Perdões de Trump podem minar o Estado de direito
Perdões de Trump podem minar o Estado de direito - Presidente dos EUA perdoou apoiadores que invadiram o Capitólio em Washington há quatro anos, a fim de impedirem a transferência pacífica de poder. Especialistas alertam para consequências graves.Num de seus primeiros atos oficiais após tomar posse, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, perdoou quase todos os cerca de 1.600 condenados por sua participarem da invasão do Capitólio, há quatro anos. O republicano sempre se referiu a esses indivíduos como "J6 hostages", "reféns de 6 de janeiro", em referência à data do ataque à sede do Congresso americano.
O perdão presidencial inclui centenas de cidadãos americanos que admitiram seus crimes naquele 6 de janeiro de 2021. Muitos outros foram condenados, por exemplo, pelo uso de violência contra policiais e outros agentes de segurança.
A rodada no início do segundo mandato de Trump foi atípica: "Os perdões geralmente são algo que acontece ao fim de uma presidência", explica Aimee Ghosh, chefe de assuntos governamentais do escritório de advocacia internacional Pillsbury e especialista em direito público e gestão governamental.
Historicamente, os perdões não entram na pauta presidencial em seu primeiro dia na Casa Branca. "Às vezes, os presidentes assinam perdões durante seu mandato, especialmente quando uma lei muda e um determinado ato deixa de ser criminoso."
Este, porém, não foi o caso dos crimes cometidos no 6 de Janeiro. Ataques a policiais continuam sendo delitos graves. Mas então, por que Trump assinou um perdão "abrangente, completo e incondicional", como consta de sua ordem executiva, para quase todos os envolvidos na invasão do Capitólio?
Perdões combinam com o estilo trumpista
Para Trump, os condenados foram somente vítimas de uma campanha levada a cabo por seus oponentes. Em sua primeira entrevista pós-segunda posse à emissora Fox News – que sempre o favoreceu –, Trump mencionou "condições desnecessariamente duras" a seus apoiadores na prisão.
Ele diz ainda que os presos apenas "protestaram contra o resultado das eleições", e que "deveria ser permitido protestar contra o resultado". Trump reagiu a um comentário do repórter de que os manifestantes não deveriam ter permissão para entrar no Capitólio, afirmando eles eram, na maioria "absolutamente inocentes".
Para Joseph Margulies, professor da Universidade Cornell, no estado de Nova York, é impossível determinar se Trump realmente acredita nisso, se há um cálculo político por trás dos perdões ou se é uma mescla das duas coisas.
Na opinião do jurista, os perdões certamente combinam com o estilo trumpista: "A narrativa de não apenas ignorar convenções, mas destruí-las, é sua marca registrada. Como, por exemplo, reescrever a história para que seja favorável à sua base política." Seria exatamente esse o sentido dos perdões.
Para Bernadette Meyler, professora de direito na Universidade Stanford, na Califórnia, trata-se mais de uma anistia do que de um perdão individual por crimes específicos. "O extraordinário sobre essa anistia é o quanto ela apoia fortemente os que estão do lado político de Trump", diz a especialista em direito constitucional dos EUA
Quem são os perdoados?
Os condenados eram, na maioria, apoiadores de Trump que acreditaram na mentira – refutada por tribunais – de que os democratas haviam "roubado" a eleição de 2020 e que, portanto, ele era o vencedor.
Em 6 de janeiro de 2021, os congressistas realizavam a sessão parlamentar que certificaria a clara vitória eleitoral de Joe Biden quando uma multidão enfurecida invadiu o Capitólio. Pouco antes, Trump fizera um discurso ali perto, no qual voltou a insistir em sua vitória eleitoral e incentivou seus apoiadores a se dirigirem até o Capitólio.
Quatro apoiadores de Trump foram mortos nos eventos que resultaram na invasão da sede das duas Câmaras parlamentares do Capitólio. Um policial sofreu dois acidentes cardiovasculares e morreu pouco depois. Quatro outros policiais que estavam no local cometeram suicídio nos meses seguintes.
Trump foi oficialmente acusado de incitação à insurreição pela Câmara dos Representantes. Mas o Senado, de maioria republicana, o absolveu.
"Permissão para infringir a lei"
A prerrogativa presidencial de conceder perdões se baseia no princípio de que "a lei pode ser cruel", esclarece o advogado constitucionalista Margulies. O presidente, portanto, tem o poder de conceder clemência. Mas, que mensagem Trump envia quando concede essa clemência aos apoiadores que invadiram violentamente o Capitólio?
"Os perdões recentes minaram significativamente o Estado de direito nos Estados Unidos", diz Meyler. "Podemos presumir que tanto funcionários do governo quanto cidadãos comuns se sentirão autorizados a violar a lei, se isso servir aos objetivos políticos de Trump. Eles vão contar em ser perdoados."
Margulies não vê nos perdões um diagnóstico sobre o Estado de direito que, por si só, já não é tão neutro quanto muitos acreditam. "O império da lei é sempre político. Claro, neste caso, ele está sendo manipulado para ganho político", disse. O especialista entende esse caso específico de perdão como excepcional, "mas não diz nada sobre o Estado de direito, e sim sobre Donald Trump."
O professor avalia que os recentes perdões de Trump terão um impacto crucial, já que seu comportamento influencia o que os cidadãos entendem como "normal". "Cada vez que as normas são degradadas, fica mais fácil degradá-las de novo. Essa degradação tem o seu preço."
Autor: Carla Bleiker