram outras frentes já descobertas pela investigação.

O que aconteceu

O Supremo Tribunal Federal ainda não condenou ninguém por patrocinar a tentativa de golpe. A Polícia Federal já levantou indícios de que os militares apontados como executores do plano fizeram uma estimativa de custos de R$ 100 mil e receberam dinheiro vivo do ex-ministro Braga Netto, segundo depoimento de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL). Mas o indiciamento do ex-presidente e mais 36 pessoas, no final de novembro, não apontou provas de que algum recurso foi realmente pago e utilizado.

Até o momento, as ações no Supremo só tratam do pagamento de caravanas para os atos de 8 de janeiro de 2023. A PGR (Procuradoria-Geral da República) informou ao UOL que já denunciou 63 pessoas. A maioria é acusada de fretar ônibus que foram a Brasília na véspera da manifestação. Esses financiadores foram identificados dias após a invasão das sedes dos três Poderes, mas a primeira denúncia só foi apresentada em dezembro do ano passado.

Dezenas de outros financiadores já foram identificados, mas não são réus no STF por enquanto. O grupo inclui empresários que bancaram gastos do acampamento em frente ao Exército em Brasília, fazendeiros que forneceram caminhões para os bloqueios em rodovias após as eleições de 2022 e suspeitos de dar apoio financeiro, em dezembro daquele ano, a atos de vandalismo no dia da diplomação de Lula (PT) e uma tentativa de atentado a bomba, ambos na capital federal.

Os processos contra outras frentes da tentativa de golpe estão mais avançados. Na última terça-feira (3), a PGR informou que o Supremo já condenou 229 executores dos atos de 8 de Janeiro (flagrados nos prédios públicos) e 81 incitadores (que mobilizaram a invasão). Outras 500 pessoas, acusadas de crimes mais leves, assinaram acordo para encerrar o processo em troca de medidas alternativas —serviços comunitários e participação em um curso sobre democracia.

Acampamento Brasília - Folhapress - Folhapress
09.jan.2023 - Ônibus com manifestantes presos no QG bolsonarista em Brasília após os atos de 8/1
Imagem: Folhapress

O plano 'Copa 2022'

A PF apura se houve apoio financeiro para o plano de matar autoridades após as eleições. A investigação revelou, em fevereiro deste ano, uma "estimativa de gastos" feita em novembro de 2022 entre o tenente-coronel Mauro Cid e o major Rafael de Oliveira, um dos "kids pretos" presos por suspeita de planejar a morte do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de Lula e do vice Geraldo Alckmin (PSB).

O plano dos militares custaria R$ 100 mil. Segundo Cid afirmou em mensagens, o dinheiro serviria para despesas como material, hospedagem e alimentação de militares que seriam deslocados do Rio para Brasília. "Pelo teor do diálogo, seria uma estimativa de gastos para subsidiar, possivelmente, as ações clandestinas, que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022", afirma o relatório da PF que indiciou o grupo por tentativa de golpe.

Cid afirmou à PF, na última quinta (5), que Braga Netto entregou dinheiro vivo aos "kids pretos". O delator afirmou que o ex-ministro de Bolsonaro repassou valores dentro de embalagens de vinho ao militares que executavam o plano "Copa 2022", que incluía o monitoramento de Moraes e o possível assassinato de autoridades.

Se confirmado, esse pagamento fortalece uma eventual denúncia contra o grupo de Bolsonaro. Segundo apurou o UOL, Cid citou o repasse de Braga Netto pela primeira vez em 21 de novembro, quando depôs novamente após a prisão dos "kids pretos". Desde que fechou acordo de delação com a PF, em setembro do ano passado, Cid teve que dar vários depoimentos complementares para esclarecer omissões e contradições sobre a trama golpista e outros crimes.

Cid e Joe - Reprodução / PF - Reprodução / PF
15.nov.2022 - Mauro Cid e Rafael Oliveira estimaram custo de R$ 100 mil para plano
Imagem: Reprodução / PF

Ponte entre governo Bolsonaro e manifestantes

A investigação apura se os manifestantes em Brasília tiveram apoio material do governo Bolsonaro. Na operação que prendeu os "kids pretos", no último dia 19, a PF revelou que o general da reserva Mario Fernandes, que chegou a ser ministro interino da secretaria-geral da Presidência, orientava e resolvia problemas para os bolsonaristas acampados em Brasília.

Segundo a PF, Fernandes "servia como provedor material, financeiro e orientador dos manifestantes". Em áudios enviados a Cid, o general afirmou que vinha "tentando orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG". Ele chegou a pedir a Cid que convencesse Bolsonaro a "segurar a PF" para evitar a prisão dos manifestantes.

Fernandes se comunicava com lideranças do acampamento. O relatório da PF mostra que o casal Rodrigo Ikezili e Klio Hirano, que cuidavam da logística do acampamento, pediram orientações ao general sobre a entrada de tendas e outras questões. Hirano chegou a ser presa por atuação nos atos de vandalismo em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação de Lula.

Mario Fernandes - Reprodução / PF - Reprodução / PF
Áudio do manifestante Rodrigo Ikezili para o general Mario Fernandes
Imagem: Reprodução / PF

Amigo de Bolsonaro teria arrecadado doações no MS

Militares também teriam arrecadado recursos fora de Brasília. No relatório que indiciou Bolsonaro e os aliados, a PF apontou que o militar da reserva Aparecido Portela, conhecido como Tenente Portela, recolheu valores com manifestantes no Mato Grosso do Sul para um "churrasco". Segundo a PF, isso seria um código para os planos golpistas.

Portela é amigo de Bolsonaro. Os dois serviram juntos no Exército e, segundo apurou a PF, Portela visitou o então presidente no Palácio da Alvorada 13 vezes só em dezembro de 2022. O militar da reserva é também o atual suplente da senadora Tereza Cristina (PP-MS).

Portela disse a Cid que estava sendo cobrado pelos apoiadores de MS sobre o andamento dos planos em Brasília. Em mensagem enviada em 26 de dezembro de 2022, Portela afirmou que "o pessoal que colaborou com a carne" queria saber "se vai ser feito mesmo o churrasco". Cid respondeu que sim e garantiu: "nada está acabado ainda de nossa parte".

Com o fim do plano, Portela afirmou que teria que devolver o dinheiro. No dia 29 de dezembro, véspera da viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, Portela perguntou a Cid por mensagem se havia "alguma esperança ainda, ou podemos aceitar a derrota". Cid respondeu: "zero". Já em 12 de janeiro, após os atos em Brasília, Portela disse a Cid que o "pessoal está em cima de mim aqui", e que teria que ressarcir os valores doados.

Pessoal está em cima de mim aqui, infelizmente vou ter que devolver a parte desse pessoal. Minha vida está um inferno
Tenente Portela em mensagem a Mauro Cid, em 12 de janeiro de 2023

Notícias