Sem Bolsonaro e com Gusttavo Lima, direita encara fragmentação para 2026

Com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível e uma nova disputa pelo cantor Gusttavo Lima, que anunciou recentemente a intenção de disputar a Presidência da República, o campo político da direita encara um processo de fragmentação.
O que aconteceu
Existe uma instabilidade na direita pela inelegibilidade de Bolsonaro, na avaliação de Ciro Nogueira (PP-PI). O senador defende que a definição de um nome para substituir Bolsonaro deve acontecer ainda este ano. "Isso vai acabar unificando a direita. O fator decisivo para as candidaturas é o apoio de Bolsonaro, quem ele decidir apoiar vai se distanciar muito dos outros", afirma.
Disputa pelo capital político de Bolsonaro multiplicou candidaturas de direita pelo país. Os nomes vão desde o dos governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do Paraná, Ratinho Júnior (PSD) e do Rio Grande do Sul (PSDB), Eduardo Leite, até os do ex-coach Pablo Marçal, que concorreu à Prefeitura de São Paulo, e do cantor sertanejo Gusttavo Lima.
Surgimento de mais nomes traz pluralidade, mas também riscos. "A emergência de novos nomes e lideranças é um sinal saudável da democracia, que reflete pluralidade de interesses e visões dentro do espectro político", diz Deyse Cioccari, cientista política da PUC-SP. Mas, segundo ela, essa fragmentação carrega riscos significativos se persistir até 2026.
Cenário pode favorecer adversários. Para Deyse, a ausência de coordenação entre as lideranças pode enfraquecer o campo da direita. "Sem uma visão clara e um núcleo coeso pode haver o risco de pulverização de votos e de uma mensagem política difusa, que pode beneficiar adversários mais organizados."
Demora na indicação de nome transmite incerteza para eleitores e líderes regionais, diz a cientista política. Isso, segundo ela, pode incentivá-los a buscar alternativas que representem melhor seus interesses —como ocorreu no caso de Pablo Marçal (PRTB), que disputou as eleições à Prefeitura de São Paulo sem o apoio oficial do ex-presidente Bolsonaro, mas apoiado por eleitores e políticos bolsonaristas.
Atraso faz com que Bolsonaro perca o controle sobre legado. Segundo a cientista política, a ausência de um nome abre espaço para lideranças que, mesmo inspiradas por ele, acabam seguindo rumos divergentes. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é o único que se declara como presidenciável para 2026. Ambos eram aliados políticos até março de 2020, quando Caiado rompeu com Bolsonaro após ele ter feito um pronunciamento criticando medidas tomadas por governadores para contenção do coronavírus.
Direita pulverizada
Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem negado que vá se lançar à presidência e dito que vai disputar a reeleição. Nos bastidores, o nome dele é o mais bem avaliado para substituir o ex-presidente. Na avaliação de Nogueira, Tarcísio é o nome mais forte, mas só tem viabilidade com o apoio de Bolsonaro."
Tarcísio desponta como uma figura coerente no campo da centro-direita moderada, diz Deyse, da PUC-SP. "Ele dialoga tanto com setores conservadores quanto com grupos mais pragmáticos do eleitorado", afirma. Para o senador Ciro Nogueira (PP), o governador de São Paulo teria menor rejeição se comparado a políticos mais polarizados. "Diferentemente de figuras com alto capital carismático, ele tem uma imagem técnica e conciliadora."
Bolsonaro dá indicativos de que irá pedir o registro de uma candidatura como cabeça de chapa, mesmo sendo inelegível. Com a recusa da Justiça Eleitoral, ele seria então substituído pelo filho, o deputado federal pelo PL, Eduardo Bolsonaro, ou um nome escolhido pelo PL. Na avaliação de Nogueira, Eduardo teria a mesma força política de Tarcísio, mas com maior rejeição.
Ex-presidente e seu entorno apostam na possibilidade de ele conseguir reverter sua situação na Justiça. Em atos de campanha das eleições municipais em São Paulo, ao lado de Tarcísio, Bolsonaro disse que o candidato para 2026 é o "Messias", em referência ao seu nome do meio.
Amigo e ex-ministro de Bolsonaro, Gilson Machado (PL) afirma que a demora para escolher um nome não deve impactar negativamente o campo da direita. "Escolhemos o vice Mourão e o Braga Netto no último momento", diz. "Não passa pela cabeça de Bolsonaro não ser candidato, ele está tranquilo", diz.
Machado também minimizou as chances de fragmentação da direita nas eleições. "No segundo turno está todo mundo junto com Bolsonaro, o movimento pela anistia vai dar certo". Apesar disso, articulações para 2026 estão a pleno vapor: Caiado começa em março uma viagem pelo Brasil na companhia de Gusttavo Lima e Pablo Marçal (PRTB), que confirmou seu interesse em ser candidato à Presidência e entrou na briga por compor uma chapa com o sertanejo.
Fator Gusttavo Lima embaralha cenário
Com o recente anúncio do sertanejo, as peças no tabuleiro político da direita foram mais uma vez reposicionadas. Machado diz que tranquilizou Bolsonaro após o anúncio: "Disse a ele que Reginaldo Rossi não conseguiu se eleger, Luiz Gonzaga desistiu. Uma coisa é a pessoa cantar, outra é a pessoa ter votos."
'Não dá para conciliar a carreira com a Presidência da República', diz o ex-ministro sanfoneiro. Machado diz que quando foi ministro reduziu em 80% as apresentações que faz com o instrumento. "Abdiquei de uma renda de R$ 180 mil por show quando fui ministro", disse ele à reportagem. O anúncio de Gusttavo Lima irritou pessoas próximas a Bolsonaro, que veem gesto do cantor como traição.
Já o governador de Goiás busca estreitar as relações com o cantor sertanejo e convencê-lo a se filiar no União Brasil. Ao UOL, Caiado disse que passou horas na fazenda do amigo na sexta-feira (10). "Mostrei a ele a necessidade de ele vir para o partido para ter uma estrutura partidária. Ele tem todo o perfil de estar filiado ao União Brasil", afirmou.
Caiado quer percorrer o Brasil com Gusttavo Lima a partir de março. Embora o governador afirme aceitar o cantor como candidato à presidência, filiados ao partido dizem internamente que "concorrência nunca é uma coisa boa". Publicamente, Caiado diz que um "partido não pode engessar uma eleição presidencial a dois nomes". "Eu tenho a noção de que tenho condições de disputar, mas se ele consolidar um processo de apoio popular, de forças políticas e transformação, o partido estará aberto."
Caiado diz também que trabalha em um plano de governo próprio para 2026. "Todo mundo junto no primeiro turno seria incongruente, fugiria da lei. O sistema eleitoral brasileiro é em dois turnos, seriam, então, várias tendências da direita conservadora que apoiariam o candidato que fosse para o segundo turno."
Gusttavo Lima renova a lógica do espetáculo na política, afirma Deyse, da PUC-SP. "Ele representa a personalização, o entretenimento que torna a política cada vez mais dependente de uma personalidade midiática", diz. "Bolsonaro não é oriundo do campo midiático, mas conseguiu mobilizar emoções. Essa disputa expõe as tensões no campo da direita".
Em São Paulo, Marçal contou com o apoio de políticos e eleitores bolsonaristas nas eleições municipais do ano passado. Mas nunca teve o apoio declarado do ex-presidente, que fez campanha pela reeleição de Ricardo Nunes (MDB) à prefeitura a revelia dos apoiadores. Para 2026, ele convidou o sertanejo para montar uma chapa presidencial, mas pessoas próximas ao ex-coach dizem que ele não aceitaria disputar a vice-presidência.
Entrada de um outsider pode intensificar as divisões e desafiar o controle de Bolsonaro sobre o campo, diz especialista. "Os maiores opositores à hegemonia bolsonarista são aqueles que dialogam com o legado, mas com perfis distintos de oposição. Tarcísio com a moderação, Marçal com o discurso empresarial-religioso e Gusttavo Lima com o apelo emocional e simbólico".