Não queremos afrontar os EUA, mas inocentes merecem dignidade, diz ministro
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou nesta segunda-feira (27) que o governo Lula não quer "afrontar" os Estados Unidos na questão dos deportados brasileiros, mas exige "dignidade" aos inocentes.
O que aconteceu
Lewandowski pediu respeito aos direitos fundamentais dos deportados, mas disse que o objetivo não é "provocar" os EUA. A declaração foi dada pelo ministro durante evento sobre segurança pública do Lide, grupo de empresários comandado pelo ex-governador de SP João Doria (sem partido).
Não queremos provocar o governo americano, até porque a deportação está prevista num tratado que vige há anos entre Brasil e EUA. Mas, obviamente, essa deportação tem que ser feita em respeito aos direitos fundamentais das pessoas, sobretudo os que não são criminosos. Nós não queremos provocação, não queremos afrontar quem quer que seja, mas queremos que os brasileiros que são inocentes, que foram lá procurar trabalho, queremos que eles sejam tratados com a dignidade que merecem.
Ricardo Lewandoswki, ministro da Segurança Pública
Governo afirma que deportados não têm pendências com a Justiça brasileira. De acordo com o Ministério da Justiça, não há entre os deportados condenados no Brasil e nenhum deles têm mandado de prisão em aberto ou é considerado foragido no Brasil. No entanto, o governo não informou se os deportados têm pendências com a justiça americana.
Lewandowski afirmou ainda que deportados foram submetidos a "constrangimentos absolutamente inaceitáveis". Eles estavam acorrentados, dentro do voo de volta ao país, pelas mãos e pés, sem alimentação e sem poder ir ao banheiro. O ministro enfatizou que, "em território brasileiro, vigem as leis brasileiras, vige a Constituição brasileira", em referência aos direitos dos brasileiros deportados.
Por ordem do presidente Lula, Lewandowski proibiu uso de algemas e correntes em deportados brasileiros. Em nota no sábado, o ministro disse que a dignidade humana é um valor "inegociável".
Polícia Federal no Amazonas apura denúncias de agressões sofridas por brasileiros deportados dos Estados Unidos. O UOL confirmou que agentes já colheram depoimentos de brasileiros e farão outras diligências, como análise de câmeras de segurança. Não há inquérito instaurado ainda.
Investigação será encaminhada para o departamento dos EUA responsável pela imigração. O procedimento também será compartilhado com órgãos internacionais de cooperação, em busca de mais elementos para a apuração.
Brasileiros denunciaram que agressões teriam ocorrido no voo que desembarcou em Manaus, na noite de sexta-feira (24). Carlos Vinícius Jesus, 29, disse que "eles iriam nos matar" e que os passageiros se "rebelaram". Vitor Gustavo da Silva, 21, relatou que agressões aconteceram por causa de reclamações sobre o calor —o ar-condicionado da aeronave não estava funcionando.
'Afronta' colombiana resultou em recuo. No domingo (26), o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, desistiu de reagir à ameaça de taxação dos EUA e anunciou que aceitou todos os termos propostos por Donald Trump em relação aos estrangeiros colombianos ilegais.
Governo Trump subiu o tom contra colombianos quando Petro reagiu às deportações. Trump ameaçou suspender a emissão de vistos para colombianos, revogar vistos de funcionários colombianos e vetar a entrada de membros do partido no poder em Bogotá nos EUA, as ações mais duras já tomadas desde o início de seu governo.
Petro concordou com repatriação de todos os colombianos ilegais nos EUA. No termo fechado entre os dois países está a cláusula de "aceitação irrestrita de todos os estrangeiros ilegais da Colômbia que retornarem dos Estados Unidos, inclusive em aeronaves militares dos EUA, sem limitação ou atraso", de acordo com o comunicado da Casa Branca.
Acordo firmado em 2017
A chegada no Brasil dos brasileiros deportados na última sexta-feira (24) faz parte de um acordo firmado ainda em 2017 entre o então presidente Michel Temer (MDB) e Donald Trump. O pacto prevê que aeronaves tragam de volta quem já não tem mais como recorrer à Justiça norte-americana. Os deportados são, então, pessoas detidas por entrar ilegalmente nos EUA e já não possuem possibilidade de recursos, segundo o Ministério das Relações Exteriores.
Os voos de repatriação acontecem desde 2018 para evitar que essas pessoas permaneçam em presídios dos EUA indefinidamente. Conforme o acordo, o governo brasileiro não aceita a inclusão nos voos daqueles que ainda possuem chance de revisão de sentença.
Além disso, os termos também falam em ''tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados''. O acordo de deportação firmado entre os dois países é considerado pelo governo brasileiro como uma base de diálogo.
Deportação ainda não pode ser atribuída à nova política migratória de Trump. O primeiro voo de repatriação deste ano já estava previsto desde a gestão de Biden e antes da posse do republicano, que prometeu intensificar a política de deportação dos estrangeiros.
Situação da segurança é de 'faroeste', diz ministro
Lewandowski afirmou que situação da segurança pública no Brasil é '"faroeste ou guerra civil". De acordo com o ministro, as cenas de violência no país deixam a população "absolutamente estupefata". "Nos sentimos intimidados, amedrontados, temos vontade muitas vezes de sair do Brasil para encontrarmos uma situação mais tranquila, mais confortadora, mais segura", disse Lewandowski, que pontuou, no entanto, que há uma situação de "insegurança generalizada" no mundo.
Ministro defendeu a PEC da Segurança Pública como solução para mudar situação na segurança. Lewandowski disse que a mudança na Constituição é necessária para que o combate ao crime seja feito de forma conjunta entre governo federal, estados e municípios. Atualmente, a atribuição da segurança pública é das gestões estaduais. "Não dá mais para atuar isoladamente. Nós (governo federal), que assistíamos de camarote, estamos dando as mãos, queremos ingressar na arena para combater com estados e municípios esse problema", afirmou.
Novo texto da PEC da Segurança Pública foi apresentado com mudanças para atender governadores. A nova versão incluiu trecho para manter autonomia dos estados sobre as polícias e também mantém em separado os fundos nacionais de segurança pública e penitenciários. Os pontos foram os principais alvos de críticas de governadores e prefeitos em conversas anteriores sobre a proposta. Ao falar hoje sobre o cenário de criminalidade, Lewandowski declarou que "tal como está, não pode ficar" e advertiu que irão "arcar com o ônus da continuidade desse cenário desolador" aqueles que "quiserem deixar as coisas como estão".
PEC é tentativa de resposta do governo na área da segurança, pauta na qual a direita se sobressai. Pesquisa Quaest divulgada nesta segunda-feira (27) mostra que a segurança pública desbancou a economia e se tornou o principal problema para os brasileiros. Essa é a opinião de 26% dos entrevistados.
Ministro criticou violência policial, que classificou como "cenário desolador". Ele avalia que a truculência de agentes de segurança contra a população é "desoladora" e questionou também o uso excessivo da força contra criminosos. A pasta da Segurança Pública publicou no último dia 17 uma série de regras para regulamentar que a polícia só use força física ou letal quando não houver possibilidade.