O tamanho da encrenca na busca do reequilíbrio das contas públicas
O anúncio do pacote de medidas para conter os gastos públicos produziu efeitos indesejados para o governo e para a economia. Em parte, o mercado nega-se a reconhecer a importância das ações que vão segurar o crescimento do salário-mínimo, as concessões do abono salarial e do benefício de prestação continuada e promover uma série de ajustes recomendados por boa parte dos especialistas.
A confusão se deu pela mistura dessas ações com um anúncio intempestivo a respeito do aumento da faixa de isenção do imposto de renda das pessoas físicas. Desde logo, sou a favor da reforma da tributação da renda. Já escrevi que os ricos pagam pouco imposto no Brasil. Mas é um tiro no pé conduzir o tema dessa maneira atrapalhada.
Agora, qual o tamanho do desafio fiscal?
Quando tomamos as projeções de receitas e despesas para o ano que vem, conforme nossos cenários na Warren Investimentos, o ano que vem ainda se apresenta em aberto para as contas públicas. A meta fixada pelo governo para o chamado resultado primário, calculado pela diferença entre as receitas e as despesas, sem contar os juros da dívida, é um longínquo zero.
Nossas projeções indicam um déficit de R$ 111,5 bilhões para 2025. Se o pacote for aprovado pelo Congresso, entendemos que o rombo estimado ficaria menor, em algo como R$ 88 bilhões. Ainda assim, seria preciso promover contingenciamentos orçamentários de despesas não obrigatórias para que o piso inferior da meta zero, um déficit de R$ 31 bilhões, pudesse ser observado.
Partindo-se dos R$ 88 bilhões, atingir os R$ 31 bilhões demandaria corte de R$ 57 bilhões. Contudo, cerca de R$ 44 bilhões em precatórios não precisam ser contabilizados para a checagem da meta fiscal, em razão de decisão recente do Supremo Tribunal Federal. Isto é, ainda faltariam cerca de R$ 13 bilhões em contingenciamentos para que o governo terminasse o ano de 2025 sem ferir a lei.
Ocorre que a encrenca é bem maior.
Se esses ajustes mínimos fossem realizados, o déficit real do ano que não seria zero, mas R$ 75 bilhões (isto é, 31 de banda inferior mais os 44 de precatórios). Representaria, vale dizer, um déficit pior do que o esperado para 2024, hoje estimado em pouco mais de R$ 54 bilhões pela Warren.
A dívida pública está crescendo e não vai estacionar com juros nominais e reais elevados e crescentes. O Banco Central, na presença de um quadro fiscal desajustado, seguirá aumentando a Selic, para amainar as pressões inflacionárias. Quando eleva os juros, vale dizer, promove mais gastos públicos, à razão de R$ 50 bilhões para cada ponto de percentagem a mais na taxa básica de juros.
O reequilíbrio das contas públicas passa pela recuperação da capacidade de geração de superávits primários. Cumprir metas já é difícil, mesmo com todo o rebolado permitido pelas normas vigentes, como vocês puderam constatar nas contas acima. Mas que dizer do alcance do verdadeiro objetivo para normalizar o quadro fiscal, a geração de superávits?
Esse diagnóstico precisa estar claro para o Congresso e todos os setores do Poder Executivo. Não adianta apenas a Fazenda dar murro em ponta de faca, preparar medidas corretas, como as do pacote fiscal, enquanto atores relevantes do próprio governo seguirem jogando contra.
A proposta de tributação dos super-ricos combinada com a mudança da faixa de isenção do imposto de renda só pode prosperar se o princípio da neutralidade estiver garantido. Onde estão as contas? As memórias de cálculos? As notas técnicas? Não há nada para dar segurança aos analistas, à opinião pública e ao próprio governo.
Da mesma forma, como fica evidente pelas estimativas apresentadas neste artigo, a Fazenda terá de trabalhar por mais ações de ajuste fiscal, sob pena de amargar um terceiro ano de déficit robusto, na contramão dos esforços necessários para a dívida pública como proporção do PIB estacionar em algum horizonte não muito distante.
Como se não bastassem essas dificuldades, o Congresso já dá sinais de que poderá desidratar o pacote, composto de dois projetos de lei (sendo um complementar) e uma PEC. Não gostam da mudança no BPC, querem mexer neste ou naquele tópico, como se o mar estivesse para peixe.
Rodrigo Pacheco e Arthur Lira já disseram que o pacote fiscal é prioritário, em meio a tantas pendências na agenda legislativa. Os parlamentares vão seguir essa diretriz?
Brinca-se com fogo com essa taxa de câmbio pressionada, em mais de seis reais por dólar, e juros futuros precificados pelo mercado, igualmente, lá na lua. O efeito disso sobre a inflação e a dívida pública cobrará seu preço.
As cascas de banana estão muito claramente identificadas pelo caminho daqui até o final do mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Torçamos para que o governo não as procure para, calculadamente, escorregar, no lugar de fazer o que precisa ser feito e colher os frutos de uma gestão fiscal responsável.
A economia está ainda apresentando um desempenho extraordinariamente bom. O crescimento econômico será superior a 3%, neste ano, e poderá ficar ao redor de 2%, no ano que vem. O desemprego segue pouco acima de 6%, taxa historicamente baixa. Mas a inflação, por sua vez, começa a despontar.
Depois, quando o Banco Central começar a acelerar a alta da Selic, não vai adiantar choramingar, publicar notas e resoluções partidárias culpando o mercado financeiro ou mesmo os dirigentes da autoridade monetária. Afinal, eles já serão outros, em boa medida. O bode expiatório escolhido pelo petismo para despejar sua própria incompetência não estará mais na cadeira.