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A inflação aleija, mas o câmbio mata

Responsabilidade fiscal é a melhor arma para segurar a inflação - Renan Rodrigues/A7 Press/Estadão Conteúdo
Responsabilidade fiscal é a melhor arma para segurar a inflação Imagem: Renan Rodrigues/A7 Press/Estadão Conteúdo
do UOL

Colunista do UOL

27/01/2025 09h55

O autor da frase é Mário Henrique Simonsen. Mais uma vez, soa apropriada para avaliar o quadro econômico atual. A preocupação do governo com a inflação de alimentos é justificável. Ninguém em sã consciência deseja a volta da carestia. Aliás, ela já começou a dar as caras, sobretudo nos componentes dos índices de preços ligados à alimentação. A evolução da taxa de câmbio é o maior vilão.

Muito embora os alimentos estejam mais caros por razões climáticas e de retração da oferta de carnes e de outros elementos básicos, o dólar perpassa tudo isso de maneira muito nítida. Não há melhor política pública contra esse movimento: uma boa dose de responsabilidade fiscal e de credibilidade.

Neste momento, essa responsabilidade materializa-se na agenda do Ministro da Fazenda Fernando Haddad. Invencionices e intervenções, como se os preços não refletissem condições de oferta e de demanda, mas, quem sabe, algum tipo de motivação misteriosa e insondável, são a receita para o caos. A história econômica brasileira é recheada de exemplos.

As expectativas de mercado e o seu funcionamento, com base em cenários e informações, muitas vezes, distorcidas, resultantes de interpretações equivocadas da realidade, colaboram para compor um quadro de incertezas e pressionar os preços dos principais ativos, o dólar e os juros presentes e futuros.

O preço do dólar medido em reais, mais conhecido como taxa de câmbio, afeta a dinâmica econômica, além de ser uma espécie de termômetro. Este último aspecto é sempre muito lembrado. O mundo político, por exemplo, reage instantaneamente a subidas repentinas do dólar, pois compreende o essencial: dólar caro turbina a inflação.

As economias são interligadas e relacionam-se por meio das operações de compra e de venda de bens e serviços, das transferências e dos fluxos financeiros, dos investimentos, do turismo etc. O balanço de pagamentos permite analisar essas idas e vindas dos fluxos de dólares. Se a taxa de câmbio é o preço do dólar medido em reais, então a quantidade ofertada e a quantidade demandada determinam esse preço em uma moeda qualquer, a exemplo do real.

A referência é o dólar, vale dizer, por ser a moeda de reserva internacional, isto é, a base comum para todos os países. A questão que se coloca é: o dólar está muito caro neste momento? Qual a referência para essa conta?

Antes, para ter claro, o dólar caro é sintoma de excesso de demanda por dólares para os mais diferentes tipos de operações. As importações ficam mais caras, os bens produzidos internamente com componentes comprados de fora, igualmente, e esses efeitos acabam transbordando o resto da economia.

Além disso, há outros impactos interessantes a explorar, especialmente para entender a questão dos alimentos. Os bens primários produzidos e vendidos internamente, a rigor, não deveriam ser afetados como os bens mais sofisticados, manufaturados. Ocorre que uma taxa de câmbio mais alta estimula a exportação desses produtos (as commodities), vis-à-vis às vendas realizadas para consumo doméstico. Com a moeda nacional menos valorizada, exporta-se mais e resta menos a vender internamente, movimento que acaba pressionando os preços internos.

Para averiguar se o dólar está alto, não basta observar as idas e vindas da taxa de câmbio, em um determinado período. Afinal, o dólar na casa de R$ 4,70, por exemplo, que se observou há pouco tempo, estava barato? O dólar acima de R$ 6,20, mais recentemente, estava caro? E o patamar atual, abaixo de R$ 6,00?

A resposta está nos fundamentos da análise econômica. Em um regime de flutuação cambial, como é o brasileiro, o mercado determina os preços, por meio dos movimentos que descrevi anteriormente. Contudo, sempre haverá uma referência, o chamado câmbio de equilíbrio, para nos ajudar nessa análise. Essa taxa é aquela que, virtualmente, equilibraria o balanço de pagamentos (sejam as entradas e saídas de dólares em razão de comercialização de bens e serviços, rendas, lucros ou fluxos financeiros).

Difícil de ser estimada, é possível que ela circunde, hoje, a faixa de R$ 4,50 por dólar. Dito de outra forma, estaríamos operando bem acima do câmbio de equilíbrio. A explicação para isso estaria no aumento da percepção de risco dos agentes econômicos, que agem não apenas no mercado à vista de dólares, mas também no mercado futuro, a influenciar os preços no presente.

Um componente fundamental na determinação da taxa de câmbio são as taxas de juros internas e externas. Elas influenciam o dólar, porque uma maior quantidade de dólares tende a vir para o país quando os juros internos são muito maiores do que os externos. Quando a Selic está muito acima dos juros americanos, o estímulo à entrada de capitais é elevado, porque o ganho é alto, mesmo descontando-se o risco embutido na operação de trazer recursos para o Brasil.

Neste momento, enquanto os Estados Unidos operam com juros na casa de 5% ao ano, o Brasil pratica uma Selic de 12,25%. E o Banco Central já sinalizou, no final de 2024, que elevaria em mais 2 pontos percentuais a taxa básica nas primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2025. Nesta semana, deverá cumprir-se a primeira parte da promessa.

Não é apenas o diferencial de juros, entretanto, que explica a taxa de câmbio. O risco, como mencionei, é fundamental. E essa percepção de maior ou menor risco relaciona-se diretamente à avaliação dos agentes econômicos a respeito da capacidade de crescimento econômico, da estabilidade institucional, do equilíbrio das contas públicas, da própria atuação do Banco Central, da evolução da balança comercial e do cenário internacional.

Na última semana, o movimento do real frente ao dólar surpreendeu. A meu ver, reflexo das perspectivas para a economia americana, do grau de protecionismo a ser imprimido sob Trump e da viabilidade das medidas pretendidas. A economia brasileira não piorou significativamente, no fim do ano passado, quando o dólar ultrapassou os R$ 6,00, tampouco melhorou, significativamente, agora, quando ele retornou a patamares inferiores a essa marca.

A montanha de Trump não pariu, no segmento econômico, mais do que meia dúzia de ratos, até o momento. Medidas econômicas, sobretudo no âmbito das políticas de comércio exterior, demandam fundamentação técnica e preparação, como pontuou o ex-embaixador brasileiro em Washington Rubens Barbosa, no Canal Livre, da TV Bandeirantes.

Se houver uma normalização das expectativas, passada a tempestade da questão da inflação de alimentos, e o Ministro Fernando Haddad conseguir avançar com novas ações de contenção das despesas públicas, a tendência é o real ganhar força contra o dólar.

O incentivo para isso é evidente: a inflação aleija, a taxa de câmbio mata e a inflação do dólar - se a coisa descambasse para efeitos também no setor de serviços - poderia representar a pá de cal no que restasse.

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