América Latina vive mês-chave nas urnas
Em 20 de outubro, a Bolívia escolhe quem governa o país até 2025. A oposição denuncia que a candidatura de Morales é ilegal, já que a Constituição proíbe que um presidente concorra a um quarto mandato consecutivo. Além disso, em fevereiro de 2016 essa possibilidade foi descartada através de um referendo, em que cerca de 51% dos eleitores votaram pelo "não" a uma nova candidatura de Evo Morales. Mas o Tribunal Superior Eleitoral deu sinal verde para um eventual quarto mandato.
Os principais opositores são o ex-presidente Carlos Mesa e Óscar Ortiz. A questão é se Morales conseguirá se eleger já no primeiro turno, para o que precisa de mais de 50% dos votos, ou mais de 40% e dez pontos percentuais de diferença em relação ao segundo lugar.
O principal trunfo do governo é sua gestão econômica: o eixo da campanha é o slogan "Futuro seguro", e na televisão os spots de propaganda eleitoral advertem sobre o risco de se cair numa crise como a da Argentina. Grafites de rua igualmente advertem: "Mesa = Macri".
"Há muito que a proposta do partido de Morales, o Movimento para o Socialismo (MAS), é a estabilidade. Desta vez vai ser um voto muito mais pragmático, fundamentado nos que pensam que a economia está bem e deveria seguir do mesmo modo. Sua agenda não tem nenhum radicalismo, é modesta”, assegura Pablo Stefanoni, chefe de redação da revista Nueva Sociedad, da sucursal da fundação alemã Friedrich Ebert na Bolívia.
Superdomingo no Uruguai
O superdomingo rio-pratense será em 27 de outubro, quando votam Uruguai e Argentina. O partido de esquerda e governista Frente Ampla (FA) apresenta como candidato o prefeito de Montevidéu, Daniel Martínez.
Seus principais rivais são Luis Alberto Lacalle Pou, do conservador Partido Nacional, e Ernesto Talvi, do centrista Partido Colorado. "Será uma eleição seguramente acirrada. A dúvida é se a FA conseguirá ganhar no segundo turno", expõe o sociólogo uruguaio Agustín Canzani.
A FA governa desde 2005, e "hoje se vive uma mudança de liderança histórica”, avalia Canzani, destacando que nem o atual presidente, Tabaré Vázquez, nem seu antecessor José Mujica, nem o ex-vice-presidente e atual ministro da Economia, Danilo Astori, se candidataram.
Argentina, novo "país de risco"
A Venezuela é já há alguns anos um fantasma que assombra cada uma das eleições da região. Mas desta vez a novidade é que o papel central cabe ao perigo de uma virada "à moda Argentina", bandeira que passou a ser empunhada pelos governistas tanto na Bolívia como no Uruguai.
"Macri era um pós-populista que devia triunfar para que fosse possível se falar de uma bem-sucedida guinada para a direita. Não funcionou, e [o brasileiro Jair] Bolsonaro tampouco. Argentina está sendo usada como foi a Venezuela. Macri, em seus próprios termos, foi um fracasso absoluto: não melhorou nenhuma variável e piorou várias", critica Stefanoni, da Nueva Sociedad.
Uma virada política na Argentina teria implicações geopolíticas. Nas primárias de agosto – que funcionam, na prática como, uma sondagem – o oposicionista Alberto Fernández venceu por grande margem, e os analistas preveem que ele será o próximo presidente. De fato, já é recebido por presidentes e sugere como será sua política exterior.
"Dá a impressão de que se moveria numa linha social-democrata, buscando relações com Espanha, Portugal, Uruguai e Bolívia; uma relação boa, mas não subordinada com os EUA; e uma negociação pragmática com o FMI", explica o jornalista.
A partir daí, ele considera que Buenos Aires poderia desempenhar um papel na Venezuela, alinhado com o Uruguai e o México, e buscar uma "saída negociada", sem apoiar Maduro. Stefanoni também enfatiza que não definiria Fernández como populista, mas como social-democrata, que representa um "progressivismo suave": "O enigma de Alberto não é ele, mas qual será o relacionamento com [a ex-presidente e candidata a vice] Cristina Fernández Kirchner."
Sem ondas
Ao longo da vida política latino-americana, e especialmente na América do Sul, podem-se identificar ondas relativamente homogêneas. Do processo de independência aos populismos de meados do século 20, passando pelas ditaduras militares dos anos 60 e 70, o neoliberalismo nos anos 90 e a curva à esquerda dos anos 2000. Agora, uma nova etapa parece se abrir.
"A região experimentou uma virada para a heterogeneidade após o triunfo de Macri. Na América Latina inaugurou-se uma era mais diversa. De fato, se hoje parte da esquerda voltasse, estaria em outro contexto global e regional. Então, acho que as ambições de reformas seriam mais fracas", diz Stefanoni. "Hoje existe uma certa dose de pragmatismo político, uma volta ao centro na Argentina e na Bolívia, onde Morales é seu próprio Alberto Fernández."
Canzani concorda: "Está chegando uma época de restrições. A situação exigirá da esquerda e do progressismo, se vencerem, orientações inovadoras de políticas públicas". Quanto ao futuro geopolítico regional, o sociólogo ressalta que um novo panorama pode se abrir: o eixo conservador, formado por Brasil, Colômbia e Chile, teria que negociar com um novo alinhamento de Argentina, México, Uruguai e Bolívia. "Hoje a América Latina é mais como o mundo, uma região muito confusa", conclui Pablo Stefanoni.
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Autor: Diego Fernando Gonzalez (md)
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