Vereador mais votado de SP propõe 3 projetos de lei transfóbicos em 3 dias
Quinze dias após tomar posse na Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Lucas Pavanato (PL) já apresentou três projetos de lei contra pessoas transgênero. As propostas foram protocoladas em um intervalo de três dias.
O que aconteceu
Dos sete projetos apresentados pelo vereador até agora, três são contra pessoas trans. As propostas foram protocoladas nos dias 7, 8 e 9 de janeiro.
Para que sejam transformados em lei, os PLs precisam passar por análise de comissões da Câmara Municipal. Depois, são levados à votação no plenário. Se aprovados, vão à sanção do prefeito, que pode ou não vetar o texto.
Especialistas avaliam que as propostas são inconstitucionais. Advogados e ativistas consultados pelo UOL afirmam que os projetos discriminam e desumanizam pessoas trans.
Pavanato foi o vereador mais votado do país nas eleições municipais de 2024, com 161 mil votos. Bolsonarista e de extrema direita, ele tem 26 anos e ganhou fama nas redes sociais com publicações de vídeos sobre política.
As propostas
Uma é para impedir que pessoas trans participem de competições esportivas em categorias que não correspondam às de seu sexo de nascimento. Com isso, uma mulher trans não poderia competir na categoria feminina, por exemplo. O texto ainda estabelece que o atleta que omitir a informação poderá ser penalizado com suspensão das atividades esportivas ou multa de 100 salários mínimos. A pauta é frequentemente explorada pela extrema direita em debates e nas redes sociais.
O segundo projeto prevê que hospitais e clínicas sejam proibidos de financiar ou realizar tratamentos hormonais e cirurgias de designação sexual em menores de 18 anos. O texto também inclui órgãos da administração pública, autarquias, fundações, ONGs, associações e empresas. Uma norma do Conselho Federal de Medicina já proíbe esse tipo de procedimento cirúrgico em menores de 18 anos, mas não há uma legislação específica e unificada sobre o tema.
O projeto foi protocolado na Câmara com o título "criança trans não existe". Na justificativa, o parlamentar diz que visa "resguardar a integridade física, mental e emocional" de menores de idade. Ele argumenta que o PL "busca assegurar que crianças e adolescentes tenham o direito de alcançar a maioridade" antes de tomar esse tipo de decisão.
O terceiro projeto é uma bandeira de campanha. O vereador sugere que o sexo de nascimento seja o único critério para o acesso de uma pessoa a banheiros e vestiários em escolas, espaços públicos, estabelecimentos comerciais e ambientes de trabalho. O objetivo é que uma mulher trans não possa usar o banheiro feminino, por exemplo. Também determina que esses locais tenham banheiros unissex, desde que também tenham o masculino e o feminino. "Nos ambientes que não tenham estrutura física para instalação de três banheiros, fica facultada a adoção de banheiro unissex", diz o texto.
Projetos são discriminatórios, dizem especialistas
Para a advogada Heloisa Alves, coordenadora estadual da Aliança Nacional LGBTI, as três propostas são inconstitucionais pois violam os princípios da dignidade humana e da não discriminação. Segundo Heloisa, o projeto que impede tratamentos hormonais em menores de idade também viola o poder familiar (conjunto de direitos e deveres que os pais têm sobre os seus filhos menores), porque veda os procedimentos até mesmo com o consentimento dos pais.
Em geral, as leis que buscam proibir a participação de pessoas trans em competições esportivas são consideradas discriminatórias e violadoras dos direitos humanos. Diversos organismos internacionais, como o Comitê Olímpico Internacional, têm estabelecido diretrizes que visam garantir a inclusão de atletas trans no esporte. Heloisa Alves, advogada
A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Bruna Benevides, afirma que a Câmara Municipal não tem prerrogativa para legislar sobre esses temas, e que o vereador utiliza argumentos anti-científicos "Está tentando se promover um apartheid de gênero. Esses projetos já nascem inconstitucionais", afirma.
O advogado Paulo Iotti avalia que os projetos de Pavanato promovem a discriminação arbitrária, a violação da dignidade humana e das liberdades fundamentais das pessoas trans. "Tratamentos e bloqueios hormonais da puberdade não têm efeitos colaterais e são absolutamente reversíveis. Estudos sérios já provaram isso. O projeto deturpa a realidade ao defender o contrário", diz o advogado, um dos autores da ação que reconheceu a homofobia e a transfobia como crime de racismo no Brasil.
A vereadora Amanda Paschoal (PSOL), única travesti eleita para a Câmara Municipal de São Paulo em 2024, diz que Pavanato desqualifica os debates dentro da casa, além de desperdiçar o dinheiro público. "Não acredito que isso vá passar, nem mesmo por parte da direita que compõe a base do prefeito. Conto com a razoabilidade dos meus colegas na Casa para que isso não avance. Vai ser uma perda de tempo, um debate sobre um tema que não faz o menor sentido", disse ao UOL.
O que diz o vereador
Procurado pelo UOL, Lucas Pavanato afirmou que existe respaldo jurídico para seguir com os projetos. Ele argumentou que seu objetivo é "proteger as mulheres e crianças". Também afirmou que "a biologia divide as pessoas entre o sexo feminino e masculino".
O vereador citou sua popularidade eleitoral. "A minha votação aqui na cidade de São Paulo aconteceu exatamente por causa dessas pautas que eu defendo. Existe uma tendência do eleitor paulistano em ser contra esses absurdos que vem da agenda woke", ressaltou. O termo é utilizado pela direita para classificar pautas raciais, LGBTQIA+, feministas e de justiça social, normalmente defendidas pela esquerda.
As iniciativas dão o tom de como será a postura de Pavanato na Câmara Municipal. Seu partido, o PL, tem a segunda maior bancada da Câmara Municipal, com sete vereadores, atrás apenas do PT, que tem oito. No União Brasil e no PP também há vereadores com o perfil mais radical.
Desde que tomou posse, o vereador apresentou outros projetos. Ele sugere a instituição de aulas extracurriculares de educação financeira nas escolas, a criação de critérios para a emissão de ruídos por veículos automotores e a regulamentação do serviço de mototáxi por aplicativo.