Operações policiais ajudam expansão de milícias, dizem pesquisadores no STF
Pesquisadores da área de segurança pública e direito criminal afirmaram hoje durante audiência pública do STF (Supremo Tribunal Federal) que as operações realizadas pelas polícias no Rio de Janeiro são ineficientes e auxiliam a expansão das milícias.
Os pesquisadores foram ouvidos durante audiência que trata da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, que discute a violência policial no Rio. Em junho, o ministro Edson Fachin, relator da ação, concedeu liminar restringindo operações durante a pandemia de covid-19 —a decisão foi posteriormente confirmada pelo plenário virtual da Corte.
O pesquisador Daniel Hirata, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e coordenador do Geni (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos), destacou o fato de que praticamente todas as operações policiais realizadas nos últimos anos no Rio não atendem a critérios de eficiência, de acordo com estudos do grupo.
Ele aponta ainda a cooptação dessas ações por grupos criminosos. "Por vezes, estão a serviço de interesses privados ou criminosos, como as milícias", disse.
Em janeiro de 2020, o UOL revelou que apenas 3% das trocas de tiros com envolvimento de policiais ocorreram em áreas dominadas por milícias no Rio. Em paralelo, esses confrontos se concentravam em áreas controladas por facções de tráfico de drogas. Em diversos casos, foi possível constatar que as operações eram intensificadas antes da tomada de um território por milicianos e depois eram interrompidas.
Coordenador do Observatório da Segurança Pública, da Universidade Cândido Mendes, Pablo Nunes alertou para o fato de as polícias no Rio estarem descumprindo sistematicamente a decisão do STF, que limita as operações policiais apenas a situações excepcionais.
"Quando uma operação resulta em morte e não estava planejada, a polícia diz que se tratava de um patrulhamento de rotina e que seus agentes responderam à injusta agressão de opositores. E que, por isso, não estava justificada junto ao Ministério Público", ponderou.
Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares apontou a correlação entre violência policial e corrupção.
"Quando o governo concede ao policial da ponta a liberdade para matar, não para agir em legítima defesa, legalmente, mas para promover a execução extrajudicial, não lhe passa ao policial na ponta apenas a liberdade para matar. Mas também para não fazê-lo. E para vender a sobrevivência. Para transformar a vida em uma moeda que se valoriza rapidamente", disse, referindo-se à dinâmica da violência e corrupção policial em comunidades.
A pesquisadora Jacqueline Muniz, também professora da UFF, criticou a crescente autonomização das polícias —no Rio, intensificado após a extinção da Secretaria de Segurança.
"Não se põe onça para tomar conta do seu quintal. Se seu vigia é mais forte que você, ele se senta em sua cadeira e governa em seu lugar. Se ele é fraco demais, ele se vende ao senhor da guerra e ao mercador da proteção, que lhes oferece espólios e ganhos pessoais. Espadas autonomizadas cortam a língua do verbo da política e a letra da lei", afirmou.
Para o sociólogo Michel Misse, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é urgente investigar a cooptação das operações policias por milícias.
"Pesquisadores vêm constatando uma estranha sobreposição nos últimos anos em operações policiais em uma determinada área controlada por facções de tráfico e sua ocupação posterior por milícias. A hipótese de uma correlação de operações policiais contra o tráfico e o aumento das áreas ocupadas por milícias deve ser considerada seriamente, pois aponta para uma possível utilização intencional das operações policiais para fins de expansão do mercado ilegal miliciano", afirmou.