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Home office deixará escritórios vagos e aluguel cairá, dizem especialistas

Folhapress
Imagem: Folhapress
do UOL

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

26/09/2020 04h00

O aumento do uso do home office durante a pandemia rompeu com a resistência que muitas empresas tinham com esse tipo de trabalho. Analistas de mercado afirmam que muitas devem mantê-lo, ao menos em parte, após a crise.

Com menor necessidade de espaços de escritório em regiões comerciais de grandes cidades, a tendência é que aumente a quantidade de imóveis vagos e o preço de aluguéis caia, de acordo com especialistas consultados pelo UOL. Isso não significa, porém, que os bairros comerciais deixarão de existir, segundo eles.

Home office na pandemia

Segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 8,4 milhões de pessoas no Brasil estavam trabalhando remotamente em julho. Esse número caiu ao longo da pandemia. No mês anterior, eram 8,7 milhões de pessoas trabalhando à distância.

Ainda assim, esse número é bem abaixo da estimativa de potencial de home office, ou seja, de número de trabalhadores que poderiam estar realizando suas atividades remotamente, segundo análise do próprio Ipea. O instituto aponta que o formato poderia ser adotado em 22,7% das profissões no Brasil, alcançando mais de 20 milhões de pessoas.

De acordo com levantamento da FIA (Fundação Instituto de Administração), cerca de 94% das empresas brasileiras afirmam que atingiram ou superaram suas expectativas de resultados com o home office. Mesmo assim, 70% planejam encerrar a prática ou reduzi-la a apenas 25% dos funcionários quando a pandemia de covid-19 tiver terminado.

Imóveis vazios e aluguéis mais baixos

Para Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da FGV (Fundação Getulio Vargas), além da queda nos aluguéis, algo que já vem sendo observado desde o início da pandemia por causa das renegociações, a tendência para os próximos meses é de aumento de imóveis comerciais vazios, como consequência da adoção do teletrabalho.

Ele calcula que uma empresa em São Paulo, dependendo do padrão do escritório, gasta entre R$ 1.500 e R$ 2.000 por mês por funcionário para proporcionar um espaço de trabalho de dez metros quadrados ao funcionário, somados os custos como aluguel, condomínio, luz, IPTU, e assim por diante.

"As empresas vão fazer a conta e perceber duas coisas: que custa caro ter esse funcionário, esse custo fixo, e que, do ponto de vista comportamental, dá para trabalhar muito bem", afirma.

Danilo Igliori, economista-chefe do Grupo Zap e professor do Departamento de Economia da FEA-USP, acredita que a intensidade da manutenção do home office e o impacto que isso terá na distribuição e uso dos espaços comerciais nas cidades dependerá de quanto tempo ainda irá durar a pandemia. Mesmo assim, ele afirma que haverá mudanças "em qualquer cenário".

"O primeiro impacto, independentemente da intensidade, está exatamente no tipo de imóvel comercial e na ocupação dos imóveis comerciais", afirma Igliori. "É muito difícil apostar que o trabalho presencial desapareça. Mas o que a gente sabe é que vai ter menos ocupação de espaços comerciais e vai ter uma ocupação menos densa dos espaços comerciais. O efeito líquido dessa história inevitavelmente é uma demanda menor por áreas comerciais."

Menos bairros comerciais

O outro impacto que ele projeta é o espalhamento dos centros de emprego. Ou seja, a dispersão das atividades para outros bairros, ou mesmo outras cidades, diferentemente de hoje, quando há uma tendência de empresas se aglomerarem em densas regiões comerciais, em geral mais próximas do centro.

O nível desse espalhamento, de acordo com o professor da USP, vai depender do custo para a empresa. Quanto mais caro for manter seus trabalhadores próximos, maior a tendência de que as atividades se dispersem, e vice-versa.

"Para explicar essa concentração, sempre se coloca uma equação de custo-benefício da proximidade. Quando esses benefícios são muito altos, a atividade concentra. Quando os custos são muito altos, a atividade dispersa", afirma. "Custos de proximidade mais altos do que a gente tinha no pré-pandemia implicam o espalhamento da atividade. Então esse espalhamento vai ser tanto mais forte quanto mais difícil for voltar para uma situação próxima ou igual a antes da pandemia."

Escritórios virarão casas?

Com menor procura por espaços comerciais, é possível que imóveis vagos sejam readequados para outros fins, até mesmo para serem residências? Danilo Igliori acredita que sim.

"Por exemplo, o centro da cidade (de São Paulo), mesmo pré-pandemia, já estava começando a ter um processo desse tipo, de requalificação de antigos espaços comerciais para virar prédios residenciais. Um fenômeno desse tipo, eu acho que fará todo sentido em alguns espaços. Em que magnitude e exatamente em quais espaços ainda é cedo para dizer, mas faz todo o sentido a gente pensar em requalificação dos espaços", diz.

Já Alberto Ajzental acredita que esse processo de modificação é mais difícil no curto prazo, por envolver questões burocráticas, como a necessidade de aprovação dos órgãos públicos. "Essa mudança é um pouco mais difícil. Um prédio comercial, um prédio de conjunto comercial, virar residencial ou hotelaria é mais difícil."

Tendência das pessoas é se concentrar

Então a experiência de home office, praticamente forçada pela pandemia, somada aos custos menores e novas tecnologias de comunicação, farão com que o trabalho seja quase integralmente remoto, decretando o fim dos bairros de escritórios nas grandes cidades? Igliori é cético quanto a essa possibilidade.

"O que a literatura, a evidência, mostra é que esse contato presencial é fundamental para estabelecer relacionamentos, para entrosar equipes, para que o fluxo de conhecimento circule melhor, para que novas ideias apareçam. Tanto é que, toda vez que é possível se aglomerar, as pessoas se aglomeram", afirma.

Por isso, ainda que acredite que haverá um espalhamento após a pandemia, ele crê que posteriormente a tendência é voltar a aumentar a concentração, e recorre ao passado para exemplificar isso.

"Na década de 1990, quando a internet se disseminou, os meios de comunicação avançaram muito, o custo de transporte caiu muito, e os profissionais da área de economia das cidades começaram a falar: 'Acabou a necessidade das cidades existirem. Agora você trabalha em qualquer canto, faz tudo remotamente. Se tiver que se encontrar, o transporte é de baixo custo. Então, eu moro onde quiser'. O prognóstico era de enorme espalhamento e perda de importância das cidades. O que a gente viu? Exatamente o contrário. O fato de as pessoas poderem se espalhar, não gerou esse espalhamento", lembra.

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