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A difícil vida das crianças e jovens venezuelanos no norte do Brasil, em meio a crise de refugiados

Mulher venezuelana com o filho no abrigo de Pintolândia em Boa Vista, Roraima - Vincent Tremeau/UNHCR/BBC
Mulher venezuelana com o filho no abrigo de Pintolândia em Boa Vista, Roraima Imagem: Vincent Tremeau/UNHCR/BBC

Carolina Montenegro

Da BBC News Brasil, em Roma (Itália)

19/06/2019 11h37

O número de pessoas deslocadas de suas casas no mundo por força de conflitos ou crises bateu novo recorde superando os 70 milhões em 2018. Os dados divulgados hoje pela Acnur (Agência da ONU para os Refugiados) também mostram que por trás do aumento está o recente boom nos fluxos de refugiados a partir da Venezuela e da Etiópia.

Crianças continuam a representar a metade dos refugiados do mundo e pelo menos 138.000 delas viajam sozinhas ou separadas de seus pais.

Na fronteira norte do Brasil, as crianças e adolescentes venezuelanos também são quase metade dos deslocados.

Muitas chegam à Roraima depois de dias de caminhada pelas matas ou pegando caronas nas estradas. "Elas vêm em famílias, em geral, mas também há crianças viajando sozinhas", explica João Chaves, defensor público federal atuando nos postos de fronteira da Polícia Federal em Roraima.

Com o aumento da instabilidade na Venezuela, cresce desde novembro do ano passado o número de deslocados venezuelanos, que já somam cerca de 4 milhões - a segunda maior crise no mundo atrás apenas da Síria (5,6 milhões de deslocados).

Atualmente, o Brasil acolhe quase 168 mil venezuelanos e até o final de 2019 estima-se que este número deve passar dos 175 mil.

Dormindo nas calçadas

Apesar da intensa mobilização da população local, ONGs, ONU e Exército, ainda falta teto e escola para as crianças venezuelanas no norte do Brasil.

Ronneilys, 15, chegou a Roraima com os dois irmãos mas sem os pais. Era agosto do ano passado e eles decidiram partir da Venezuela pegando caronas nas estradas e caminhando para encontrar a mãe que já vivia em Boa Vista.

'Foi a primeira vez na vida que morei na rua', afirma Ronneilys, que chegou a Roraima com os dois irmãos sem os pais - Inaê Brandão/Unicef/BBC - Inaê Brandão/Unicef/BBC
'Foi a primeira vez na vida que morei na rua', afirma Ronneilys, que chegou a Roraima com os dois irmãos sem os pais
Imagem: Inaê Brandão/Unicef/BBC

A família acabou na rua, porém, depois que a mãe perdeu o emprego. Ronneilys dormia em um papelão na calçada numa rua nos arredores da Rodoviária de Boa Vista. "Foi a primeira vez na vida que morei na rua, foi a primeira vez que tive que pedir comida", ela contou à Unicef (Agência da ONU para a Infância).

Após alguns meses, a família conseguiu lugar em um abrigo na cidade, até a mãe conseguir um novo emprego e a família se mudar para Santa Catarina, com apoio do programa de interiorização do governo federal.

As crianças que vivem hoje nas ruas em Boa Vista seriam quase 700, segundo estimativas da Unicef, de novo a metade dos venezuelanos sem-teto na capital de Roraima.

Além dos entornos da rodoviária, outros venezuelanos dormem sob marquises, em postos de gasolina ou em acampamentos improvisados - como o antigo Clube do Trabalhador na zona oeste de Boa Vista onde mais de 500 pessoas vivem amontoadas em condições precárias sem banheiros, água corrente ou coleta de lixo.

Cerca de 6 mil pessoas vivem nos 13 abrigos oficiais criados em Pacaraima e Boa Vista e quase a metade são crianças e adolescentes (2,7 mil).

Estima-se que quase 32 mil venezuelanos morem hoje em Boa Vista.

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Pará, a nova fronteira

A situação de venezuelanos nas ruas também cresce nos Estados vizinhos, do Amazonas e Pará. Segundo fontes envolvidas com a assistência dos venezuelanos e ouvidas pela BBC Brasil, muitas famílias, inclusive de Waraos (o segundo maior grupo indígena da Venezuela), estão se "interiorizando por conta própria" e partindo de Roraima para Manaus, Santarém e Belém - onde a estrutura de acolhida do governo ainda é incipiente.

"O fluxo dos Waraos é uma novidade para o Brasil. A população é nômade, mas só no ano passado começaram a entrar no país. Eles estão em situação de extrema vulnerabilidade porque não falam espanhol nem português e enfrentam desafios para se integrar em contextos urbanos", explicou Sebastian Roa, oficial do Acnur.

Da região Norte, grupos de centenas de venezuelanos caminham ou pegam caronas e ônibus em direção ao Nordeste em busca de emprego e uma vida melhor. No caminho, pedem dinheiro e dormem nas ruas. No Pará, abrigos improvisados já registram casos de abusos infantil e superlotação.

Após recente expansão da Operação Acolhida para Manaus, cogita-se a ampliação de uma nova frente no Pará. As Forças Armadas, porém, não confirmaram a informação à BBC Brasil.

Fora da escola

Garantir estudo às crianças venezuelanas no Brasil é outro desafio, principalmente porque falta espaço e vagas nas escolas.

"O impacto da migração no sistema escolar no norte e nordeste do país é grande se considerar a evasão e a exclusão escolar que já existiam antes nas duas regiões. O Brasil tem mais de 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora da escola", afirmou Raniere Pontes, especialista em Educação da Unicef.

Educadores venezuelanos, deslocados eles também, se unem a brasileiros para multiplicar esforços nas escolas locais e em espaços especiais para crianças dentro dos abrigos.

"Deixei para trás a casa que trabalhei anos da minha vida para construir, deixei dois carros, deixei tudo na Venezuela. Hoje moro em uma tenda aqui no Brasil com meus dois filhos", conta à BBC Brasil a venezuelana Ellinois Malave, 39.

Pedagoga, ela abandonou o país natal porque sofre de lúpus (uma doença autoimune) e lá não conseguia mais comprar os remédios que no Brasil estão disponíveis em qualquer farmácia.

Hoje Ellinois mora e dá aulas no abrigo Rondon, o maior de Roraima e onde metade dos venezuelanos são crianças (586). "Ensinar é minha paixão e faz muita diferença na vida dessas crianças que perderam tanto; muitas só tinham pedras pra brincar quando chegaram aqui", disse ela.

Outras crianças venezuelanas estão matriculadas em escolas públicas de Boa Vista. "A falta de transporte gratuito dos abrigos para as escolas também alimenta a evasão escolar porque muitos pais não podem pagar o bilhete do ônibus", explicou Deborah Grajzer, doutoranda em Educação da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) que visitou recentemente Roraima em pesquisa.

Na escola municipal Alcides da Conceição Lima em Pacaraima - primeira cidade nas cercanias da fronteira com a Venezuela - o número de alunos saltou de 385 no ano passado para 610 este ano. "Mais de 200 crianças venezuelanas e brasileiras estão esperando vaga, mas falta espaço", disse Gleicivania de Souza, coordenadora pedagógica da escola.

Em toda a cidade, estima-se que 700 crianças não tenham onde estudar.

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