Fiat Multipla: "carro mais feio do mundo" poderia ser um sucesso no Brasil
Nas últimas décadas, os carros passaram por poucas mudanças em sua configuração. Carroceria monobloco, motor dianteiro com cilindros em linha, numa posição transversal e arrefecido a líquido, tração dianteira, freios próximos as rodas e suspensões bem parecidas entre si. Esses são os ingredientes de um carro moderno.
Eu poderia ir além: formato da carroceria, posição de faróis e lanternas, número e posição dos assentos, comandos do painel e por aí vai.
Não era assim. Em um tempo não tão distante, a criatividade para novas soluções era constante. Eu ouvia do meu pai as curiosas diferenças dos carros. Dizia ele coisas como, "Chevette tem tração traseira", "Fusca tem motor a ar", "DKW tem motor 2 tempos" e "Fiat tem estepe na frente". Porém, é natural que as melhores soluções do ponto de vista do custo e do benefício, se perpetuem diante de soluções que não se justificam.
Até fabricantes de carros de luxo, como Mercedes-Benz e BMW, já abriram mão da clássica configuração de motor longitudinal e tração traseira, pelo menos em alguns modelos de entrada.
Por isso, sempre que aparece algo bem diferente, eu me interesso mais do que o normal. Foi assim com o incrível Fiat Multipla de 1998, o merecido homenageado dessa coluna.
Mesmo que você nunca tenha ido para a Europa, já deve ter visto esse modelo em uma das listas de carros mais feios do mundo. Ele e o Pontiac Aztek então em todas elas, sem exceção. Uma injustiça com o Fiat, na minha opinião. O Aztec é terrível mesmo...
O Multipla até foi cogitado para ser vendido aqui e participou no Salão do Automóvel de 1998, com uma unidade cinza, movida a gás metano. Teria feito sucesso com os taxistas daqui? Acho que sim, e vou mostrar o porquê.
Desde a primeira vez que eu vi o desenho do Multipla, achei fantástica a solução do conjunto ótico dianteiro, com 4 pares de peças separadas, incluindo um par de faróis entre o capô e o para-brisa. Eu adoro essas maluquices, mas entendo que nem sempre são bem aceitas pelo grande público.
Porém a genialidade do projeto supera qualquer polêmica quanto a sua estética. Com pouco menos de 4 metros de comprimento, mesmo tamanho de um Fiat Argo, o Multipla é capaz de levar 6 adultos com conforto e ainda sobra 430 litros no porta malas. No Argo, são 5 pessoas e 300 litros de bagagem, nada muito diferente de seus concorrentes.
O segredo do Multipla está nas dimensões de sua largura e altura, pouco maiores que a de outros carros. Além disso, o desenho da carroceria deixa claro que os passageiros são prioridade nele, graças a enorme área envidraçada e o formado reto de suas laterais. Com essas soluções, a Fiat conseguiu colocar 2 fileiras com 6 bancos individuais, numa configuração quase que exclusiva.
Anos mais tarde, a Honda fez o mesmo com o FR-V, modelo que eu aposto que você, meu caro leitor, nunca tinha ouvido falar. Voltando ao Multipla, fotos de divulgação, na época de seu lançamento, mostram grandes famílias felizes a bordo do "pequeno grande" Fiat. E nada mais divertido do que viajar com o carro carregado.
Fiz uma viagem assim, no início do ano, com um Chevrolet Spin, onde 4 adultos e 2 crianças não se abateram nem nas 4 horas de trânsito para atravessar a balsa de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. No caso da Spin, a terceira fileira de bancos é bem apertada, portanto indicada para crianças. E quando está em uso, ocupa quase que todo o espaço do porta malas, o que fez eu instalar um grande bagageiro no teto.
Seria o Multipla capaz de levar toda essa turma sem o bagageiro no teto? Talvez, mas vale lembrar que dos 6 passageiros, 4 eram mulheres com suas inúmeras bagagens para o triplo do período que estaríamos hospedados na ilha. É... acho que não.
O que importa mesmo, é deixar claro que o Multipla é dos carros modernos com melhor aproveitamento interno da história. Com a óbvia exceção do banco do motorista, todos os outros são removíveis de maneira individual, liberando ainda mais espaço para cargas. O painel é um show à parte: de terror para alguns, de criatividade para outros, só não pode ser chamado de tradicional. Todos os comandos, incluindo a alavanca de câmbio, estão bem posicionados numa posição elevada, à direita do motorista.
Outra solução interessante da Fiat foi na construção do chassi. Ela substituiu o monobloco por um novo chassi fabricado com base em perfis de aço, conhecida como Space Frame. Essa estrutura é mais adequada para modelos de baixa produção e permite alterações nas dimensões com custos reduzidos.
Graças ao conservadorismo do mercado, a Fiat optou por deixar seu visual mais tradicional em 2004, com os mesmos faróis da nossa conhecida Fiat Idea. A meu ver, o resultado foi terrível. Com tantas qualidades, é de se admirar que tenha saído de linha em 2010 sem deixar um sucessor.
O nome Multipla tem origem em um outro Fiat, igualmente genial, porém de uma outra época. Em 1956, um ano depois do lançamento do pequeno 600, o engenheiro Dante Giacosa conseguiu a proeza de projetar uma minivan de 6 lugares nessa pequena carroceria, com apenas 3,20 m de comprimento e 1,38 m de largura. Batizada de 600 Multipla, alegrou muitas famílias italianas dessa época.
Tendo em vista o retorno do nome em 1998, posso sonhar com um possível retorno, numa carroceria tão maluca quanto a do original de 1956 e do último de 1998.
Eu adoro carros com soluções inteligentes, e espero que depois de 2028, quando o modelo completar 30 anos de vida, alguns possam ser importados para cá, já que só é permitido importar carros usados com essa idade mínima. Se alguém souber de algum rodando por aqui, o que não é improvável, me avise, pois gostaria muito de conhecer.
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