Não fosse Tabata Amaral (PSB), o eleitor e a eleitora desavisados teriam dificuldades para sacar qual era o cargo em disputa no debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo promovido pelo UOL e a Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (30).
Os oponentes se atacaram em todas as frentes. Trouxeram ao centro da conversa questões relacionadas a drogas, aborto e até a fé. Nada que, até onde se saiba, cabe ao futuro prefeito ou prefeita administrar.
Menos exaltado — mas igualmente dissimulado, como já tinha feito nos últimos três debates —, Pablo Marçal (PRTB) lançou diversas cascas de banana sonhando em transformar os oponentes em versões contemporâneas de Fernando Henrique Cardoso.
Em 1985, o futuro presidente perdeu as eleições para a Prefeitura de São Paulo, entre outras razões, por assumir que era ateu e já tinha "visto" um cigarro de maconha. Uma vez. Em Nova York. Não fumou nem tragou, jura ele até hoje.
E mesmo assim foi derrotado por Jânio Quadros, o moralista da ocasião que convenceu os eleitores de que o rival distribuiria a droga até na merenda.
Na tentativa de reviver a história, Marçal quis saber de Guilherme Boulos (PSOL) se ele já tinha usado drogas na vida. Boulos disse que experimentou maconha uma vez e não gostou. Marçal sorriu satisfeito.
Em seguida, o ex-coach entrou em uma espécie de "slam de salmo" com Ricardo Nunes (MDB), com quem disputa voto a voto a preferência dos eleitores mais religiosos e o posto de sommelier de fé alheia.
Primeiro foi o prefeito quem sacou a palavra bíblica do coldre. Era o salmo 133. ("Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união / É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Arão, e que desce à orla das suas vestes")
Segundo ele, era uma mensagem "importante" para quem só estava ali para tumultuar.
Marçal não deixou barato e respondeu com outro salmo, o 69. "O zelo pela sua casa me consumiu."
E avisou: "o verdadeiro cristão vai para o confronto". E foi.
Pouco antes, Tabata Amaral havia criticado os rivais por entrarem em uma "competição para falar da nossa relação de Deus para ganhar voto". "É a última coisa que um cristão faria", disse.
Marçal então usou outra passagem bíblica, citando os vendilhões do templo, para dizer que Tabata só não falava de religião porque não entendia nada de cristianismo.
Ele testou a paciência da candidata questionando se ela colocaria o princípio cristão em campo e o perdoaria por um ataque baixo relacionado ao pai dela no começo da campanha. "Um cristão sempre perdoa", provocou.
Tabata respondeu. No ponto mais alto do debate, disse que não precisava esbravejar para demonstrar a própria fé. "A relação que tenho com Deus é com Deus. É com minha comunidade. É com minha igreja. Eu aprendi desde muito pequenininha que o bom cristão demonstra seus valores por seus atos e não por palavras bonitas. Quanta gente aqui não foi condenada e investigada? Onde é que está na Bíblia que cristão rouba, que cristão dá golpe, que cristão prejudica, tira dinheiro de coisa miúda e de coisa grande."
Marçal só não corou porque já entrou em campo lubrificado com óleo de peroba.
Mas Tabata seguiu. "Se você quer saber quem de fato carrega valores cristãos, independentemente da religião que professa e pratica, olha para os valores. Porque desonesto pra mim não é cristão. E quem fala demais e mente e não traz ações concretas para retribuir também não é cristão. A coisa mais bonita que tenho pra trazer da minha história é o tanto de projeto que aprovei."
Feita a ressalva, ela seguiu insistindo em trazer à baila o que ninguém queria falar. Por exemplo, propostas e questionamentos sobre temas reais da metrópole, como acolhimento a moradores de rua, saúde mental, educação, transportes, etc.
Desconfortável, Marçal ainda tentou lançar outra armadilha convidando Tabata a ser sua secretária da Educação caso ele fosse eleito. Segundo o ex-coach, ela tinha as melhores propostas e era a concorrente mais brilhante.
Tudo para, minutos depois, dizer que faltava sabedoria a ela — e sugerir que mulheres inteligentes não votariam na deputada.
Ela acusou o machismo do rival e disse ser uma ironia que fosse dela o papel de adulta em uma sala com marmanjos.
Marçal fez o que sempre faz: mudou de assunto e procurou outro rival para atentar.
Na reta final, forçou Nunes a usar seu banco de tempo para responder sobre por que a mulher do prefeito registrou um boletim de ocorrência contra ele por suposta violência doméstica. Repetiu a pergunta inúmeras vezes. Até Nunes ficar sem tempo de resposta. E se gabou por ser o candidato a gestor da cidade que melhor sabia gerir o próprio tempo.
O clima esquentou, mas dessa vez não voou cadeira nem sopapo.
No fim, Tabata ainda aproveitou para provocar: "Está cansada desses caras? Eu também tô".
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