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Entrei de gaiato com Bernardinho e acabei candidato, diz derrotado no RJ

Marcelo Trindade foi candidato do Novo ao governo do Rio de Janeiro - Divulgação
Marcelo Trindade foi candidato do Novo ao governo do Rio de Janeiro Imagem: Divulgação
do UOL

Guilherme Castellar

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

01/11/2020 04h00

Quando foi candidato ao governo do Rio de Janeiro, em 2018, pelo Partido Novo, o advogado Marcelo Trindade teve apenas 1,14% dos votos válidos. O discurso liberal e centrista foi atropelado pela polarização que marcou a campanha. Ele conta essa "aventura", como define, no livro "O Caminho do Centro" (Intrínseca, 2020), que acaba de lançar.

Presidente da Comissão de Valores Mobiliários durante o primeiro mandato de Lula (PT), o ex-candidato diz que, ao se posicionar ao centro, acabou atacado pela esquerda e pela direita.

"Depois de ser político por pelo menos uma eleição, nunca mais", disse ao UOL. "O processo eleitoral é muito rico, mas eu continuo achando, como já achava, que o melhor é ter um candidato com uma viabilidade eleitoral mais forte na partida, que seja conhecido."

Ele e outros candidatos foram derrotados pela surpreendente vitória do também novato Wilson Witzel (PSC), que arrancou no vácuo da campanha presidencial de Jair Bolsonaro (sem partido).

UOL - No livro, você diz que sair como candidato ao governo do Rio de Janeiro, em 2018, foi uma aventura. Como embarcou nessa?
Marcelo Trindade, advogado - Entrei de gaiato no navio para acompanhar o Bernardinho (ex-técnico das seleções de vôlei) se ele fosse candidato. Quando ele desistiu, virei o plano B. Eu estava longe de estar preparado para essa aventura, foi algo muito improvisado, amador mesmo. A ideia era ter uma candidatura que representasse uma visão de renovação na política. Isso revelou-se uma avaliação correta, já que vários Estados elegeram governadores com esse perfil, a começar aqui pelo Rio. No meu caso, porém, o espectro ideológico, de centro, revelou-se não ser o ponto mais importante naquele momento. Na prática, tivemos uma eleição polarizada, onde prevaleceu quem tinha um discurso muito de direita e alinhado ao do Bolsonaro.

UOL - Vocês imaginavam uma eleição tão polarizada?
Marcelo Trindade - Uma série de circunstâncias, como o uso das fake news e da máquina da internet, tornaram a eleição mais polarizada durante o seu curso do que ela já se anunciava. E essa polarização se agravou muito com o episódio da facada.

UOL - A visão liberal ganhou força no Brasil, mas ainda é algo novo para boa parte dos eleitores. Onde se encaixa a sua visão de liberal e de centro?
Marcelo Trindade - São coisas diferentes. O centro e o liberalismo combinam bem, mas não são necessariamente a mesma coisa. No livro não trato desta conceituação. O centro que eu falo na obra é o caminho da moderação onde optei por me manter toda a vez que vinha a tentação de radicalizar numa eleição polarizada. Ela simboliza um caminho de resistência, mesmo que ao custo das chances eleitorais.

UOL - O que é ser centro num mundo polarizado?
Marcelo Trindade - O centro seria a reunião em torno de um projeto político de um grupo de pessoas que tem muito mais em comum entre si do que divergências. Que compartilham os princípios da democracia, o respeito à constituição e às liberdades individuais e também o desejo pela superação das desigualdades gravíssimas do Brasil. E é aí que o liberalismo combina com o centro. Precisamos recordar que os dois governos do Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o primeiro do Lula foram de centro. Mesmo o Lula tendo um discurso de esquerda e o FHC sendo social-democrata. E ambos foram apoiados por partidos de direita. Só que, com o tempo, a visão de desenvolvimento do país, da democracia e a superação da desigualdade foi sendo abandonada e inviabilizada pelo esgarçamento político.

UOL - Qual voto um liberal jamais vai conseguir aqui no Brasil, da esquerda ou da direita?
Marcelo Trindade - Acho que nenhum dos dois, na verdade (risos). Os extremos estão sempre fora do jogo. Eles vão sempre votar com as suas visões extremadas. E o jogo está no centro. O que aconteceu na última eleição foi que o centro migrou para a extrema-direita, assim como anteriormente ele foi para a esquerda --não vou dizer extrema-esquerda porque isso o PT não é.

UOL - Você acha que o Bolsonaro percebeu que ele também precisava ir para o centro por uma questão de sobrevivência política?
Marcelo Trindade -
Ele não consegue ir para o centro porque não pode abrir mão da sua verdadeira base eleitoral, que é radical de direita. Esse é o coração dele. E o Bolsonaro não tem o discurso, a percepção e formação política e econômica suficiente para se transformar num estadista da noite para o dia. Não vai acontecer e ele não quer. Esse milagre da transformação num "Bolsonaro Paz & Amor", fazendo o paralelo com o Lula de 2002, não é possível. O Lula é um político muito mais experimentado, gosta do acordo, do ajuste. O Bolsonaro não é esse camarada. Ele adota esse tipo de postura com muito sacrifício.

UOL - Você acha que o fim da polarização depende de um fortalecimento do centro ou ela vai se extinguir naturalmente, talvez pelas pessoas estarem exauridas desse clima?
Marcelo Trindade -
Não sei como responder com certeza. Mas eu acho que a polarização não vai morrer de morte morrida. O Bolsonaro e seus representantes vão continuar querendo, pois a sua base é cultivada pela polarização e ele não teria chance de vitória sem ela. E a esquerda, por sua vez, não vai perder a oportunidade desse discurso, pois o Bolsonaro é um prato cheio para o ataque. E ela precisa garantir a sua base eleitoral também alimentando esse discurso de polarização. Os polos se distanciam e acreditam que vão se alternar no poder.

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