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'Cadê minha mãe?': perfil ajuda a encontrar pais de crianças perdidas no RS

Desenho feito por menina de 6 anos em abrigo é um retrato do caos vivido pelas crianças no Rio Grande do Sul - Arquivo Pessoal
Desenho feito por menina de 6 anos em abrigo é um retrato do caos vivido pelas crianças no Rio Grande do Sul Imagem: Arquivo Pessoal
do UOL

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

08/05/2024 07h53

Para ajudar crianças perdidas durante as enchentes que castigam o Rio Grande do Sul a encontrarem os pais, três amigas se uniram e criaram um perfil no Instagram que já conta com mais de 87 mil seguidores —e o número não para de crescer.

O que aconteceu

O perfil visa divulgar imagens e nomes de crianças que se perderem dos pais durante as enchentes no Rio Grande do Sul e estão sendo cuidadas nos abrigos provisórios abertos pelas prefeituras das cidades atingidas e pelo governo do estado.

Criado no sábado (4), o serviço já possibilitou o reencontro de aproximadamente 30 crianças perdidas com seus pais ou responsáveis. A maioria na região de Canoas e Porto Alegre, municípios mais afetados. Suas postagens já foram compartilhadas por celebridades como Jade Picon e Viih Tube.

A ideia partiu da psicóloga Daniela Reis, que visita os abrigos, conversa com as famílias e ainda atua como voluntária na coleta e distribuição de mantimentos.

Ao UOL, ela conta que vivenciou vários momentos difíceis com as crianças, durante o trabalho voluntário. Ela diz que é difícil iniciar conversa com quem perdeu tudo e ainda por cima se perdeu dos pais. As perguntas que mais tem ouvido quando visita os abrigos são: "Cadê a minha mãe?" e "Cadê o meu pai?".

Em um dos locais, lembra Daniela, uma criança recém-chegada pediu que ela fizesse uma mamadeira especial, com chocolate batido. "Eu mesma fui providenciar e a alegria dela, mesmo em meio ao caos, foi tão grande ao receber algo tão simples que me emocionou."

Em outro abrigo, para entreter uma criança, Daniela pediu a ela que desenhasse algo em uma folha de papel. O resultado foi um sol espremido em um emaranhado de rabiscos disformes, que fez a psicóloga refletir sobre as consequências para a psiquê infantil de uma tragédia como a vivida pelos gaúchos.

O sol está bem pequenininho, preso num cantinho. O resto é puro caos. Ela desenhou isso. Ela tem seis anos, ela fala, mas ela não compreende as suas emoções. Está tudo muito no campo da fantasia. Mas não tem como dizer que criança não sabe o que está acontecendo. Ela sabe, ela sente. E documentou o que está acontecendo no desenho dela.
Daniela Reis

Da esquerda para a direita, as amigas Daniela, Julia e Yasmin, que criaram a plataforma para ajudar crianças gaúchas a encontrarem seus pais - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Da esquerda para a direita, as amigas Daniela, Julia e Yasmim, que criaram a plataforma para ajudar crianças gaúchas a encontrarem seus pais
Imagem: Reprodução/Instagram

Crescimento rápido

Tocada pelo que vivencia como voluntária, Daniela pediu a colaboração das amigas, a especialista em branding Julia Medeiros, e a analista de dados e pesquisadora Yasmim Seadi para, juntas, criarem o perfil. Em entrevista ao UOL, as três explicaram que não imaginavam que, em menos de 72 horas, ele se tornaria essencial e conhecido. A cada hora, surgem pelo menos mil novos seguidores.

Tudo começou quando um amigo veio se abrigar aqui em casa e contou que no prédio onde morava uma criança foi encontrada sem os pais. Aquilo mexeu comigo. Depois, quando estava atuando como voluntária, auxiliando os desabrigados, ouvi uma vereadora comentando com outra pessoa sobre a existência de uma lista imensa de crianças que haviam se perdido dos pais. Naquele instante, passei uma mensagem para a Júlia, que trabalha com branding, redes sociais, e sugeri criarmos um perfil para divulgar os nomes dessas crianças.
Daniela Reis

Júlia, que havia se mudado para Florianópolis há dois meses, abraçou a ideia e criou o nome do perfil (Achamos sua criança) e toda a comunicação visual. No sábado, elas idealizaram o primeiro post. Receberam algumas dezenas de mensagens, que depois de algumas horas se transformaram em centenas.

Começamos a receber mensagens de pessoas dizendo estar com crianças perdidas em suas casas. Virou uma loucura. Daí decidimos só divulgar crianças em abrigos. Muitas pessoas não têm mais documento, não têm mais telefone, não tem como comprovar que são pais ou responsáveis de crianças perdidas. E tem também os bebês, que não falam, e estão chegando bebês. A gente não sabe o nome desses bebês, a gente não sabe quem são os pais.
Julia Medeiros

A dificuldade em tabular e cruzar as informações recebidas, como nomes, idades, endereços de residência, localização em abrigos, as levaram a convidar Yasmim, que passou a checar, desde ontem (6) todos os dados recebidos.

Ontem a Júlia me mandou seis links de bancos de dados diferentes, é muito aleatório, cada lugar terá um tipo de informação. Alguns bancos têm idade, alguns bancos não têm. Então não tinha uma coisa centralizada. E aí sugeri criarmos um sistema nosso, em que a gente consiga centralizar todas essas listas.
Yasmim Seadi

Para estruturar o sistema, as amigas pediram a colaboração de um engenheiro e dois cientistas de dados. Para validar as informações e se certificarem do que pode ser divulgado pela plataforma, o trio agora conta com uma advogada voluntária, Alesandra Busato, que presta consultoria.

A plataforma criada pelas amigas poderá ser utilizada pelo Conselho Tutelar em breve, gratuitamente. Desde o início, elas contam, a ideia era criar algo que pudesse ser utilizado pelo Poder Executivo na missão de reunir as famílias afetadas novamente.

O UOL entrou em contato com as prefeituras de Canoas e de Porto Alegre; além da Ulbras (Universidade Luterana do Brasil), que mantém um abrigo com dezenas de crianças; e com o governo do estado e o Ministério Público do Rio Grande do Sul, para obter mais informações, mas até o momento não houve resposta aos questionamentos.

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