Ele tem peito escavado: 'Médico queria serrar costelas e refazer o tórax'
Quando era garoto, André de Moura, 33, de Poá (SP), começou a perceber que havia algo estranho com seu corpo, mais precisamente com seu tórax.
Ele, que frequentava clube e fazia atividades físicas com outras crianças, notou que os colegas não tinham um afundamento no peito como ele.
"Nasci com uma deformidade na parede torácica, uma depressão no centro do tórax chamada de 'peito escavado'. Só fui saber o que era depois, porque, quando criança, não chamava muito a atenção e meus pais não viam como algo incomum", diz André.
"Eles achavam apenas que eu era magro, tanto que nenhum pediatra com quem consultei mencionou nada a respeito."
As coisas começaram a piorar à medida que fui crescendo. Com uns 10 anos, indo para a piscina sem camiseta, as outras pessoas começaram a me olhar e a apontar, dizendo 'que estranho', 'que diferente', 'ele tem um buraco no peito'. Aquela situação, que se tornou frequente, me deixou tão mal que eu comecei a andar com o braço sobrepondo o tórax.
André de Moura
'Médico falou em serrar costelas'
Depois que começou a se comportar dessa forma, para não ser alvo de apontamentos e bullying, uma prima de André notou que havia algo de errado com ele e avisou sua tia.
Maria Aparecida, a mãe de André, questionou o filho a respeito e ele revelou o motivo. A partir daí, decidiram consultar um médico.
"Sintoma físico relacionado a essa condição nunca tive. O especialista que encontramos, um cirurgião torácico, nos informou que minha deformidade era de grau 2, sendo que vai do 1 ao 3", explica ele.
"É bastante visível e afetava minha autoimagem, meu psicológico, e minha mãe, nessa época, estava muito aflita."
O médico na época disse que poderia fazer uma cirurgia reparadora, que, segundo André, era diferente da que é realizada atualmente.
"O médico disse que poderia ser necessário serrar minhas costelas, para refazer meu tórax", lembra André.
Estava tudo certo para a cirurgia, mas, no dia em que pegaram a carta de internação para apresentar no hospital —a operação seria no dia seguinte—, o médico quis mostrar um livro com fotos dos pacientes que operou.
"Aquilo nos chocou, porque todos tiveram sequelas e era muito desconfortável de ver", diz ele.
Ficamos com muito medo, saímos chorando dali e disse para minha mãe que não queria mais e desisti de operar. À noite, quando ela telefonou para o médico para o comunicar da decisão, ele respondeu: 'Ué, achavam que ficaria perfeito? Sai o buraco, mas entra a cicatriz, que pode até necessitar de novos reparos'.
André de Moura
Ele conta que, antes, havia passado por várias consultas, mas o médico nunca havia comentado nada do tipo.
"Eu estava com 11 anos e ele dizia que até os 12 anos seria fácil de operar, mas que depois complicaria. Informou apenas que era algo simples de se fazer e que, embora o pós-operatório exigisse repouso, sem sair da cama, ir para escola ou brincar, num instante eu voltaria a jogar bola."
'Estou saudável'
Como o peito escavado fez André andar muito encurvado para esconder o tórax, posteriormente ele precisou de RPG (Reeducação Postural Global) para melhorar a postura.
Também fez natação, musculação e outros esportes para ajudar no seu desenvolvimento físico, o que contribuiu ainda para superar seus traumas e para escolher uma carreira.
Hoje, André é profissional de educação física e encoraja muitos alunos com problemas de autoestima relacionados ao corpo.
Pouco tempo atrás, tive contato com um outro cirurgião torácico, que me avaliou e disse que, se até hoje isso não me trouxe nenhum tipo de acometimento, era para eu ficar tranquilo, por estar saudável. Mas confesso que sempre tive curiosidade em saber como seria se eu não tivesse nascido com o peito assim.
André de Moura
O que é a condição do peito escavado?
O meio do peito parece afundado porque as cartilagens que ligam as costelas ao osso central do tórax (o esterno) crescem de forma anormal, empurrando o esterno para dentro, explica Claudio Ortiz, ortopedista e professor de medicina da Unifran (Universidade de Franca).
A origem não é bem definida, mas pode estar associada a alterações genéticas. Trata-se de uma condição mais estética e com poucas repercussões clínicas, que, quando existem, são motivo de controvérsia entre os especialistas. Em geral, nos casos graves pode se ter redução da capacidade pulmonar e alterações cardíacas.
Claudio Ortiz, ortopedista
A maioria dos casos não requer cirurgia, a menos que haja problemas cardiorrespiratórios, e existem alternativas, diz David Paes de Lima, cirurgião torácico e professor de medicina do Unipê (Centro Universitário de João Pessoa).
Para pacientes com menor idade, um dispositivo de vácuo pode ser usado para puxar o tórax para frente. Além disso, atividades físicas como natação são recomendadas para estimular a formação da caixa torácica e melhorar as funções pulmonares e cardiovasculares.
David Paes de Lima, cirurgião
Em pouquíssimos casos em que o problema pode ser corrigido com cirurgia (cerca de 4%), uma alternativa é fazer o procedimento por vídeo, minimamente invasivo envolvendo pequenas incisões nas laterais do peito, diz Marcel Sandrini, cirurgião torácico do Hospital Edmundo Vasconcelos (SP).
Uma barra metálica em formato similar ao de U é passada por trás do osso do peito (esterno) e, ao ser girada, empurra esse osso para frente, corrigindo o afundamento. A barra é fixada nas costelas com estabilizadores e permanece no corpo por alguns anos, sendo removida em uma segunda cirurgia.
Marcel Sandrini, cirurgião torácico
O pós-operatório e a recuperação exigem alguns cuidados. Durante os primeiros três meses, é importante evitar esforços físicos intensos, para que a barra fixada com parafusos e estabilizadores não se mova. Embora raro, isso pode acontecer. Inicialmente, pode haver dor controlada por medicação forte.
Já a cirurgia tradicional, comum no passado, era a técnica de Ravitch, que envolvia cortar cartilagens e até costelas que se conectam ao osso esterno. O osso esterno também era cortado, removido e reposicionado para uma posição mais reta e fixado com barras de titânio. Essa técnica ainda é usada em alguns casos específicos, em adultos, diz Sandrini, para melhorar a forma do peito e a função respiratória.
Apesar dos avanços e da grande melhora dos resultados cirúrgicos, o índice de complicações (de uma cirurgia de peito escavado) ainda é grande. Por isso, a indicação por questões estéticas tem sido refutada por experientes profissionais. Na maioria dos casos, o paciente convive bem com a deformidade e pode ter uma vida absolutamente normal.
Claudio Ortiz, ortopedista