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Brasil: Até quando a agenda econômica poderá se dissociar dos deslizes do governo?

21/01/2020 12h41

Toda a semana, novas polêmicas envolvendo posições políticas do governo Bolsonaro levam a equipe econômica a exercer pressões para atenuar os prejuízos. A última, do secretário especial de Cultura divulgando um vídeo inspirado no ministro nazista Joseph Goebbels, resultou na demissão de Roberto Alvim horas depois do escândalo. Mas até quando a agenda econômica poderá se dissociar dos deslizes, gafes e provocações do Planalto?

É neste espírito que o ministro Paulo Guedes chefia a delegação brasileira no Fórum Econômico de Davos, a partir desta terça-feira (21). Guedes participa do evento para atrair investimentos estrangeiros ao Brasil, que está com a imagem desgastada no exterior diante das sucessivas controvérsias. Não à toa, Bolsonaro não estará presente desta vez.

O professor Alberto Pfeifer, coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP, avalia que enquanto o projeto liberal promovido pelo Ministério da Economia prosperar, o meio empresarial e financeiro tende a fazer vista grossa às polêmicas, sobretudo quando a reação do governo é rápida.

"A questão não é o que acontece, mas como é administrada o que alguns chamam de crise, mas que eu diria ser a expressão de alguma visão que abale a confiança no governo e nas instituições", diz o pesquisador. "Até agora, isso tem se mostrado num patamar razoavelmente adequado. Em cada tema, se percebe que, ao se ultrapassar um certo limite do razoável, há uma retratação. Isso é bom e é típico da democracia."

Incêndios a apagar - e não só na Amazônia

Desde o início do mandato, já foram alguns incêndios a apagar - e não só os da Amazônia. Ameaça de transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, possibilidade de conflito com a Venezuela de Nicolás Maduro e ofensas à primeira-dama francesa são alguns exemplos, além dos flertes recorrentes com a ditadura e o nazismo, no plano interno. Enquanto isso, ao mesmo tempo, a principal promessa econômica do governo, a aprovação da reforma da Previdência, foi entregue em 10 meses de mandato.

Também avançaram outras propostas que agradam aos mercados, como uma agenda de privatizações, a abertura da economia e o enxugamento fiscal. Mas o professor de Economia da Unicamp Francisco Lopreato, especialista em política fiscal, ressalta que questões cruciais para o desenvolvimento do Brasil, como o aumento dos investimentos e a diminuição das desigualdades sociais, não estão na mira da gestão Guedes - e, ao que parece, ainda menos dos investidores.

"Não há uma percepção de que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Os economistas têm muita culpa nessa situação, porque fazem afirmações meramente ideológicas como se fossem verdades absolutas", indica. "Enquanto o governo prometer essas reformas, que beneficiam uma parcela muito pequena da população, eles vão bancar", constata.

O resultado, observa Pfeifer, é que a confiança dos investidores se reflete na bolsa, que registrou recordes em 2019 e se valorizou quase 30%. Por outro lado, os dados da balança comercial decepcionaram: as exportações e importações caíram 20,5% em relação ao ano anterior e mais de US$ 3,5 bilhões investidos no Brasil foram vendidos ou retirados do país.

"Creio que os dados da balança comercial de 2019 não devem ser entendidos como uma tendência, mas sim como uma adaptação a novos tempos, de taxas de juros mais baixos, de câmbio mais real, desvalorizado, que reprime um pouco as importações", analisa o professor da USP. "Isso pode ser corrigido com maior abertura econômica, redução de tarifas e do protecionismo."

Critério ambiental é cada vez mais importante

Menos otimista em relação à retomada econômica, a pesquisadora associada da Fundação Getúlio Vargas Lia Valls Pereira avalia que, se no Brasil as controvérsias não parecem ter impacto negativo na economia, no exterior o critério ambiental tem uma relevância crescente junto aos investidores internacionais. O tema é o foco das discussões do Fórum Econômico de Davos.  

"O Banco Internacional de Compensações (BIS) acaba de lançar um dossiê dos bancos centrais, no qual afirma que a próxima crise mundial pode vir pela questão climática. Ou seja, esse é um tema que não dá mais para ficar de fora, e obviamente é preciso ter um discurso mais alinhado do Brasil, do ponto de vista da agenda econômica", destaca Valls Pereira, que também é professora de Relações Internacionais da UFRJ. "O complicado é que toca em aspectos que a área econômica brasileira também concorda, como o aumento das possibilidades de exploração de terras indígenas pela agricultura e a mineração", adverte.  

Desconexão perigosa

Igualmente cético em relação aos indicadores brasileiros, Francisco Lopreato frisa que não é de hoje que a esfera econômica demonstra uma certa desconexão com o que acontece na política. O maior exemplo é o caso chinês, segundo maior PIB do planeta e que comercializa com o mundo inteiro - mas que, internamente, é um regime autoritário que persegue opositores e desdenha dos direitos humanos.

"Se você pegar todo o terceiro Reich na Alemanha, a economia bombou. Porém, depois, deu no que deu", relembra o professor da Unicamp. "Acho que essa separação dura algum momento, mas não se sustenta com o tempo. Não tem como fazer uma economia muito boa sem uma preocupação social e em um governo que politicamente é um horror e não está preocupado com isso."

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