Por que deportados dos EUA vieram com algemas e governo Lula mandou tirar?

Brasileiros deportados dos EUA estão chegando algemados ao Brasil porque essa é uma prática comum nos EUA para evitar riscos; o governo Lula pediu a retirada para respeitar leis locais, segundo especialistas.
O que aconteceu
Na última semana, brasileiros deportados dos Estados Unidos chegaram ao Aeroporto de Manaus, no Amazonas, algemados, o que motivou críticas do governo brasileiro. Autoridades solicitaram a remoção das algemas ao receber os deportados, afirmando que a prática é incompatível com as normas locais. O episódio reacendeu debates sobre as diferenças culturais, jurídicas e políticas entre os dois países.
Nos Estados Unidos, o uso de algemas é uma prática comum sob a política de "tolerância zero". De acordo com Vinicius Bicalho, advogado e professor de direito migratório, a utilização das algemas nos EUA é justificada como uma forma de proteger a integridade dos detidos e das autoridades. "As algemas são usadas frequentemente toda vez que há uma transgressão legal. As autoridades justificam a prática dizendo que ela garante a segurança de todos os envolvidos e facilita o cumprimento da lei", afirmou.
Já no Brasil, a abordagem é diferente e visa situações de ameaça iminente. "As autoridades brasileiras evitam o uso de algemas em situações que não representem ameaça imediata. Isso reflete uma preocupação em evitar o constrangimento do detido, alinhada à proteção da dignidade humana", explicou o advogado.
No Brasil, não há uma lei específica sobre o uso de algemas em deportações, mas o assunto é regulado pela Súmula Vinculante nº 11 do STF (Supremo Tribunal Federal). Essa regra determina que algemas só podem ser usadas em casos necessários, como para proteger a segurança do preso, da polícia ou de outras pessoas, ou para evitar fugas. Além disso, quem decide usar algemas precisa justificar a decisão por escrito, e o uso excessivo pode ser considerado abuso de autoridade. O Código de Processo Penal também reforça que o uso da força deve ser limitado ao necessário para conter a pessoa.
Mesmo em casos de deportação, quando as pessoas estão sob custódia, as leis brasileiras prevalecem assim que o deportado chega ao território nacional. Por isso, o Brasil prioriza evitar o uso de algemas, a não ser em situações extremas. Essa visão foi o que levou o governo brasileiro a pedir a remoção das algemas dos deportados que chegaram dos Estados Unidos.
Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em direito internacional, afirmou que a prática americana, embora comum, é criticada internacionalmente. "Mesmo em casos criminais, o uso de algemas deve ser proporcional e necessário, conforme estipulado por normas como a Convenção contra a Tortura e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo pelas Autoridades Aplicadoras da Lei", afirmou Canutto.
O pedido de retirada das algemas ao receber os deportados no Brasil foi visto como um exercício legítimo de soberania nacional. Para o especialista, o gesto não apresenta violações legais. "Quando o avião pousa em território brasileiro, prevalece o direito nacional. É natural que o Brasil conduza os deportados de acordo com suas leis e normas, sem que isso gere controvérsias legais entre os dois países", explicou o advogado.
No entanto, ele alertou que a interpretação americana do gesto pode gerar tensões. "Dependendo de como os Estados Unidos entendam esse pedido, pode surgir algum mal-estar nas relações bilaterais, especialmente se for percebido como uma crítica direta à política migratória americana", ponderou.
Contexto político
Bicalho ressaltou que o uso de algemas em deportados brasileiros não é algo recente. "Esses episódios ocorreram diversas vezes no governo Biden, sem gerar grandes questionamentos. O que muda agora é o contexto político e a postura das lideranças envolvidas", destacou.
Canutto apontou que a atitude do governo brasileiro reflete um esforço para afirmar sua posição internacional. "O governo Lula tem buscado alinhar-se a governos progressistas, defendendo ideais como a dignidade humana. Isso simboliza uma tentativa de contrabalançar o poder norte-americano e fortalecer sua política externa baseada em direitos humanos", avaliou.
Críticas ao uso de algemas em deportados não se limitam ao Brasil. Países como o México também têm apontado práticas consideradas abusivas pelos Estados Unidos, embora frequentemente evitem confrontos diretos devido à dependência econômica. Na Europa, governos progressistas condenam práticas migratórias americanas em fóruns internacionais, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU. "Apesar das críticas, o poder dos Estados Unidos no cenário global tem dificultado mudanças nessas políticas", ressaltou Canutto.
Os especialistas avaliam que o episódio dificilmente terá um impacto significativo nas relações entre Brasil e Estados Unidos. "Os interesses estratégicos entre os dois países, como comércio e cooperação econômica, são muito mais importantes do que tensões pontuais como esta", afirmou Canutto. Bicalho também elogiou a condução brasileira. "O Brasil tem usado canais diplomáticos para tratar da questão e não tomou nenhuma atitude que pudesse ser interpretada como hostil, como barrar aviões de deportados. Esse tipo de habilidade será essencial para evitar que o episódio prejudique as relações entre os países", concluiu.