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Premiado na França, coreógrafo brasileiro ressignifica gestos da memória pós-colonial

10/08/2020 11h22

Nascido em Uruguaiana, no extremo sul do Brasil, o coreógrafo e bailarino Fernando Cabral conviveu desde cedo com a diversidade cultural do Rio Grande do Sul, um repertório eclético, com raízes indígenas, africanas e europeias que configuram uma mistura nada previsível. Radicado na França há 15 anos, ele acaba de ganhar um prêmio importante do Institut Français por seu novo projeto "Matter - o Corpo como Feitiço". À frente da Cia Corpo Material, subvencionada pelo Ministério da Cultura francês, ele falou à RFI sobre sua pesquisa e a nova criação.

(Para ver a entrevista na íntegra, clique no vídeo abaixo)

Para Fernando Cabral, "Matter - o Corpo como Feitiço" realiza uma intersecção entre "uma dança de incorporação de espíritos, ao mesmo tempo pós-escravagista e familiar, com minha própria prática do corpo, para provocar o surgimento de novas formas desconhecidas". "Minha pesquisa para a criação deste solo envolve gestos e posturas que eu fui buscar nos rituais de Umbanda, que eu abordo e tento ressignificar através de uma pratica coreográfica contemporânea", detalha.

"Concebo este solo como um lugar de encontro do artístico com o espiritual e o político", diz o bailarino e coreógrafo sobre o novo solo. "Abordo a criação desse trabalho como um encontro, partindo do desejo de ajudar a reverter o equilíbrio de poder deixado pela colonização e restaurar um caráter virtuoso a tudo o que foi relegado ao negativo, ao amaldiçoado, marginal e minoritário", diz o artista brasileiro.

Fernando Cabral afirma se apoiar principalmente em gestos e elementos que começou a colecionar em 2019 e que pretende colecionar durante as residências já planejadas no Brasil, principalmente no sul, com o apoio da bolsa oferecida pelo Institut Français. "É uma memória que foi perdida", diz Cabral. "O feitiço no Brasil faz parte destas noções que foram colocadas como algo ruim, negativo. Mas, na verdade, o feitiço é simplesmente o ato de dar um valor mágico a um objeto ou a um gesto", explica o performer.

"Ressignificar o maldito"

"Quando fui resgatar essa memória perdida, fui buscar gestos, posturas, posições que justamente ou foram esquecidas ou invisibilizadas, com o objetivo de lhes dar um novo valor através da dança e contribuir para o movimento de ressignificação do maldito, de uma certa forma", diz.

O bailarino diz que a pesquisa em torno de "Matter - o Corpo como Feitiço" gira em torno do resgate de uma "memória familiar" com a História do Brasil, "pós-colonial e pós-escravagista". "Tem a minha bisavó, que era escrava no Rio Grande do Sul, o estado brasileiro que mais tardou a liberar os escravos", lembra. "O Rio Grande so Sul tem esse caráter da imigração europeia, por causa do projeto de higienização da população no final da colonização e da escravidão. Havia toda essa população negra que havia sido libertada e podia ocupar a cidade, então houve esse convite para chamar uma população branca para 'embranquecer' essa população, e já não falamos mais disso", relata Cabral.

"Através do estudo desses ritos e práticas, observo como as práticas corporais de transe e possessão [dos terreiros de Umbanda] se tornam ferramentas e processos a serviço do corpo, a fim de incorporar velhas mitologias, mas também fenômenos atuais, e deixar apenas novas forças do corpo aparecerem", diz o artista brasileiro.

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