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Greve contra reforma da Previdência: França se prepara para viver "a mãe das batalhas"

18/01/2023 17h14

A França se prepara para um dia de greve nesta quinta-feira (19). A mobilização deve atingir diversos setores da economia, em protesto contra o projeto do governo de Emmanuel Macron de reforma da Previdência que prevê, entre outras medidas, o aumento da idade mínima para aposentadoria.

Passeatas, escolas fechadas e diminuição da oferta de transportes: a França se prepara para um dia agitado. Unidos pela primeira vez em doze anos, praticamente todos os sindicatos planejam comícios em mais de 200 cidades e esperam uma mobilização "massiva" superior a "um milhão" de manifestantes.

Uma petição lançada na semana passada pelos oito principais sindicatos franceses contra uma reforma previdenciária considerada "injusta e brutal" ultrapassou a marca de 500 mil assinaturas, nesta quarta-feira (18).

Às vésperas de um primeiro dia de greve e manifestações contra a extensão da idade mínima para aposentadoria de 62 para 64 anos, o texto publicado no site change.org e veiculado pelas forças sindicais CFDT, CGT, FO, CFE-CGC, CFTC, Unsa, FSU e Solidaires totalizaram quase 515.000 assinaturas, no início desta tarde. Seus membros contestam o plano da reforma, que vinha sendo prometido pelo presidente Emmanuel Macron desde a campanha para seu primeiro mandato.

"Se Emmanuel Macron quer fazer desta a mãe das reformas (...), para nós, será a mãe das batalhas", resume Frédéric Souillot, chefe do sindicato Força Operária.

Os sindicatos denunciam um projeto que "vai atingir duramente todos os trabalhadores, e em particular, os mais precários". A petição denuncia um projeto de governo que "não tem necessidade econômica", mas é "a escolha da injustiça e do retrocesso social".

Outra petição, lançada por estudantes e escolas de ensino médio, afirmando que "para os jovens [a resposta] também é NÃO", totalizou cerca de 35.000 assinaturas no mesmo site change.org.

"Esperamos uma manifestação grande. É preciso que atinjamos centenas de milhares de trabalhadores em greve", afirma Fabrice Angeï, secretário da Confederação Geral do Trabalho (CGT).  Em entrevista à RFI, ele lembra que "o número de grevistas no setor da educação pode chegar a 70%" e que a mobilização não acontece só no setor público. "Na Airbus, 70% do pessoal se declara grevista. O movimento deve abranger pequenas e médias empresas, do setor público e do privado", completa.

Angeï destaca que essa será uma primeira mobilização, mas há outras datas previstas para novos protestos. "Convidamos os trabalhadores a decidirem a sua forma de participação e os convocamos a manter a mobilização. Cada um participa como pode", diz. "Estamos num processo de luta que vai se desenrolar em vários ramos. Há chamados de greve em vários setores, como na construção civil, que pode paralisar os preparativos para os Jogos Olímpicos de Paris 2024", alerta.

Quando ao pedido do governo para que a greve não paralise o país, o sindicalista responde com uma pergunta: "É democrático que o governo imponha uma reforma que ninguém quer? A responsabilidade agora está no lado do governo", conclui Fabrice Angeï.

"Sei bem que a mudança do nosso sistema de aposentadorias suscita receios e dúvidas entre os franceses. Queremos responder e convencer a todos", afirmou a primeira-ministra Elisabeth Borne no dia 10 de janeiro, ao apresentar o projeto da reforma que ela defendeu como símbolo da "ambição de justiça e progresso" de seu governo. 

Esse teste político para o Executivo ocorre em um contexto econômico e social tenso. Os franceses sofrem os efeitos da inflação, de 5,2% em média em 2022. O país foi abalado durante o primeiro mandato de Emmanuel Macron pelas manifestações dos "coletes amarelos" contra a alta dos preços e ainda se recupera do impacto da pandemia de Covid-19. 

"Não ao bloqueio do país"

O governo espera que a mobilização sindical e política, marcada para esta quinta-feira contra a reforma da Previdência, não se transforme em um "bloqueio" do país ou que haja "quebradeira". "É um movimento que corresponde a uma expressão democrática, que respeitamos, claro. Mas esperamos que esta expressão popular não se transforme num bloqueio", declarou Olivier Véran, porta-voz do governo, nesta quarta-feira. "Bloquear o país e bloquear o cotidiano dos franceses, não", reiterou.

O representante do governo considerou "inaceitáveis" as ameaças da CGT de cortar a eletricidade dos políticos que apoiam a reforma: "Qualquer coisa que venha sob pressão, ameaças, insultos e o impedimento do funcionamento de um mandato parlamentar são inaceitáveis ??na democracia", declarou.

Os funcionários das gigantes de energia EDF e Engie ameaçaram com cortes de energia contra os gabinetes dos deputados que apoiariam essa reforma.

"Não importa o que vai acontecer nesta quinta-feira. Respeitamos essa mobilização social", que "não nos surpreende" porque as reformas da Previdência são "sempre reformas difíceis", completou Véran. Mas "não devemos confundir manifestação e direito de greve com bloqueio. O que não queremos é que os franceses que não pediram isso a ninguém se vejam impossibilitados de ir trabalhar, de levar os filhos à escola, de se movimentar", declarou.

"Será uma quinta-feira difícil. (...) Será uma quinta-feira de grandes perturbações nos transportes", admitiu o ministro dos Transportes, Clément Beaune, apelando aos franceses que adiem as suas viagens ou que trabalhem de casa, quando possível.

Devido à mobilização dos controladores de tráfego aéreo, a aviação civil pediu às companhias aéreas, já na terça-feira (17), que cancelassem preventivamente nesta quinta-feira um em cada cinco voos no aeroporto de Orly, de onde sai a maioria das rotas domésticas. 

As duas maiores empresas de transporte público, SNCF (ferrovias) e RATP (transporte em Paris e região) previram grandes interrupções nesta quinta-feira. Na capital, três linhas de metrô serão totalmente fechadas. Outras dez serão "operadas parcialmente" ou funcionarão apenas nos horários de pico, anunciou a RATP. O movimento dos trens será "seriamente afetado" na quinta-feira, anunciou a SNCF Voyageurs. A empresa planeja manter 1 em cada 3 TGVs (trem de alta velocidade) no eixo Norte, 1 em cada 4 no Leste, 1 em cada 5 no Atlântico, e 1 em cada 3 no Sudeste.

Segurança reforçada

Quatro anos depois da crise dos "coletes amarelos", muitos franceses temem que a mobilização acabe em violência. O ministro do Interior, Gérald Darmanin, falou à rádio RTL sobre a chegada a Paris, na quinta-feira, de "alguns milhares de pessoas que podem ser violentas". Ele citou a "ultraesquerda" ou "ultra-amarelos" [radicalizados do movimento dos "coletes amarelos"]. Darmanin indicou, ainda, que "será dada instrução às forças policiais para fiscalizar e proteger os gabinetes dos parlamentares" e que "qualquer ataque aos políticos para os pressionar ou para fazer chantagem é inaceitável".

Questionado no canal France 2 sobre esse tipo de ação que inclui cortes de energia, o secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, sugeriu aos eletricistas que lutam contra a reforma cortar a eletricidade das "belas propriedades" dos "bilionários", a quem "nenhum esforço" é necessário. "Voltamos ao que os mais velhos já sabiam, ou seja, depois do trabalho é o cemitério", denuncia o chefe do sindicato CGT. De acordo com o Instituto Francês de Estatística, um quarto dos homens mais pobres do país já morreu aos 62 anos.

Divisão na Assembleia Nacional

Entre os políticos franceses, a incerteza é grande sobre o alcance e a amplitude da mobilização, assim como o medo da violência. A maioria dos deputados se prepara para o confronto nas discussões sobre a reforma previdenciária.

Do lado governista,  a deputada Aurore Bergé garantiu nesta quarta-feira que esta reforma das aposentadorias "é necessária e por isso esta reforma vai ser feita". Segundo ela, "não há um deputado centrista que não tenha feito sua própria campanha legislativa sobre esse assunto".

"Vamos nos unir", reagiu nesta quarta-feira o ministro da Economia, Bruno Le Maire, que quer uma maioria coesa e "muito entusiasmada" no apoio ao governo. Porém, nem todos se sentem à vontade com o adiamento da idade legal da aposentadoria para 64 anos.

Ex-ministra da Transição Ecológica, a macronista Barbara Pompili, explicou na segunda-feira que "não poderia votar a favor" da reforma "nesta fase", porque envolve muitas "injustiças sociais".

A França passou por uma série de grandes reformas de seus sistemas previdenciários nos últimos 30 anos, quase todas acompanhadas por grandes movimentos sociais, para responder à deterioração financeira de seus fundos e ao envelhecimento da população.

Para cada francês com 65 anos ou mais, existem atualmente 2,6 com idade entre 20 e 64 anos, teoricamente na vida ativa e contribuindo para o sistema da Previdência. Mas estes serão apenas 2,25 em 2030 e menos de 2 em 2040, o que põe em risco o chamado modelo de aposentadoria por repartição, em que as contribuições dos ativos pagam as pensões dos aposentados.

(Com informações da RFI e da AFP)

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