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Desvio do SUS tem ex-prefeito, roubo de R$ 100 mil e varal de roupa, diz PF

Julia Affonso
do UOL

Do UOL, em Brasília

02/05/2024 14h23

A operação da PF deflagrada para desarticular um esquema de desvios no SUS do Pará nesta semana trouxe detalhes sobre como a organização criminosa atuava no estado. A decisão judicial que embasou a ação, obtida pelo UOL, mostra que os investigadores se depararam com um escritório de fachada com varal de roupas, descobriram que um dos suspeitos foi alvo de roubo de R$ 100 mil em uma "saidinha de banco" - mas preferiu não denunciar -, além de apontarem a participação de um ex-senador da República.

Laranjas e roupa estendida

Como o esquema funcionava. A Polícia Federal apura um esquema de falsidade ideológica, crimes licitatórios e lavagem de capitais, envolvendo uma rede de empresas de fachada e laranjas. A Terraplena, empresa que atua com limpeza urbana, construção de estradas e redes de água e esgoto, teria repassado valores a empresas de fachada ligadas direta ou indiretamente ao ex-senador e ex-prefeito de Belém, Duciomar Costa, segundo a investigação. Os repasses e saques investigados ocorreram entre 2018 e 2022.

Mulheres laranjas. Quatro mulheres estariam por trás de empresas de fachada para lavar dinheiro do esquema. Uma delas atuava como contadora do grupo e já havia sido investigada pela PF em outra ação. Os investigadores foram aos escritórios onde seriam as supostas sedes das empresas e constataram que, na verdade, eram as suas residências.

Escritórios de fachada. Sobre um dos imóveis, os investigadores afirmam que o local era "incondizente com funcionamento de pessoa jurídica, lá se encontrando até mesmo roupas estendidas em varal, a demonstrar a inexistência de funcionamento de empreendimento no recinto". Outro, foi classificado como "despretensioso domicílio".

Lavagem de dinheiro. "As modestas casas das supostas administradoras", dizem os investigadores, "não as impediram de receber vultuosa movimentação milionária". Sobre essas empresas, os investigadores dizem:

Sua criação jurídica teve objetivo apenas de lavagem de capitais e futura distribuição de valores para destinatários certos.
trecho da decisão judicial que embasou a operação da PF

Movimentação milionária. Uma das empresas movimentou mais de R$ 132 mil no dia imediatamente posterior à sua abertura com cheque depositado pela Terraplena; outra movimentou R$ 200 mil "na sua primeira semana de existência no mundo jurídico". Uma terceira recebeu, sozinha, cerca de R$ 27 milhões da Terraplena para fornecimento de seixo, mesmo sem seus responsáveis terem "capacidade econômico-financeira para movimentar esses recursos".

Alianças políticas. Na decisão, o juiz da 4ª Vara Federal do Pará, Carlos Gustavo Chada Chaves, anota que "é desafiar a lógica" pressupor que "não tenha a alta administração da Terraplena conhecimento e participação" no esquema.

O caso aqui parece não ser saber se existe ou não participação dos sócios na prática dos crimes investigados, mas sim o nível a que chegou a corrupção no meio políticos e de servidores públicos, a quantidade e o nome de pessoas envolvidas e, por fim, as quantias desviadas do contribuinte e o montante do 'capital lavado'.
Carlos Gustavo Chada Chaves, juiz federal do Pará

Bens bloqueados. O juiz autorizou o sequestro de veículos e embarcações dos investigados. No rol de bens, estão caminhões e automóveis como Mercedes-Benz, Volvo e até Kombis.

Ex-senador que já foi prefeito da capital

Conexões políticas. Em diversas passagens do relatório enviado ao juiz, a PF afirma que o esquema não se daria sem a participação de políticos locais. O principal alvo desse braço do grupo é o ex-senador e ex-prefeito de Belém, Duciomar Costa. A PF mostra as conexões entre as mulheres apontadas como laranjas e pessoas ligadas a Duciomar, incluindo assessores que trabalharam em seu gabinete em Brasília.

Material de campanha e foto de família. Os investigadores mostram que as laranjas trabalharam como assessoras de Duciomar: uma tinha cartazes de de campanha política em favor de candidato apoiado por Duciomar; outra, tirou fotos de seu pai com ele.

Pai, irmão e sobrinho. O pai da assessora abriu uma empresa com outro ex-assessor de Duciomar, cuja companhia participou de ao menos três licitações vencidas pela Terraplena. O irmão dela é apontado como testa-de-ferro de outra prestadora de serviços, que pertence ao sobrinho de Duciomar.

Empresas prestavam serviços para Terraplena. As empresas de fachada emitiam notas fiscais para a Terraplena, "reforçando a interconexão entre as pessoas físicas e jurídicas mencionadas até o momento", dizem os investigadores, que veem indícios de que o grupo montou um esquema de lavagem de dinheiro.

Quem é Duciomar? Duciomar foi senador entre 2003 e 2004 e deixou o cargo para assumir a prefeitura de Belém, em janeiro de 2005. Foi reeleito em 2008 e permaneceu à frente da prefeitura até dezembro de 2012. Antes, foi deputado estadual e vereador, passando por cinco partidos diferentes (PDS, PP, PSD, PTB e PRD, sua legenda atual).

Preso em 2017. Duciomar chegou a ficar preso por cinco dias em 2017, suspeito de comandar uma organização criminosa que teria causado danos de R$ 400 milhões à administração municipal enquanto estava à frente da prefeitura de Belém. Em um dos processos derivados desta investigação, o ex-prefeito foi condenado em 2023 a restituir R$ 7 milhões aos cofres públicos.

Saidinha de banco

Casa humilde. Administrador de uma das empresas com movimentações milionárias, o irmão da assessora mora em uma "residência simples, apesar de sacar rotineiramente quantias elevadas de dinheiro", segundo a investigação.

Assalto milionário. Ele deixou de comunicar às autoridades o roubo de R$ 100 mil ao sair de um banco, "tudo levando a crer que os assaltantes sabiam do saque de altos valores", afirmam os investigadores. Eles destacam que este comportamento "foge às máximas de experiência comum" e que a única explicação lógica seria o desejo de não chamar a atenção para a origem do valor ou para a lavagem do dinheiro.

O que a PF e a CGU investigam

Recursos Federais. A CGU identificou que licitações e contratos ligados à Terraplena foram financiados com recursos federais. O órgão suspeita de potencial restrição da competitividade e de habilitação irregular da empresa em certames dos quais a empresa participou. O dinheiro desviado deveria ter sido aplicado em saúde, saneamento e limpeza urbana.

Desvios e lavagem de dinheiro. Os investigadores afirmam que a Terraplena movimentou R$ 1,7 bilhão de forma atípica entre 2017 a 2022 e, por isso, suspeitam de lavagem de dinheiro. A empresa teria desviado ao menos R$ 220 milhões dos cofres públicos.

Mega-ação. A operação desta semana reuniu mais de 150 policiais federais, servidores da CGU e da Receita para cumprirem 46 mandados de busca e apreensão em 33 endereços de 42 alvos. A PF esteve nas cidades de Belém, Benevides, Parauapebas, Ananindeua, Santa Maria do Pará e São Miguel do Guamá, todas no Pará, e em Barueri (SP).

Outro lado

A Terraplena informou ao UOL que só vai se manifestar após ter acesso aos autos do processo.

A defesa do ex-prefeito Duciomar Costa também informou que não vai comentar, pois não teve acesso à integralidade dos autos.

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