O que acontece no seu corpo quando você usa melatonina por conta própria

A sabedoria do corpo humano faz que, ao cair do dia, o cérebro produza melatonina, um hormônio que regula os períodos de sono e vigília, facilitando o repouso noturno. Produzida principalmente pela glândula pineal, ela é conhecida entre os médicos como melatonina endógena.
Mas existe também a melatonina desenvolvida em laboratório —a exógena— que é comercializada no Brasil como suplemento alimentar sintético desde 2021. Popular entre os viajantes que desejam reduzir os efeitos do jet lag, ela ganhou fama de antídoto contra a insônia.
No entanto, será que esse produto é realmente eficaz para o tratamento de problemas associados ao sono? E seria seguro usá-lo por tempo indeterminado, sem a orientação de um profissional da saúde?
Antes de embarcar nessa onda, entenda a ação da melatonina no seu organismo e os riscos a ela associados. Entre os 10 suplementos mais consumidos nos EUA, a melatonina figura em 4º lugar.
Os efeitos no seu corpo
Embora a melatonina seja considerada segura para a maioria das pessoas saudáveis, ela é um neuro-hormônio que possui efeitos amplos no seu corpo.
Assim, a sua administração requer alguns cuidados que podem ser mais bem avaliados por um profissional da saúde para evitar efeitos indesejados. Confira alguns dos já identificados:
- Dosagens excessivas
Seja no Brasil, seja nos EUA, os suplementos de melatonina não são submetidos às mesmas regras de qualidade dos medicamentos. Isso significa que nem sempre são encontradas concentrações de melatonina idênticas àquelas declaradas nos rótulos.
Altas doses de melatonina podem resultar em sintomas como tontura, náusea, dor de cabeça, constipação, diarreia, além de maior sonolência durante o dia, o que pode atrapalhar atividades como dirigir, por exemplo.
Para além das dosagens, um estudo publicado pelo Journal of Clinical Sleep Medicine revelou que 26% das 30 marcas analisadas na pesquisa continham ingredientes contaminantes que podem ter efeitos prejudiciais, mesmo em doses pequenas.
- Interações com outros remédios
Pessoas que fazem uso contínuo de algum tipo de medicamento devem evitar usar melatonina por conta própria porque ela pode interferir no tratamento —diminuindo ou aumentando— a ação de determinadas medicações. Veja alguns exemplos desses remédios:
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina como a fluvoxamina
Hipnóticos como o zolpidem ou benzodiazepínicos
Anticoncepcionais combinados (etonogestrel)
Alguns antibióticos (moxifloxacino)
Anti-hipertensivos (nifedipina)
Anti-histamínicos (difenidramina)
Analgésicos opioides (morfina)
Benzodiazepínicos que causam relaxamento muscular (clonazepam)
AINES (anti-inflamatórios não esteroidais, como o ibuprofeno)
Fitoterápicos que podem causar sonolência (kava, Erva de São João)
Outro alerta importante é o potencial de alterações no tempo de coagulação do sangue. Para quem faz uso de medicamentos anticoagulantes como a varfarina, pode ser necessário um ajuste de dosagem.
Caso você faça uso de anticoagulantes ou vá se submeter a uma cirurgia, antes de usar melatonina, fale com seu médico.
- Alterações no funcionamento do organismo
Alguns quadros exigem cautela extra: não se trata de uma contraindicação absoluta, mas a literatura médica já descreveu a relação entre o uso da melatonina e a intensificação de determinadas condições de saúde ou o desequilíbrio de doenças já controladas.
Na lista dessas enfermidades entram: doenças autoimunes (como a artrite reumatoide), epilepsia, diabetes, entre outras.
Nessas situações, cabe ao médico avaliar riscos e benefícios do uso da melatonina para esses pacientes.
O papel da melatonina endógena
Classificado como um neuro-hormônio, ela regula o ciclo circadiano, o seu relógio interno que promove o sono ao cair da noite, programando o seu despertar.
O funcionamento desse processo depende da exposição à luz solar durante o dia, e da menor exposição à luz durante a noite, momento no qual o corpo produz mais melatonina.
Quando a suplementação é indicada
Apesar da ser mais conhecida por combater a insônia, até o momento, os resultados dos estudos científicos hoje disponíveis não autorizam a sua indicação terapêutica nesse quadro.
Entre os adultos ela poderá ser utilizada no tratamento de outras condições, como o transtorno comportamental do sono REM, caracterizado por sono agitado, pesadelos e movimentação durante o repouso noturno.
Outra possível indicação é um conjunto de doenças associadas ao ritmo circadiano. Um exemplo delas é ter o relógio biológico dessincronizado com o dia, ou seja, a pessoa dorme tarde e acorda tarde, ou dorme cedo e acorda muito cedo, situações que caracterizam o atraso ou avanço das fases do sono, ou mesmo quando esse ritmo é irregular.
Alteração do ritmo biológico em razão de uma viagem (jet lag) também é outra indicação.
Já entre os pequenos e adolescentes, ela pode ser benéfica no transtorno do espectro autista, no qual se observam alterações no sono, além de determinados quadros psiquiátricos, a critério médico.
Não é para todo mundo
Entre grávidas e lactantes a melatonina tem contraindicação absoluta, assim como para pessoas que tenham alergia à substância.
A melatonina atravessa a atravessa a barreira placentária e o leite materno e não existem estudos que garantam a segurança do bebê.
Manipulado x de prateleira
Os suplementos que você encontra nas gôndolas do comércio possuem apresentações variadas como gotas, cápsulas, comprimidos e até sprays para inalação. Todos eles são produzidos em escala industrial e não possuem o mesmo tipo de controle dos medicamentos.
Por serem produtos de venda livre, a Anvisa estabeleceu dosagem máxima de 0,21 mg ao dia para adultos.
Já os manipulados se submetem a um processo de fabricação mais controlado, e ainda admitem a prescrição de dosagens mais efetivas ao atendimento das necessidades individuais de cada pessoa.
Conselho dos especialistas
Se você observa alterações no sono ou dificuldades para dormir a ponto de considerar tomar melatonina por contra própria, a melhor estratégia é levar essa queixa para um médico. Ele poderá avaliar o quadro e orientá-lo sobre as medidas seguras e eficazes para trazer de volta a sua qualidade de vida.
Lembre-se: até o momento não há aprovação da Anvisa para uso do suplemento de melatonina para tratar distúrbios do sono, humor, concentração, entre outros quadros de saúde.
Fontes: Alan Luiz Eckeli, professor de neurologia e medicina do sono na FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP; Marcelo Polacow, farmacêutico, mestre e doutor em farmacologia pela Unicamp e presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia em São Paulo); e Murilo Brasileiro Ramos Galvão, psiquiatra, médico do sono e coordenador do Ambulatório do Sono do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). Revisão técnica: Murilo Brasileiro Ramos Galvão.
Referências:
Ministério da Saúde/Anisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
2023 Guidelines on the Diagnosis and Treatment of Insomnia in Adults - Brazilian Sleep Association". Suplemento especial número 002/2023, vol. 16. Sleep Science. Disponível em https://lp.thieme.de/journals/sleep-science/1984-0063
Savage RA, Zafar N, Yohannan S, et al. Melatonin. [Atualizado em 2024 Fev 9]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK534823/
Erland LA, Saxena PK. Melatonin Natural Health Products and Supplements: Presence of Serotonin and Significant Variability of Melatonin Content. J Clin Sleep Med. 2017. Disponível em https://doi.org/10.5664/jcsm.6462