Marielle: Lessa pede desculpas e se diz arrependido por morte da vereadora
O ex-policial militar Ronnie Lessa, 54, que já havia confessado em delação premiada ser o autor dos tiros que vitimaram Marielle Franco e Anderson Gomes, em 2018, detalhou, durante 2h30, como planejou e executou o duplo homicídio. No fim, pediu desculpas às vítimas, à sociedade e se disse arrependido.
"Infelizmente, não podemos voltar no tempo, mas hoje tento fazer o possível para amenizar. (...) Fiquei cego, fiquei louco. A minha parte era R$ 25 milhões. Eu reconheço. Não tenho vergonha hoje de falar isso. Tirei um peso das minhas costas confessando o crime. Vou cumprir o meu papel até o final e tenho certeza absoluta que a justiça vai ser feita", afirmou.
Preso em Tremembé (SP), Lessa depôs por videoconferência ao 4º Tribunal do Júri do Rio. Seguindo o que já havia dito na delação, firmada com a Polícia Federal, o ex-PM confirmou à Justiça que vigiou a vereadora por meses antes de cometer o crime.
A pedido do MP (Ministério Público), Lessa não disse quem ele delatou como mandantes do crime para não influenciar no processo do STF (Supremo Tribunal Federal), que investiga quem mandou matar Marielle.
Na delação, Lessa afirmou que foi contratado por Domingos Brazão, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), e por Chiquinho Brazão (sem partido), deputado federal, para assassinar a vereadora. Os irmãos Brazão negam envolvimento no crime.
O delator também disse que o delegado Rivaldo Barbosa, que assumiu a chefia da Polícia Civil um dia antes do crime, recebeu propina para proteger os atiradores e os mandantes dos assassinatos. O delegado nega.
A proposta
Lessa afirmou que entre o fim de 2016 e o início de 2017, recebeu uma oferta que poderia torná-lo milionário. Na ocasião, a proposta era a encomenda de Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur e que foi o relator da CPI das Milícias na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).
"Eu achei inviável, uma loucura isso aí. Houve uma suspensão nessa questão. Em setembro [de 2017], surgiu a proposta em relação à Marielle. Não me falaram o nome dela, não sei nem se quem propôs sabia o nome dela", afirmou no depoimento.
O ex-PM afirmou que teve uma primeira reunião, pessoalmente, com os mandantes (sem nominá-los). Ali, disseram o nome de Marielle pela primeira vez. "Então, nós buscamos os meios necessários para dar prosseguimento nisso aí", disse.
"Na época, o que me foi dito é que ela entraria no caminho, seria uma pedra no caminho, da venda de dois loteamentos no Tanque."
Então, Lessa afirmou que se estruturou para conseguir carro, arma e celulares que seriam descartáveis. Enquanto isso, por meses, passou pelo local onde achava que Marielle morava.
O começo
Lessa afirmou que Élcio de Queiroz sempre lhe pedia emprego, desde quando foi expulso da PM. Na virada do ano de 2017 para 2018, Lessa convidou Queiroz para participar do crime, de acordo com o depoimento.
"Não disse a ele do que se tratava. Falei que tinha um trabalho pra ser feito", resumiu.
No dia 14 de março de 2018, entre 14h e 15h, ele recebeu a informação, por telefone, do local onde Marielle estaria, na Lapa. "Acionei o Élcio minutos depois, ele falou que tava trabalhando, mas que ia resolver. E deu um jeito: logo depois, ele retornou e disse que só tinha que passar em casa", afirmou.
Ele disse que, então, abriu o computador, pegou a foto da Marielle e enviou para Queiroz.
"Ele chegou na minha casa 17h05, 17h07, deixou o carro na minha casa. Saímos no meu carro, deixamos meu carro na avenida Lucio Costa, na Barra, e partimos para lá", afirmou.
Já no local do evento, ambos observaram Marielle chegando no carro. Lessa e Queiroz ficaram esperando a saída. Queiroz estava dirigindo, Lessa foi para o banco de trás.
Execuções
"O carro dela saiu. Esperamos ela sair. Eles embarcaram no carro e nós fomos atrás. Olhei todos entrar. A Marielle no banco traseiro na direita, ao lado esquerdo a Fernanda e no volante o Anderson", disse o réu confesso.
Queiroz emparelhou o carro, Lessa afirmou que mirou na cabeça da vereadora e atirou. "Não era a finalidade matar o Anderson nem a Fernanda, mas efetuei sabendo do risco que corria", afirmou.
Depois, os ex-PMs levaram o carro até a região do Engenho de Dentro. Lessa chamou seu irmão e entregou a arma para ele, sem que ele soubesse o que tinha.
Depois, os atiradores foram a um bar, onde ficaram bebendo até a madrugada. Ali, descobriram, por um garçom, que tinham matado Anderson, além de Marielle.
Delatores
Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz assumiram participação no crime em delação premiada à Polícia Federal.
Lessa admitiu ter atirado contra Marielle e Anderson. Queiroz teria participado do planejamento, monitorado a vereadora e dirigido o carro, um Cobalt prata, utilizado no duplo homicídio.
Ao todo, nove testemunhas foram ouvidas nesta quinta-feira no 4º Tribunal do Júri do Rio, sendo sete pessoas indicadas pelo MP e as outras duas pela defesa de Lessa.
De acordo com o Ministério Público, os criminosos se livraram das armas utilizadas no crime jogando-as no mar, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, local onde Lessa vivia e seu reduto de ações ligadas a um grupo miliciano.
Lessa afirmou que a motivação do crime teve como principal motivação grilagem de terras na zona oeste da capital fluminense.
Segundo ele, Marielle se opôs numa discussão na Câmara dos Vereadores sobre um texto que previa flexibilizar exigências legais, urbanísticas e ambientais para a regularização de imóveis.
O Ministério Público afirmou que a delação que os réus acordaram com a PF não prevê redução de pena.