Precedente pra Suzane? Assassinos de indígena queimado hoje são concursados
Ao prestar concurso recentemente para um cargo no TJSP, Suzane von Richthofen pode seguir o exemplo de cinco condenados pela morte do indígena Galdino, que conseguiram cargos no serviço público após cumprirem suas penas.
O que aconteceu
Os cinco condenados pelo assassinato brutal de Galdino Jesus dos Santos em 1997, retomaram suas vidas e hoje ocupam cargos de destaque no funcionalismo público. Todos tiveram suas penas reduzidas e usaram brechas legais para reintegração.
Eles atearam fogo em Galdino enquanto ele dormia em um ponto de ônibus, após o confundirem com uma pessoa em situação de rua. O crime, que chocou o país pela crueldade, resultou na morte do indígena por queimaduras em 95% do corpo.
Apesar do crime, Eron Chaves Oliveira, Tomás Oliveira de Almeida e Antônio Novely Cardoso Vilanova foram alguns dos beneficiados. Aos 46 e 45 anos, respectivamente, eles trabalham em cargos bem remunerados no Detran-DF, no Senado Federal e na Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Seus salários variam de R$ 9 mil a R$ 18 mil mensais, segundo apurou o jornal O Globo.
Max Rogério de Souza é o que mais se assemelha à situação de Suzane. Após cumprir parte da pena, ele foi nomeado analista judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Seu salário é de R$ 17 mil, e sua nomeação foi possível graças ao direito à reintegração social.
A situação de Gutemberg Nader Almeida Júnior era diferente dos outros quatro, por ser menor de idade na época do crime. Ele recebeu uma pena de "liberdade assistida" e foi solto ainda em 1997, poucos meses após o assassinato de Galdino. Quando atingiu a maioridade, seu registro criminal foi apagado, facilitando sua entrada no serviço público, onde hoje exerce um cargo de chefia na Polícia Rodoviária Federal, com um salário de R$ 12 mil.
Professor titular da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Antonio Celso Baeta Minhoto explica como os assassinos de Galdino conseguiram ingressar no serviço público. "Eles foram condenados a 14 anos de prisão, mas cumpriram efetivamente 7 anos, saindo da prisão em 2004 por progressão de regime", explica. "Gutemberg, por ser menor, teve um tratamento diferente, com uma reintegração mais rápida, sem o peso de um registro criminal permanente."
Há argumentos tanto a favor quanto contra a reinserção de criminosos no serviço público. Segundo Minhoto, que é doutor em Direito Público e Constitucional, quem se opõe à ideia geralmente destaca a gravidade dos crimes e a exigência de que o candidato a cargos públicos tenha "bons antecedentes". "O crime cometido e seu impacto social pesam muito na decisão", explica o professor. Por outro lado, os defensores da reinserção social apontam o direito fundamental ao trabalho e a necessidade de ressocialização do condenado após o cumprimento de sua pena.
No caso de Suzane, esses debates ganham ainda mais força. Embora o direito ao trabalho seja garantido pela Constituição, muitos questionam se uma pessoa condenada por um duplo homicídio, que causou grande repercussão, deveria ocupar uma posição de relevância no serviço público. "Esse é um ponto que coloca em conflito o direito de Suzane de retomar sua vida de forma digna e as exigências morais e éticas da sociedade", pondera Minhoto.
Suzane concurseira
Suzane von Richthofen também tenta seguir o mesmo caminho, agora como concurseira. Em 2024, ela prestou o concurso público para o cargo de escrevente judiciário no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Apesar de cumprir pena em regime aberto até 2038, ela busca se reintegrar ao mercado de trabalho, apoiada na legislação que permite o ingresso de condenados em cargos públicos.
O STF (Supremo Tribunal Federal) abriu um precedente em 2023 que pode beneficiar Suzane. A corte decidiu que condenados podem assumir cargos públicos, desde que o crime não seja incompatível com o cargo. Suzane, mesmo ainda cumprindo pena em regime aberto, pode se valer dessa decisão para buscar seu ingresso no serviço público. "O entendimento do julgamento do caso no STF não foi unânime", ressalta Minhoto. "Os ministros Cristiano Zanin e Dias Toffoli votaram pela manutenção da negativa de posse ao aprovado em concurso público sem bons antecedentes, ou seja, com prévia condenação criminal."
Mesmo em regime aberto, Suzane teria que seguir regras específicas, avisa o professor. Ela teria que cumprir sua jornada de trabalho como qualquer outro servidor, mas precisaria permanecer em casa durante a noite e não poderia viajar sem autorização judicial. Essas condições complicam, mas não impedem sua reintegração.
Minhoto critica a "frouxidão" do sistema penal atual. Ele afirma que a progressão de pena é muito rápida e que o cumprimento efetivo é menor do que deveria ser. Um projeto de lei visa mudar essa realidade, exigindo que os condenados cumpram ao menos 80% da pena antes de obter benefícios.
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