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Carlos Nobre: ambiente político é favorável a causas de alta no desmate

O cientista Carlos Nobre, referência brasileira em estudos sobre aquecimento global e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) - NACHO DOCE/REUTERS
O cientista Carlos Nobre, referência brasileira em estudos sobre aquecimento global e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) Imagem: NACHO DOCE/REUTERS
do UOL

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

19/11/2019 04h01Atualizada em 19/11/2019 16h12

Resumo da notícia

  • Para o cientista Carlos Nobre, aumento do desmatamento na Amazônia se relaciona com política atual
  • Ele afirma que grilagem e pecuária sobre áreas de preservação são problemas históricos no país
  • Mas que governo atual incentiva essas ações
  • Ele também critica o garimpo, defendido pelo governo federal

Para Carlos Nobre, pesquisador de mudanças climáticas da USP (Universidade de São Paulo), o aumento no desmatamento revelado ontem pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) não se deve a ajustes da própria natureza, mas a ações humanas que encontram um "ambiente político favorável" este ano.

Entre os fatores, ele menciona a grilagem de terras (falsificação de documentos para se apropriar ilegalmente de terrenos, muitas vezes áreas de preservação) e o avanço da pecuária sobre a Amazônia.

Nobre também critica o garimpo — cuja legalização é defendida pelo governo Jair Bolsonaro (PSL).

"Legal ou ilegal, garimpo é também um vetor de desmatamento".
Carlos Nobre, cientista

O Inpe afirma que o desmatamento anual na Amazônia, medido entre 1º de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019, foi o maior para o período nos últimos dez anos e cresceu 29,5% em relação ao período anterior.

Em conversa com o UOL, Nobre classifica esse aumento de "salto significativo" e rechaça a possibilidade de alterações climáticas naturais.

"A estação seca na maior parte da Amazônia foi normal em 2019. Portanto o grande salto no número de queimadas e desmatamento não pode ser atribuído a questões climáticas", diz o cientista à reportagem.

Ele afirma ainda que os números divulgados acendem um alerta em relação à "savanização" da floresta. Nobre e outros estudiosos defendem que o bioma está se aproximando de um "ponto sem retorno", e que, caso o desmatamento ultrapasse de 20% de sua formação original, mais da metade da floresta pode se transformar em uma "savana degradada."

Leia os principais trechos da entrevista:

UOL - O que explica o maior desmatamento anual desde 2008 divulgado pelo Inpe?

Nobre - Os desmatamentos vêm aumentando desde 2015, com alguns altos e baixos. 2019, no entanto, marca um salto significativo. De agosto de 2018 até julho de 2019, quase 10 mil quilômetros quadrados [foram desmatados], quase 30% de aumento em relação aos 12 meses anteriores. Climaticamente, a estação seca na maior parte da Amazônia foi normal em 2019. Portanto o grande salto nas queimadas e no desmatamento não pode ser atribuído às questões climáticas. À guisa de explicação, o aumento do desmatamento se deve à tendência histórica de grilagem de terra e expansão da pecuária, fatores que encontraram um ambiente político bastante favorável neste ano, ainda que este ambiente já vinha se consolidando desde 2015.

O governo fez duras críticas ao Deter [sistema do Inpe que emite alertas de desmatamento] durante o ano, chamando os dados de "mentirosos". Os números divulgados pelo Prodes [outro sistema responsável por consolidar os dados anuais de desmate] mostram que o Deter pode ser utilizado como um termômetro para o desmatamento durante o ano?

Não há dúvida de que o sistema Deter é um excelente indicador das tendências de desmatamento quando se tomam médias de 3 meses ou superiores. Quanto aos totais anuais, o Deter captura entre 60% e 70% dos desmatamentos totais revelados pelo Prodes, este que tem entre 94 e 95% de margem de acerto. Entretanto, o Deter não foi feito para ser somente um previsor antecipado do Prodes. Seu objetivo primário é enviar diariamente aos órgãos de fiscalização informações de onde os desmatamentos estão ocorrendo, informações essenciais para ações de fiscalização que podem conter mais de 80% de desmatamentos ilegais, sendo que cerca de 40% são de pura grilarem de terras.

A despeito dos números serem de agosto do ano passado ao final de julho deste ano, é possível traçar responsabilidades do atual governo em relação ao aumento no desmatamento?

Os desmatamentos de fato começaram a explodir em junho deste ano, ainda que venham crescendo desde 2015 em ritmo bem mais lento do que neste ano.

O Deter mostra uma altíssima taxa de desmatamento em agosto a outubro deste ano, sinalizando que as forças anacrônicas apoiando a expansão permanente da fronteira agrícola sentem-se empoderadas e sem temor de punição por cometerem crimes ambientais.

A legalização do garimpo, defendida pelo governo federal, influencia este cenário?

Legal ou ilegal, garimpo é também um vetor de desmatamento. O garimpo ilegal de ouro é fonte de enorme poluição de rios por mercúrio, desagregação social, violência e crime. A história da mineração na Amazônia não traz exemplos de real desenvolvimento [com a prática do garimpo], com crescimento do bem-estar humano para a população como um todo.

A redução do período de chuvas, impactando na safra dos produtores, e o "ponto limite" da Amazônia, que o senhor descreveu ano passado em editorial na revista Science, são problemas que se intensificaram nos últimos anos?

Os riscos da "savanização" de 50 a 60% da floresta Amazônica são reais e têm se intensificado nos últimos anos, comprovado pelas observações de que a estação seca está ficando mais longa, mais seca e mais quente. São todos sinais evidentes e extremamente preocupantes de que estamos na "beira do precipício" de "savanização" da floresta. No ritmo atual, entre 15 e 30 anos e teremos ultrapassado o ponto de não retorno e esse processo vai se tornar irreversível.

O alto número de queimadas (48% maior que ano passado) é um fator a ser levado em consideração no aumento do desmatamento?

Queimadas e desmatamentos estão correlacionados, ainda que numericamente o maior número de queimadas é para limpeza de pastos e de áreas agrícolas. Acontece que os satélites que detectam focos de incêndios detectaram este ano que a temperatura das chamas esteve mais alta do que em anos anteriores. Isto significa que o fogo tinha origem na queima da floresta derrubada mais do que nos anos anteriores, dado confirmado agora com os números do Prodes.

O Ministério do Meio Ambiente e o governo federal foram procurados para comentar as críticas feitas pelo cientista. Suas considerações serão acrescentadas a este texto, caso enviadas à reportagem.

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