Alain Delon: conheça a biografia de um dos maiores astros da história do cinema francês
Nos destaques da imprensa internacional, os holofotes estão voltados para homenagear Alain Delon, a lenda do cinema francês, que morreu na manhã deste domingo (18) em sua casa em Douchy, a 130 quilômetros de Paris, segundo anunciaram seus três filhos. Delon chegou ao cinema quase por acaso.
Considerado um dos maiores atores franceses de todos os tempos, sua beleza e atuação instintiva permitiram que ele se consagrasse ainda muito jovem, por meio de uma série de filmes lendários. Delon ficou conhecido internacionalmente pelo filme 'O Sol por testemunha', e foi símbolo sexual nas décadas de 1960 e 1970.
O ator vinha sofrendo com problemas de saúde nos últimos anos. Ele teve um ataque cardíaco em 2019 e segundo o jornal Le Parisien "não era mais a fera que havia sido durante muito tempo". Apesar disso, a biografia do ator é cheia de boas histórias.
Infância de Delon
Nascido em 1935, Alain Fabien Maurice Marcel Delon tinha quatro anos quando seus pais se divorciaram. Sua mãe o confiou a uma babá, a Senhora Nero, cujo marido era guarda na prisão de Fresnes (segunda maior penitenciária da França, ao sul de Paris).
"Passei parte da minha juventude dentro dos muros da prisão de Fresnes", confidenciou ele em uma entrevista, se referindo à cadeia como um ambiente bastante especial que talvez explique sua proximidade com criminosos durante grande parte de sua vida.
Com a separação de seus pais, o jovem Alain passou toda o período escolar em um colégio interno. Rebelde, foi expulso de seis escolas entre os 8 e os 14 anos, quando deixou o colégio definitivamente para ir trabalhar para o novo marido de sua mãe, Paul Boulogne, que era dono de uma delicatessen.
Embora quando nasceu em Sceaux, perto de Paris, seu pai biológico fosse o diretor de um pequeno cinema, nada predestinava Delon a uma carreira nas telas. Absolutamente nada, além de um físico que por muito tempo lhe rendeu o status de "homem mais bonito do mundo" em muitos países, inclusive na França, e, acima de tudo, abriu as portas dos estúdios.
"Não se pode entender Delon, seu caráter com todas as suas fraquezas e a melancolia que parece nunca tê-lo abandonado, a menos que se olhe para os primeiros 20 anos de sua vida, uma existência sombria e solitária que, segundo ele, certamente teria se tornado trágica se não tivesse se tornado ator", escreveu o jornalista Christophe Carmarans, da RFI.
Adolescência do astro
Quando jovem, Alain sonhava com o ciclismo e o conhecido Tour de France, mas mesmo assim foi aprovado no CAP (certificado de treinamento vocacional na França) de charcuteiro, que parecia destinado a torná-lo o sucessor de seu padrasto na loja um dia. Entretanto, o desejo de liberdade era mais forte. Aos 17 anos, ele entrou para a Marinha. Para fugir, mas também pelo bônus de alistamento: 152 mil francos antigos (cerca de € 3 mil euros hoje). Ele foi parar em Toulon, no sul da França, e seus problemas começaram quando ele e um cúmplice foram pegos roubando equipamentos de rádio.
A França estava perdendo a guerra quando ele desembarcou na Ásia, depois de um mês no mar. Em Saigon, entretanto, ele finalmente se sentiu parte de uma família entre jovens soldados que não se importavam com o perigo e, como ele, amavam a aventura e a liberdade. Ele também descobriu os prazeres da vida nos trópicos e até viu o filme 'Touchez Pas Au Grisbi' ('Grisbi, Ouro Maldito', de1954) em um cinema. Foi um grande choque. Imediatamente, ele se tornou um fã incondicional de Jean Gabin.
Como em Toulon, a aventura militar acabou mal. Preso por dirigir um jipe roubado em uma vala, ele comemorou seu vigésimo aniversário em uma delegacia antes de ser mandado de volta para a França sem um tostão.
Era 1956 e ele estava de volta ao bairro parisiense Pigalle, dividindo um quarto com um antigo companheiro de regimento. Sua beleza não passou despercebida pelas beldades locais, que estavam sempre prontas para "ajudá-lo". Alain tomou consciência de seu poder de sedução, mesmo que seu rosto de querubim ainda estivesse em desacordo com a raiva que fervilhava dentro dele.
"Pessoalmente, eu me achava sem graça, em outras palavras, piegas e jovem. Não me achava fisicamente viril o suficiente. Hoje em dia, vocês diriam que eu era muito 'maricas'", disse ele anos depois.
Foi um período bastante nebuloso, entre empregos não fixos e a vida noturna parisiense, mas as coisas logo se encaixaram, por intermédio de várias mulheres. Em uma festa em Saint-Germain-des-Prés, ele seduziu Brigitte Auber, uma atriz da moda na época e dez anos mais velha que ele. Ele a seguiu até a Côte d'Azur, onde se tornou amante de outra atriz, Michèle Cordoue, a terceira esposa do diretor Yves Allégret.
Nasce uma estrela
Ela convenceu o marido a fazer um teste com Delon, mas ele relutou muito no início: "Nem sequer passou pela minha cabeça ser ator", disse ele. Michèle Cordoue, no entanto, conseguiu um papel para ele em "Quand la femme s'en mêle" ('Uma tal condessa', na versão brasileira, 1957), um papel feito sob medida para ele: o de um jovem bandido encarregado de executar um contrato para o dono de uma boate.
Delon, que nunca havia tido aulas de teatro, era um ator nato. "Entrei nesse negócio imediatamente, sentindo-me como um peixe na água", admitiu ele mais tarde em uma entrevista. "Eu não sentia que estava atuando. Eu não estava atuando, eu estava vivendo".
Dessa vez, foi Edwige Feuillère, a estrela feminina do filme, que o notou e o colocou nas mãos de sua agente Olga Horstig, cujo casting incluía Michèle Morgan e Brigitte Bardot.
Já no circuito, Delon estrelou vários filmes. O ano de 1960 foi crucial marcado por duas obras-primas que o estabeleceriam como uma estrela internacional: "Plein soleil" (O Sol por Testemunha), de René Clément, que o lançou mundialmente como estrela do cinema, e "Rocco et ses frères" (Rocco e Seus Irmãos), de Luchino Visconti, dois diretores que lhe ensinariam tudo sobre a profissão, dois papéis nos quais sua beleza selvagem e seu talento instintivo explodiram na tela. O ano de 1961 também marcou sua estreia no teatro, quando superou seu medo do palco.
Duros anos 1980
Ao se aproximar de seus 50 anos, Delon continuou sendo uma estrela, mas saiu de moda e teve dificuldades para se renovar. Foi seu papel de contraponto como um perdedor alcoólatra em "Notre histoire" (1984), de Bertrand Blier, um filme que ele produziu, que lhe rendeu um prêmio César de Melhor Ator. Agora, separado de Mireille Darc, de quem continuaria sendo amigo íntimo, ele operava a marca Delon sob licença de sua própria empresa, a Alain Delon Diffusion SA, com sede em Genebra, na Suíça. Cigarros, óculos, artigos de couro, perfumes, relógios, roupas, sapatos, malas, artigos de papelaria, bebidas alcoólicas - tudo que leva seu nome vende e vende bem, principalmente na Ásia, onde ele desfruta de uma fama estratosférica.
Colecionador de arte astuto, ele também fez bons negócios nesse campo participando de leilões que lhe renderam milhões de euros. Proprietário de uma vila nos subúrbios chiques de Genebra, comprada em 1985, ele obteve a nacionalidade suíça em 1999. Sua vida privada foi pontuada por outras conquistas, incluindo Rosalie Van Breemen, uma modelo holandesa com quem ele ficou por quinze anos e que lhe deu dois filhos: Anouchka, nascida em 1990, e Alain Fabien, nascido em 1994.
Menos procurado no cinema, com apenas uma dúzia de filmes nas últimas três décadas, incluindo "Nouvelle vague" (1990), de Jean-Luc Godard, além de participações em "Les acteurs" (2000), de Bertrand Blier, e "Asterix at the Olympic Games" (2008), de Thomas Langman, no qual interpretou uma autoparódia de Júlio César, ele voltou aos palcos, especialmente em "Sur la route de Madison", ao lado de Mireille Darc, em 2007. Também foi tentado pela televisão em minisséries baseadas em seu nome: "Fabio Montale" (2002) e "Frank Riva" (2003, 2004).
De "monstro consagrado do cinema" ao lento declínio
Muito fraco nos últimos anos, o ator foi submetido a uma operação devido a uma arritmia cardíaca em abril de 2012, seguida por outra em setembro de 2013. Em agosto de 2015, queixando-se de intensa dor nas costas, foi levado às pressas ao Hospital Lariboisière para uma neurocirurgia facial. Retirado em sua propriedade em Douchy por dezoito meses, ele reapareceu em janeiro de 2016 para aplaudir o cantor quebequense Robert Charlebois, que estava comemorando seu 50º aniversário no Olympia, e depois em Colombey-les-Deux-Églises, em 18 de junho do mesmo ano, para emprestar sua voz a uma comemoração do apelo do General de Gaulle, "uma honra", declarou. Profundamente afetado pela morte de Mireille Darc no final de agosto de 2017, ele expressou seu desgosto pela vida nessa famosa edição especial da Paris-Match.
"A vida não me oferece muito mais. Já conheci tudo, já vi tudo. Mas, acima de tudo, eu odeio esta era, eu a vomito", disse ele aos 82 anos de idade. "Sou um ator, não um comediante, não fui ao Conservatório", acrescentou.
"Não fiz nada. Saí da escola aos 14 anos e fui para o Exército. Sou um ator como Jean Gabin, Lino Ventura e Burt Lancaster. Uma personalidade forte que foi trazida para a tela. E posso dizer, sem falsa modéstia", concluiu, 'que fui bem-sucedido nessa profissão'. Junto com sua filha mais nova, Anouchka, ele recebeu a Palma de Ouro por sua carreira em 2019.
Os anos que se seguiram foram marcados por uma série de problemas graves de saúde e vários casos familiares. Um deles opôs seus três filhos à sua cuidadora Hiromi Rollin, a quem acusaram de assédio moral, confinamento e abuso de fraqueza. E o outro divide seus filhos sobre seu estado mental e físico, com a questão da herança como pano de fundo. Um relatório médico colocou o ator sob proteção judicial em janeiro de 2024 e, três meses depois, sob tutela reforçada.
O site da RFI em francês listou a larga lista de seus filmes e destacou os trabalhos mais importantes do admirado ator através de sua trajetória, passando pelo auge da carreira ao declínio, já idoso.