O desgaste e os desafios que Maduro impõe a Lula e à diplomacia brasileira
Postura brasileira que investiu no diálogo com o governo de Nicolás Maduro acabou numa encruzilhada diante da perseguição aos adversários e da negativa do governo de Caracas em apresentar provas de transparência na disputa. Analistas ouvidos pela RFI temem conflito militar na tríplice fronteira.
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Contenção de danos. Distanciamento. É o que tem feito o governo Lula nos últimos dias diante do acirramento da crise venezuelana e do fracasso nas pretendidas negociações diplomáticas com Nicolás Maduro. É a ficha enfim caindo para o governo brasileiro de que os laços históricos que Maduro manteve com o PT não têm qualquer relevância para o venezuelano, cujo único objetivo é se manter no poder.
O analista internacional Vinícius Rodrigues Vieira, professor da FAAP e da FGV, diz que não se trata apenas da sobrevivência política de Maduro, mas embutidos nesse projeto autoritário estão interesses de setores que têm se beneficiado da atual situação, como os militares que o apoiam, além de outros países, como a Rússia.
"Sem dúvida essa situação virou uma encruzilhada diplomática para o Brasil. O Lula vendeu-se como fiador da questão e ele não consegue resolvê-la. Isso porque Maduro deu as costas para o Lula. Talvez o soft power brasileiro tenha atingido seus limites", disse.
Para Vieira, o desenrolar das eleições americanas é um fator importante para região, pois pode elevar o ponto de tensão. "Maduro não aceitará uma saída democrática porque ele confia na força de China e, sobretudo, da Rússia. E ele está aguardando o que vai acontecer nas eleições dos Estados Unidos, pois com 'Trump 2', Maduro sofrerá ainda mais pressão. Se o Brasil tivesse maior poderio militar, talvez pudesse, por exemplo, conter a influência russa e chinesa na região, para não citar a influência americana", ressaltou Vieira.
Outro analista ouvido pela RFI, Roberto Goulart Menezes, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, lembrou que o Brasil chegou a se desgastar com outros países na Cúpula Sul-Americana no ano passado, justamente por receber Maduro como chefe de Estado, na véspera do encontro. Menezes avalia que o governo Lula dá mostras de que não empregar maiores energias em negociações com Maduro, o que não significa, nem de longe, o fim das preocupações.
"O Brasil hoje está numa posição de redução de danos, num processo de afastamento. Porém, há três coisas que preocupam o Brasil. Primeiramente, a repressão interna e a escalada da repressão que já está ocorrendo. A segunda, é o fluxo migratório, sendo que 890 mil venezuelanos já entraram no país. E o terceiro, que é o que mais tira o sono do presidente Lula, é uma tentativa de Maduro de invadir a Guiana", alerta Menezes.
O professor da UnB acredita que a pressão brasileira se dará mais em organismos internacionais "porque se retirar Maduro à força do poder também não é bom para o Brasil e para nenhum país da América do Sul, porque isso traria uma forte instabilidade política na região."
Riscos de agravamento
A avaliação dos analistas ouvidos pela RFI, no entanto, é de que há risco de agravamento da situação militar e internacional num ponto muito sensível para o Brasil, que é a Amazônia, não só porque a rota viável de acesso a Guiana pelas tropas venezuelanas passa pelo Brasil, mas também pelo risco de os Estados Unidos fincarem uma base militar na floresta.
"O pior que pode acontecer é uma aventura militar de Maduro em relação à Guiana, atraindo outros países para a região. Por exemplo, os Estados Unidos, que já têm tratativas informais com a Guiana para a instalação de uma base militar naquele país. E isso estaria dentro da Amazônia", destacou Roberto Menezes.
"O Brasil, não apenas o presidente Lula, saem dessa situação de uma maneira muito negativa, com perda de prestígio no cenário regional e global para mediar conflitos desse tipo", ressalta Vinícius Vieira.
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