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Bolsonaro muda tom, pede ajuda e promete neutralidade climática até 2050

do UOL

Fábio Castanho e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em São Paulo e Brasília*

22/04/2021 04h00Atualizada em 22/04/2021 18h07

Em uma completa mudança de discurso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou hoje, durante a Cúpula dos Líderes sobre o Clima, que o Brasil está aberto à "cooperação internacional" na área ambiental e declarou que o país buscará atingir a neutralidade climática (reduzir a zero o balanço das emissões de carbono) até 2050.

"Coincidimos, senhor presidente [em referência ao chefe de Estado americano e anfitrião da videoconferência, Joe Biden], com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050. Antecipando em 10 anos a sinalização anterior."

A meta até 2050 é a mesma fixada pelos Estados Unidos e pelos grandes países europeus em relação às ações para zerar o balanço das emissões de CO².

O tom moderado contrasta com o histórico de atritos que Bolsonaro acumulou nos últimos dois anos em relação a temas como a preservação da Amazônia, combate a ilícitos ambientais e perspectivas sobre o clima.

A atitude reforça a tese, defendida nos bastidores do Planalto e do Itamaraty, de que o governo quer dar uma guinada de 180 graus para melhorar as relações com a comunidade internacional. Isso ocorre na esteira de crises e reveses para o presidente brasileiro —como a derrota do aliado Donald Trump nos EUA, o desgaste na relação com a China e os impactos da pandemia da covid-19.

Bolsonaro não fez referências aos atuais recordes de desmatamento registrados na Amazônia, mas disse que pretende acabar com a exploração ilegal até 2030. Mentiu, entretanto, sobre recursos para fiscalização, área que tem sofrido reiteradas mudanças e enfraquecimento de sua estrutura.

"Entre as medidas necessárias para tanto, destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data", completou.

O presidente também abdicou das ideias de "soberania" e "controle da Amazônia", tal como vinha defendendo até hoje desde que assumiu a Presidência, e convidou a comunidade internacional a colaborar com injeção direta de recursos e investimentos em ações de preservação ambiental da floresta.

"Estamos, reitero, abertos à cooperação internacional."

Pouco antes de Bolsonaro ser chamado a falar na Cúpula de Líderes, Biden havia se retirado momentaneamente por conta de um compromisso. Portanto, é possível que o chefe de estado norte-americano não tenha acompanhado as palavras do governante brasileiro. As imagens do evento não mostraram se Biden retornou a tempo de Bolsonaro discursar.

No total, a videoconferência reúne 40 dirigentes, entre os quais o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin.

Preservação e desenvolvimento

Bolsonaro voltou a falar sobre a importância de conciliar a preservação ambiental na Amazônia com o desenvolvimento econômico legal. Ele ainda disse que é preciso contemplar os interesses de todos os brasileiros, incluindo indígenas e comunidades tradicionais

"A solução desse paradoxo amazônico é condição essencial para o desenvolvimento sustentável da região. Devemos aprimorar a governança da terra, bem como tornar realidade a bioeconomia, valorizando efetivamente a floresta e a biodiversidade', disse.

"Esse deve ser o esforço que contemple os interesses de todos os brasileiros, inclusive indígenas e comunidades tradicionais. Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiro. É fundamental poder contar com a contribuição de países, empresas, e entidades dispostas a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas", completou.

Tom moderado era esperado

Interlocutores do Palácio do Planalto e do Itamaraty já esperavam tom mais moderado de Bolsonaro, buscando um afastamento da imagem ruidosa deixada durante a abertura da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) no ano passado.

Na ocasião, Bolsonaro mentiu, distorceu fatos e afirmou que o Brasil seria "vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal", uma suposta "campanha escorada em interesses escusos" por parte de "instituições internacionais" junto a "associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas".

No evento, realizado em setembro de 2020, o presidente também responsabilizou "índios e caboclos" amazônicos por incêndios na região e declarou que as queimadas no Pantanal ocorriam em função de altas temperaturas na região.

Em tese, a mudança do perfil discursivo de Bolsonaro e o foco em uma atitude classificada internamente como "moderada" fazem parte de um esforço do governo brasileiro para melhorar o diálogo com a comunidade internacional, sobretudo Estados Unidos e China.

Essa é uma demanda que se mostrou inevitável aos interesses do país e resultou, inclusive, na troca de comando no Itamaraty —o ex-ministro Ernesto Araújo, olavista e adepto de teorias sobre "globalismo" e "marxismo cultural", foi substituído pelo diplomata Carlos França.

Biden convida líder indígena

Além de Jair Bolsonaro, Biden convidou uma líder indígena para participar da Cúpula de Líderes sobre o clima. Trata-se de Sinéia do Vale, da etnia wapichana da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e que representará o Conselho Indígena de Roraima. A informação foi publicada pelo blog do colunista do UOL Jamil Chade.

Seu debate ocorrerá num painel que será moderado pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA e que contará ainda com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, o governador de Tóquio, o governador do estado de Novo México e o presidente do congresso nacional de indígenas americanos.

"Essa sessão irá destacar os esforços críticos de atores não estatais e subnacionais que estão contribuindo para uma recuperação verde e trabalhando de forma estreita com governos nacionais para fazer avançar a ambição climática e resiliência", explicou a Casa Branca.

A cúpula

A Cúpula de Líderes sobre o clima, que tem a Casa Branca como anfitriã, é uma iniciativa alinhada com a narrativa eleitoral de Biden, que derrotou nas urnas o concorrente à reeleição, o republicano Donald Trump. A gestão do ex-presidente ficou marcada por rupturas em relação a compromissos de preservação ambiental e preocupação com mudanças climáticas. Foi assim com o histórico Acordo de Paris, por exemplo.

O evento, que ocorre entre os dias 22 e 23 de abril, é tratado como oportunidade fundamental para que Biden assuma o protagonismo dentro desse contexto.

O democrata anunciou a meta de reduzir pela metade as emissões de gases do efeito estufa nos Estados Unidos até 2030 — em relação a 2005.

"Em seu convite, o presidente exorta os líderes a usarem a Cúpula como uma oportunidade para delinear como seus países também contribuirão para uma ambição climática mais forte", afirma o comunicado da Casa Branca sobre o lançamento da cúpula.

A conferência também é vista como uma etapa importante para que as grandes potências mundiais se comprometam com planos mais ambiciosos na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontecerá em novembro, em Glasgow, na Escócia.

*Colaborou Beatriz Gomes, do UOL, em São Paulo. Com BBC Brasil e agências

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