Topo
Notícias

Acordo entre Itália e Albânia para controle da migração gera polêmica

29/08/2024 12h00

O acordo entre a Itália e a Albânia para a gestão dos fluxos migratórios continua a gerar polêmica. O contrato prevê a realização de dois centros de acolhimento de imigrantes que serão administrados pela Itália no território de um país que não é membro da União Europeia. As estruturas poderão acomodar até 3 mil imigrantes por mês.

Gina Marques, correspondente da RFI na Itália 

O acordo entre a Itália e a Albânia foi assinado em novembro passado e ratificado no início deste ano pelos parlamentos dos respectivos países. Os dois centros de acolhimento no norte do país, um em Shengjin e o outro em Gjader, deveriam ser inaugurados em maio, mas a abertura foi adiada para agosto e até agora não há uma data certa. 

O atraso irrita a primeira-ministra Giorgia Meloni, já que seu governo chegou ao poder no final de 2022 prometendo reduzir o número de imigrantes. Quase 158 mil pessoas desembarcaram ilegalmente na Itália em 2023 e, neste ano, o número de chegadas de migrantes diminuiu para 30 mil até o final de julho passado, segundo dados do Ministério do Interior italiano.

O acordo prevê que a Itália construa e administre os dois centros de acolhimento de imigrantes na Albânia, às suas próprias custas e sob a sua jurisdição.

Segundo as previsões do governo, a administração dos centros na Albânia custará € 653 milhões em cinco anos (cerca de R$ 4 bilhões). Mas o valor pode aumentar.

Entre as despesas estão € 95 milhões para o aluguel de navios para transportar os imigrantes e funcionários italianos, quase € 8 milhões de euros em seguros de saúde para operadores italianos em missões no exterior, e mais € 252 milhões em despesas de viagem para funcionários dos ministérios do Interior, da Justiça e da Saúde.

Uma quantia exorbitante, equivalente a uma média de € 138 mil euros por dia, ou seja, R$ 850 mil diários. O valor inclui o pagamento de viagens, ajudas de custo, alimentação e alojamento dos funcionários italianos. 

Disparidade

Em Gjader, além do centro de acolhimento, está prevista a construção de uma prisão com capacidade máxima para 20 detentos, caso alguns migrantes confinados nos centros tenham que ser colocados em prisão preventiva.

Um dos pontos mais discutidos envolve o envio de 46 policiais penitenciários italianos para a Albânia, o que representa mais de dois agentes por preso. A Itália sofre a escassez de pelo menos 7 mil agentes penitenciários e uma superlotação de 14 mil reclusos nas prisões, com estruturas onde um policial tem de supervisionar até cinco detentos.

Funcionamento complicado

Cada migrante poderá permanecer no centro o máximo de 28 dias e neste período será avaliado seu pedido de asilo. Depois ele deverá ser transportado para a Itália.

O processo de avaliação dos pedidos de asilo dos migrantes confinados nos centros na Albânia será bastante complicado, especialmente do ponto de vista técnico e logístico.

As estruturas em território albanês poderão receber apenas os migrantes do sexo masculino, maiores de idade, com boa saúde e provenientes de países "seguros", ou seja, onde o governo italiano acredita que os direitos fundamentais e a ordem democrática são respeitados.

A Itália considera atualmente "seguros" 16 países: Albânia, Argélia, Bósnia-Herzegovina, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Geórgia, Gana, Kosovo, Macedônia do Norte, Marrocos, Montenegro, Nigéria, Senegal, Sérvia e Tunísia. Na realidade, a definição de "seguros" é muitas vezes atribuída de forma arbitrária, mesmo para países onde as violações destes direitos são sistemáticas.

Na Itália, os pedidos de asilo são examinados pelas chamadas Comissões Territoriais. Tais pedidos devem ser avaliados caso por caso, tendo em conta a situação específica de cada migrante e os riscos a que poderá estar exposto na hipótese de recusa. É um trabalho complexo, para o qual muitas vezes faltam recursos e profissionais, como intérpretes ou mediadores culturais.

Segundo o portal italiano Il Post, acelerar os procedimentos complicaria ainda mais o trabalho das Comissões. Os funcionários devem organizar uma audiência no prazo de sete dias após a recepção de um pedido de asilo e tomar uma decisão nos dois dias seguintes. Em caso de resposta negativa, o migrante tem duas semanas para entrar com um recurso.

Se depois do recurso, as Comissões avaliarem que o migrante não tem direito ao asilo na Itália, ele deverá ser deportado. No entanto, a deportação pode ocorrer apenas com a colaboração do país de origem do migrante irregular.

Segundo o Ministério do Interior, os países que assinaram acordos de cooperação específicos em matéria de migração com a Itália são: Albânia, Argélia, Bangladesh, Egito, Filipinas, Gana, Marrocos, Moldávia, Nigéria, Paquistão, Senegal, Somália, Sri Lanka, Tunísia.

Críticas de organizações internacionais

No caso dos centros na Albânia, as audiências serão feitas à distância: os migrantes permanecerão nas estruturas, enquanto os advogados, intérpretes, comissários territoriais e juízes ficarão na Itália.

Para permitir a realização destas audiências é necessário que sejam criadas salas equipadas com computadores, webcams, microfones e conexão à internet. A solução vem sendo muito criticada por ativistas e especialistas em direito internacional, porque torna extremamente difícil para um migrante ser capaz de explicar a sua situação e lidar eficazmente com um advogado ou outras organizações que o possam ajudar.

Caso não seja possível organizar audiências ou reuniões à distância, os advogados e intérpretes poderão deslocar-se à Albânia às custas da Itália, beneficiando de um reembolso de despesas de até € 500.

A ONG International Rescue Committee (IRC) qualificou o acordo aprovado com a Albânia de "desumanizador", enquanto a Anistia Internacional lamentou uma "proposta impraticável, prejudicial e ilegal".

Após a assinatura do acordo em novembro, a agência de refugiados da ONU (UNHCR) pediu "respeito à lei internacional de refugiados". O Conselho da Europa também apontou em novembro que esse "sistema de asilo extraterritorial é caracterizado por inúmeras ambiguidades legais".

No entanto, a União Europeia expressou interesse no acordo, enfatizando que os centros serão administrados segundo a lei italiana, em detrimento da lei albanesa.

Manual de instruções

Na semana passada os 46 agentes penitenciários que servirão na Albânia receberam um documento que causou um rebuliço: o manual de instruções.

O documento lembra um guia para turistas de primeira viagem, repleto de clichês sobre os albaneses e italianos. São 14 "conselhos" dados aos agentes penitenciários.

Um deles é evitar paquerar mulheres albanesas. "É uma sociedade conservadora, especialmente no norte do país. O homem que tem conhecimento ou vê sua mulher sendo cortejada por outro homem pode reagir mal".

O manual também sugere como se vestir. "Os albaneses são um povo púdico, portanto a nudez ou roupas pouco sóbrias em público não são bem-vindas". O texto recomenda modéstia aos italianos. "Os albaneses não gostam de ser subestimados, nunca se apresente com uma abordagem superior".

Há também outros conselhos sobre como se comportar nos bares e restaurantes. "O café não se consome no balcão, mas apenas sentado: esta é uma tradição absoluta a seguir". "Nos restaurantes, respeite o que está definido no cardápio: pedidos de alterações no menu não são bem-aceitos e conduzem a erros e mal-entendidos", alertando que "os pratos albaneses são muito picantes".

Outra dica é "preste atenção no que você fala: quase todos os albaneses entendem bem o italiano".

Quando foi informado sobre o manual, o secretário-geral do sindicato Uilpa da Polícia Penitenciária, Gennarino De Fazio, pensou que a notícia fosse falsa. "Achei que era fake news, mas é verdade. Infelizmente na administração penitenciária a fantasia supera a realidade." declarou o sindicalista à agência LaPresse e ressaltou: "Se coisas deste tipo acontecem antes do início da missão, não ousamos imaginar o que poderá acontecer em 5 anos de serviço operacional."

 

Notícias